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quinta-feira, 28 de abril de 2016

POESIA DO SERTÃO

Por Severo Ricardo Grandson

Um dia me perguntou
Um grande amigo de infância
Pra quê escrever cordel?
- Raimundo com ignorância -
Pra quê gastar o seu tempo
Todo o seu conhecimento
Com algo sem importância.

E nesse mesmo momento
Me veio um ódio profundo,
Subiu mais sangue à cabeça
Tudo escureceu ao fundo.
Me deu logo sem pensar
Vontade de acertar
Um murro grande em Raimundo.

Mas logo que eu fiz pantin
Pra fazer a tal desgraça,
Raimundo me segurou
E me disse achando graça:
"Eu estava era brincando,
Vá logo se acalmando,
Deixe de tanta arruaça!"

"Eu brinquei pois sei o quanto
tu gostas de escrever
pra ver sua reação,
consultar seu parecer
de quem não da importância
à humilde jactância
do Cordel em seu saber."

Disse à Raimundo ofegante,
Quase me recuperando
Do susto que recebi.
A ele eu disse versando:
"Nunca mais ouse brincar,
com poesia popular,
como tu estais brincando."

A minha filosofia
Permite reflexão
Mas quando se inicia
Uma curta discussão
Esqueço ser diplomata,
Num instante sou primata
Parto logo pra agressão.


Disse Raimundo: "Me perdoe
com clemência e piedade.
Pela continuação
desta nossa amizade,
não devia ter brincado
com o Cordel e o esnobado
mesmo sem veracidade."

"Entendo eu que o cordel,
faço seu meu linguajar
é grande repercutor
da cultura popular.
E é um lamento ter sido
por tanto tempo esquecido
na vala do ignorar."

Eu disse: "Raimundo, eu sei
que a arte é singular
mas o cordel detém
em todo o seu linguajar
uma herança cultural
inserida no plural
do folclore elementar."

É através do cordel
Que se diz o que se passa
Na vida, em poesia
Tudo que o destino traça
Todo tipo de injustiça
De maldade e de cobiça
Que no mundo se disfarça

Retrata de modo simples
Toda a rica importância
Do sertanejo ao doutor
Sem vestígios de distância
Relatando os seus esforços
Misturando os paradoxos
Humildade e jactância.

O cordel também exalta
Histórias interessantes,
Seja fato ou ficção
Em um recitar constante.
Seja um cordel de amor,
De um pavão voador
Ou um cangaceiro brilhante.

Raimundo disse: "É pena
que muita gente não dê
o valor tão merecido
ao cordel que não se vê
nos livros, sites e listas
nem esteja nas revistas
que o Brasil costuma ler".

Por ser pouco incentivado
Pelos nossos governantes,
O cordel é para os jovens
Um tanto quanto distante
Porém o esquecimento
Lhe dá o merecimento
De vencer perseverante

E mesmo assim o cordelista
Mártir da ignorância,
Não se intimida a viver
Marginal, sem importância.
Aos olhos da criatura
Que não enxerga a cultura
À um palmo de distância.

Foi o poeta Apolônio
Pelo estado censurado
Por defender em seus versos
O pobre assalariado
Sobre a falta de dinheiro
Do cidadão brasileiro
À depor foi intimado.

Na cidade de Assaré
Um grande poeta prenderam
Por cantar sobre os descasos
Que lá se assucederam.
A prisão de Patativa
Foi só uma tentativa
De o calar de forma vã.

O cordel é grande vítima
De um preconceito profundo,
Onde cada bom cordel
É chamado de vagabundo,
Literatura de Cego.
É por isso que não sossego
Meu caro amigo Raimundo.

Só vou sossegar no dia
Em que todo cidadão
Fomente a poesia
Com toda a sua atenção
Reconhecendo o lamento
Dê o reconhecimento
À Poesia do Sertão

O Sertão que nos permite
Ser tão humilde de um jeito
Que toda palavra e rima
É tirada dentro do peito
Do caboclo nordestino
Puramente genuíno
Merecedor de respeito.

É por isso que o cordel
Se sobressai à cultura
Sendo arte singular
Em toda a literatura
Brasileira e mundial
Nordeste em especial
Mostrando toda a bravura.

Foi trazido pro Brasil
Nos tempos das Caravelas
Herança dos jesuítas
Que recitavam a capela
Pros povos que escutavam
E sempre se admiravam
Com aquelas histórias belas.

No nosso nordeste a seca
Castigou nosso sertão
Mossoró também se armou
Castigando Lampião
Porém a ignorância
Castiga sem tolerância
O cordel em sua ação.

Raimundo disse me olhando:
É sério o que eu vou falar
Vai ser a última vez que
Que com isso vou brincar
O cordel é coisa séria
Mesmo com toda miséria
A qual se costumam tratar.

Dá um ódio grande mesmo
Ver o cordel ser tratado
Com tanta pouca importância.
É de ficar transtornado
Agora eu lhe dou razão
Pela sua reação
Quando ficou irritado.

"Pois assim como o você,
agindo em linha direta
o Cordel da um grande murro
na cara do anti-poeta
fazendo da poesia
uma grande anestesia
no juízo do pateta.


Poeta Popular Potiguar, natural de Olho D´água do Borges.

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzagueano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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