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sábado, 29 de setembro de 2012

AS MULHERES NO CANGAÇO

Por: Archimedes Marques
Caricatura do autor Archimedes Marques criada por ele próprio.

A luta da mulher pela igualdade de direitos sempre foi constante na história da humanidade, vez que desde os primórdios, perdurando por séculos e séculos era considerada como se objeto fosse, um ser inferior de sexo frágil sempre dominada pelo chamado sexo forte. Na década de 30 do século passado, enquanto nos grandes centros mundiais e principais cidades do Brasil, movimentos de mudança em prol da mulher se sucediam e se multiplicavam, no nosso sertão nordestino tudo continuava como dantes, sem mudança de comportamento algum. Entretanto, mesmo sem saber que estava fazendo verdadeira revolução, a brava sertaneja ao largar tudo para seguir o cangaceiro em vida perigosa e sem futuro serviu de exemplo de força, coragem e determinação para outras mulheres do país, além, de certa forma mudar a história do cangaço, separando assim tal movimento em duas fases, fazendo também que nessa segunda fase houvesse menos selvageria e até aparecesse a figura do amor entre aqueles rudes e ignorantes personagens.

João de Sousa Lima

Tomando emprestadas as palavras do amigo João de Sousa Lima: “A mulher, na expressão primordial da palavra, amenizou as marcas das pegadas ferradas das sandálias de couro do cangaço e em seus rastros gravou sua passagem, nos confins do solo sagrado de uma nação chamada Nordeste”.

Buscando o fato motivador dessa inusitada atitude feminina como tipo de amor arrebatador ou mesmo como falta de uma melhor opção de vida diz o citado historiador: “Várias histórias povoam esse estranho mundo feminino. Mulheres viam nas passagens dos cangaceiros, em suas roupas coloridas e seus apetrechos brilhantes, uma forma diferenciada de vida e, no entanto, como uma armadilha, se envolveram em um mundo recheado de tiroteios, mortes, sangue, fugas alucinadas e escapadas perigosas”.

João de Sousa Lima na palestra em Aracaju

A mulher cangaceira não foi uma mulher submissa, não foi uma mulher escrava, caseira, muito pelo contrário, foi uma mulher “paparicada”, respeitada e até tratada com amor pelo seu companheiro e pelos demais componentes do bando dentro das reais possibilidades que a dura vida assim exigia, com raras exceções é evidente, pois as traições amorosas femininas não eram admitidas em hipótese alguma.

Então, de volta a nossa realidade, cumprindo um cronograma organizado pela Cyntilante Produções que realizou a turnê “Lampiãozinho e Maria Bonitinha”, uma peça teatral de grande sucesso cuja produção vencedora de 19 prêmios é uma das criações de 

Fernando Bustamante

Fernando Bustamente, um carioca radicalizado em Belo Horizonte, homem da arte e da cultura que também preserva com tal peça as raízes cangaceiras do nosso querido Nordeste brasileiro, de igual modo, de tudo foi acompanhado de 13 a 23 do corrente mês e ano, em excelentes e bem explicativas palestras com o tema AS MULHERES NO CANGAÇO, pelo nosso estimado escritor e amigo João de Sousa Lima.


Assim inteligentemente foi unido o útil ao agradável, pois nada melhor para a peça “Lampiãozinho e Maria Bonitinha” do que estar acompanhado de um nordestino nato, um “cabra macho” pernambucano radicalizado na aprazível Paulo Afonso, um pesquisador, estudioso, escritor que sabe tudo e muito mais a respeito do cangaço, um verdadeiro “Sherlock Holmes” das caatingas que esmiúça, investiga e descobre personalidades que vivenciaram aquela época de sangue e lágrimas (mas também de amor) e, porque não dizer, um historiador que desvenda verdadeiras histórias então escondidas, destarte para a trajetória de vida dos ex-cangaceiros 

Moreno e Durvalina

Moreno e Durvinha, incógnitas e submersos nas Minas Gerais por sete décadas, mas trazidos à tona anos atrás graças a interferência direta de João de Sousa Lima.

Sem dúvida alguma, aquelas pessoas que tiveram o privilégio de assistir alguma das seis palestras de João de Sousa Lima – como tivemos no último dia 22 aqui em Aracaju – além de viajarem de volta ao cangaço, aprenderam muito com os ensinamentos desse grande e obstinado historiador.

As eloquentes explicações em analises das diversas fotografias relacionadas às personagens do cangaço apresentadas por João de Sousa Lima foi iniciada na cidade de Juazeiro do Norte, no Cariri cearense, terra adotada pelo amado e imortal “Padim Ciço”. 

Padre Cícero - coisadecearense.blogspot.com

Ingressar para falar agora sobre o fantástico mundo de Juazeiro, sua sedição, suas lutas, suas glórias, seus heróis, seu misticismo, seu messianismo, sua religiosidade, seu povo em verdadeira adoração ao Padre Cícero Romão Batista e este por sua vez em suposto apoio a Lampião e ao cangaço é debruçar em “montanhas” de escritos e opiniões diversas, por isso é melhor que fiquemos somente neste parágrafo que bem traduz a irreverência do citado palestrante que sem dúvida ensinou e também mais aprendeu com a interessada assistência que lotou a Escola Iva Emidio Gondin naquele memorável dia 14/09/2012.


Serra Talhada foi a segunda estada do citado grupo. Justamente a área inicial de conflito dos eternos inimigos 

Lampião e seu inimigo nº 1 - Zé Saturnino

“Virgulino Ferreira da Silva e Zé Saturnino” e que de todo o conflito deu origem a era “Lampiônica”, trocando em miúdos, ao cangaço de Lampião que ganhou fama não somente no Nordeste, mas também no Brasil e porque não dizer, mundo afora. Terras circunvizinhas que também deram tantos outros componentes dessa história de sangue e barbárie, a exemplo de Nazaré do Pico, um pequeno povoado encravado no sertão de Pernambuco, cujo lugarejo localizado nas proximidades de Serra Talhada, mas pertencente ao município de Floresta, saíram os mais ferrenhos perseguidores de Lampião, dentre eles: Odilon Flor, Euclides Flor, Gomes Jurubeba, João Gomes Jurubeba, Davi Jurubeba, Enoque Menezes, João Gomes de Lira e o mais famoso deles, o incansável Manoel Neto, que chegou ao posto de Coronel da brava policia pernambucana.

Manoel de Sousa Neto

Serra Talhada é hoje a mais importante cidade do sertão pernambucano e é considerada a capital do xaxado, justamente em alusão a dança mais usada, ou mesmo inventada pelos cangaceiros. Essa terra de cabras valentes é também destaque cultural e teatral com o 

carlosbritto.com

“Grupo de Xaxado Cabras de Lampião” bem administrado pelo amigo escritor e pesquisador 

Cleonice Maria, Ivanildo Silveira e Anildomá Willians

Anildomá Willians de Souza e sua esposa Cleonice, dentre outros grupos da região circunvizinha que encantam todos aqueles que assistem a tais espetáculos. Nessa cidade a peça teatral “Lampiãozinho e Maria Bonitinha” se destacou igualmente também ao sucesso da palestra “As mulheres no Cangaço” que encantou os estudantes e professores do Colégio Cônego Torres em inesquecível e marcante dia 17/09/2012.

Cedida gentilmente pelo escritor João de Sousa Lima

A sua terceira apresentação ocorreu em Água Branca nas Alagoas região da famosa Baronesa Joana Vieira Sandes de Siqueira Torres, viúva do Barão Joaquim Antônio de Siqueira Torres, cujo assalto a essa cidade em 1922, deu a Lampião, recém "nomeado" líder do bando de 

Sinhô Pereira

Sinhô Pereira, início de sua fama de audaz bandoleiro, sem esquecer que naquelas paragens também nasceu um dos mais destacados cangaceiros da história, Cristino Gomes da Silva Cleto, mais conhecido como Corisco o Diabo Louro.  

Os cangaceiros: Corisco e Dadá

Consta que do inteligente e bem arquitetado crime de roubo realizado nessa cidade pelos cangaceiros, mais de perto, na mansão da Baronesa de Água Branca, anos depois, já na segunda fase do cangaço, mais de perto a partir de 1929, por muito tempo as jóias roubadas dessa famosa senhora ornaram e embelezaram ainda mais a figura de Maria Bonita até que se perderam nas mãos dos policiais volantes que a decapitaram em 1938.

Maria Bonita

O Ponto de Cultura Engenho da Serra na cidade de Água Branca ao lotar suas galerias em 18/09/2012 viveu dos seus maiores momentos de glória com as falas de João de Sousa Lima e a linda apresentação teatral que com certeza não se perderão no tempo e no espaço.

Como não poderia deixar de ser, o grupo chegou para a sua quarta apresentação na simpática e aprazível cidade de Paulo Afonso. Por sinal o município que deu a personagem feminina maior dessa história nordestina, Maria Bonita, a inesquecível mulata da terra do condor que sem sombra de dúvida dominava uma fera perigosa, uma morena trigueira que sabia fazer o rei do cangaço gemer sem sentir dor, como bem diz o grande poeta Zé Ramalho em uma das suas mais lindas canções. 

Zé Ramalho

Das terras da Malhada da Caiçara saiu o único e verdadeiro amor de Lampião. De Paulo Afonso a segunda fase do cangaço se fez maior, como já dito, “mais humana”, pois onde existe mulher existe o amor. 

Nunca é demais falar que Paulo Afonso foi o município brasileiro que mais ofereceu componentes para o cangaço, chegando, pelas pesquisas efetuadas por João de Sousa Lima e outros historiadores ao número de 47 cangaceiros, entre homens e mulheres, que se embrenharam naquela dura vida bandida das caatingas.

Sem citar os homens, entre as mais famosas cangaceiras que saíram da região de Paulo Afonso, estão: Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita, do povoado Malhada da Caiçara; Lídia Pereira de Souza, do Povoado Salgadinho (citada por todos os cangaceiros sobreviventes como sendo a mais bela de todas as cangaceiras. Assassinada covarde e brutalmente a pauladas pelo seu companheiro 


Zé Baiano em decorrência de uma traição amorosa); 

Nenê, Luiz Pedro e Maria Bonita

Nenê (a carinhosa Nenê, companheira de Luis Pedro), também do povoado Salgadinho; Otília Maria de Jesus (Otília, companheira de Mariano), do povoado Poços; 

Inacinha e Gato

Inácia Maria das Dores (Inacinha, companheira do feroz cangaceiro Gato, por sinal ambos índios da tribo Pankararé), do Brejo do Burgo; Catarina Maria da Conceição (Catarina, companheira do cangaceiro Nevoeiro, também uma índia da tribo Pankararé), igualmente do Brejo do Burgo; 

Grupo do cangaceiro Virgínio

Durvalina Gomes de Sá, (Durvinha, companheira apaixonada pelo cangaceiro Virgínio e após a morte deste, eterna mulher do cangaceiro Moreno), nascida no povoado Arrasta-Pé.

Das terras baianas o grupo teatral e nosso homenageado João de Sousa Lima, aportaram em Porto da Folha no nosso querido Estado de Sergipe, para a sua quinta e penúltima apresentação. Da chamada terra dos “buraqueiros”, há se ressaltar que nenhum outro município da região tem uma história cultural tão grande quanto Porto da Folha, pois em verdade os municípios de Canindé do São Francisco e Poço Redondo também faziam parte das suas terras até que ganharam suas emancipações políticas e administrativas posteriormente. Assim, Poço Redondo desponta hoje como sendo o segundo município nordestino a mais fornecer membros para o cangaço, ou seja, foram 34 filhos desse então povoado de Porto da Folha que acompanharam o bando de cangaceiros, sem esquecer do marco maior dessa história, ou seja, o local onde ocorreu o combate final de Lampião. Foi na gruta de Angico, que em 28/07/1938 Lampião e Maria Bonita, juntos com outros nove cangaceiros, foram mortos pela volante alagoana comandada pelo Tenente João Bezerra.

João Bezerra - o matador de Lampião

Com efeito, como diz o amigo escritor e poeta Rangel Alves da Costa: “Um dos fenômenos mais marcantes da história de Poço Redondo diz respeito ao banditismo social, na sua vertente cangaço, que brotou no lugar numa profusão de raízes e frutificou impressionantes consequencias. 

Escritor e poeta Rangel Alves da Costa

Mesmo tendo surgido em outros rincões nordestinos, foi na aridez poço-redondense que o cangaceirismo mostrou sua feição mais nítida, mais acabada, mais cruel e também a mais romântica”. Foi justamente no reinado de Lampião em Sergipe que Poço Redondo experimentou a convivência e o medo com as ações cangaceiras.

Escritor Alcino Alves Costa

Falar em Poço Redondo sobre o cangaço e não falar do grande amigo escritor Alcino Alves Costa é a mesma coisa do cidadão ir a Roma e não ver o Papa, assim, relembrando fatos importantes, de acordo como “Caipira de Poço Redondo”, dois acontecimentos do cangaço marcaram profundamente a vida dos habitantes desse município: “Nenhum lugar, na vastidão dos campos sertanejos, viveu agonia tão grande e provações tão gigantescas como o pequenino núcleo das brenhas do Riacho Jacaré”. Por duas vezes, toda a população do então povoado Poço Redondo abandonou suas casas com medo da violência dos cangaceiros e da volante. Esses acontecimentos ficaram conhecidos como “As Carreiras”. Aquela vidinha sem novidades e aborrecimentos tinha se acabado com a chegada de Lampião em Sergipe, mais de perto, naquelas cercanias. Todas as desgraças e horrores começaram a aparecer, atingindo cruelmente as famílias e habitantes daquele abandonado pedaço do nosso pequenino Estado. O primeiro assassinato em Poço Redondo aconteceu em 1932. O cidadão conhecido por Santo da Mandassaia foi morto cruelmente por Corisco. Assustados, todos os moradores do povoado deixaram suas casas e foram morar em Curralinho, um povoado à beira do Rio São Francisco. Em Poço Redondo não ficou um só morador, daí os militares decidiram que a povoação abandonada seria um ponto estratégico para o combate ao cangaço. Uma guarnição de dez soldados, comandados pelo sargento Alfredo, se estabeleceu no local e, sabendo disso, a população que havia se mudado para Curralinho resolveu voltar para suas casas, entretanto, mesmo com a presença dos militares, os moradores de Poço Redondo continuaram sofrendo todas as represálias e malvadezas dos cangaceiros, além de sentirem na pele os seus filhos abandonarem tudo para ingressarem no cangaço. Mais adiante, em 1937, revoltados porque os soldados mataram o cangaceiro Pau Ferro, os bandoleiros assassinaram os soldados Tonho Vicente e Sisi e ainda mandaram um recado garantindo que iriam invadir a vila de Poço Redondo. O pavor tomou conta de todos. A tropa que guarnecia o povoado estranhamente teve que se apresentar ao Quartel em Propriá e novamente a população ficou órfã, sem segurança alguma. A solução foi se mudar novamente para o Curralinho, situação que perdurou até a chacina de Angico com a consequente morte de Lampião, oportunidade em que aliviados e sem nada mais temer o povo voltou para Poço Redondo.

Peça Teatral Lampiãozinho e Maria Bonitinha

Da história consta que a instalação do município de Poço Redondo, desligando-se política e administrativamente de Porto da Folha somente ocorreu em 6 de fevereiro de 1956, ou seja, 16 anos após o termino oficial do cangaço, com a morte de Corisco em 25 de maio de 1940.

Ainda relacionado às terras de Porto da Folha na época do cangaço, hoje pertencentes a Poço Redondo há também de se destacar o ferrenho combate denominado “Fogo da Maranduba”, ocorrido no dia 9 de janeiro de 1932, na Fazenda Maranduba, cujo intenso e sangrento tiroteio é considerado um dos três maiores enfrentamentos entre cangaceiros e policiais volantes na história do cangaço. Dizem os pesquisadores e historiadores que esse combate só é comparado à sangrenta batalha de Serra Grande, em Pernambuco e ao não menos cruento embate de Serrote Preto, nas Alagoas. As baixas em Maranduba foram muitas e das polícias volantes comandadas pelos audazes combatentes perseguidores Tenente Manuel Neto da força pernambucana, do  Capitão do Exército Liberato com a ajuda do Tenente Zé Rufino da polícia baiana, contabilizaram-se oito mortos e diversos feridos, enquanto que, por parte dos perseguidos cangaceiros somente três mortos e um ferido. Sem dúvida, uma estupenda vitória de Lampião que contava no confronto com um número de componentes inferior a três vezes ao da força policial.

Como o tema é “As Mulheres no Cangaço” não teceremos maiores detalhes sobre os homens que abandonaram as suas famílias para seguirem Lampião. Assim, das terras de Poço Redondo saíram para o cangaço as seguintes mulheres: 

Ilda Ribeiro - A Sila

Sila (mulher de Zé Sereno e irmã de Novo Tempo, Mergulhão e Marinheiro), 

lampiaoaceso.blogspot.com

Adília (mulher de Canário e irmã de Delicado), 

Enedina, a primeira da esquerda - e Dadá

Enedina (mulher de Cajazeira, o Zé de Julião), Dinda (mulher de Delicado), Rosinha (mulher de Mariano), Áurea (mulher de Mané Moreno) e Adelaide (mulher de Criança, irmã de Rosinha e prima de Áurea), ou seja, um total de sete mulheres, sete valentes e destemidas guerreiras que por falta de opção ou mesmo por amor aos seus homens enveredaram na vida bandida do cangaço.

De Poço Redondo atual, não podemos deixar de citar e elogiar as ações do Grupo de Teatro e Xaxado “Na Pisada de Lampião”, criado em Julho de 1997 por Beto Patriota, Raimundo Cavalcante e Dionízio Cruz, um excelente grupo de abnegadas pessoas que aparece como mais uma iniciativa em prol de manter vivas as memórias do cangaço nesse município.

Peça Teatral Lampiãozinho e Maria Bonitinha

De volta a João de Sousa Lima e ao grupo teatral, os mesmos fecharam com chave de ouro as suas participações nessa turnê, aqui na nossa capital Aracaju. Bem sabido é que de Aracaju não partiu nenhum componente para o cangaço, entretanto, dessa terra, mais de perto, do Palácio do Governo na época do governador 


Eronildes de Carvalho e seu pai Antonio Caixeiro

Eronildes de Carvalho, sem dúvida alguma, surgiram muitas estratégias para acobertar o cangaço, pois é fato notório que o “coronel” Antonio Caixeiro, de Canhoba, pai do citado governador, era o mais famoso e importante coiteiro de Lampião em Sergipe. Em Sergipe a polícia fazia de conta que caçava Lampião e esse, por sua vez, fazia de conta que era caçado.

Peça Teatral Lampiãozinho e Maria Bonitinha

João de Sousa Lima bem sabe enaltecer a forte mulher sertaneja que sem dúvida gerou uma grande referência em toda sociedade da época e deixou registrada sua passagem também nas veredas do cangaço. Todas elas tiveram grande importância no contexto histórico desse tempo. Concordamos com a opinião de que as mulheres cangaceiras vieram aplacar a fúria assassina e o desejo disforme dos seus companheiros que tanto feriram e humilharam as famílias nordestinas. Com a chegada e a permanência feminina no bando, os cangaceiros adquiriram mais respeito para com as indefesas caboclas sertanejas. Os estupros, antes presentes em quase todas as investidas criminosas, com a chegada das mulheres ao cangaço, praticamente deixaram de ocorrer.

Peça Teatral Lampiãozinho e Maria Bonitinha

Foi assim que eu vi e senti as boas falas do amigo João de Sousa Lima na sua irreverente palestra “As Mulheres no Cangaço”, um sertanejo, um pesquisador, um exímio escritor, um amante da nossa cultura que a despeito de todo bom e verdadeiro nordestino também cultua o grande e imortal Luiz Gonzaga, o nosso símbolo maior, o ser que conseguiu sintetizar os anseios incontidos de um povo através da cadência que intercala os sons da sanfona, do triângulo e da zabumba expressando o mais refinado circuito musical então existente na nossa história.

Privar da amizade de João de Sousa Lima é um privilégio que enriquece positivamente as relações de qualquer ser humano. João de Sousa Lima, além de tudo, sem dúvida alguma, é um cidadão possuidor de grandes virtudes, as quais se encontram indissociavelmente vinculadas ao código de honra de um povo forte, o povo sertanejo e nordestino que tanto nos orgulha.

Aracaju, 28 de setembro de 2012.

Archimedes Marques. (Delegado de Polícia em Sergipe, escritor do livro LAMPIÃO CONTRA O MATA SETE e eterno estudante dos assuntos relacionados ao cangaço).


Enviado pelo autor: Archimedes Marques 

CANGAÇO – MILLENARIAN REBELS: PROPHETS AND OUTLAWS - Parte III

Para os países que falam Inglês
Euclydes da Cunha – http://www.estadao.com.br

However, as the submissive university student, Euclydes da Cunha wrote with a certain objectivity, but in the offensive jargon of his masters: “He drew the people of the backlands after him, not because he dominated them, but because their aberrations (sic!) dominated him.”[18]

Of course, he announced Christ’s thousand year kingdom on earth after the end of the world, but around him, under his stimulus,jagunços[19], rebels, insurgents, organized themselves, occupied land, shared labor and goods, received gifts, not always voluntary.

The constituted order could not remain indifferent much longer to the expansion of a community that gave so little consideration to the idea of property, that so proudly ignored the foundations of authority, religion and the state, as the apostolic archbishop said. Therefore, in 1889, the advent of the Republic, this democracy of property owners, acted to speed up the conflict by making hostilities emerge. The millenarians considered the Republic precisely for what it meant: more state. It was mortal sin, the power of selfishness, of cupidity, the supreme heresy that indicated the ephemeral triumph of the antichrist.

“There are unlucky beings
Who don’t know how to do good
They degrade God’s law
And represent the jackal’s law
Protected by laws
You are so, people of nothing
We have God’s law
You have the jackal’s law”[20]

Conselheiro preached insurrection against the Republic and began to burn government decrees posted in the villages:

“In truth, I say unto you, when nation falls out with nation, Brazil with Brazil, England with England, Prussia with Prussia, then shall Dom Sabastião[21] with all his army arise from the waves of the sea.

King of Portugal Dom Sebastião I (1554-1578) – http://www.hirondino.com

“From the beginning of the world a spell was laid upon him and his army, and restitution shall be made in war.

“And when the spell was laid upon him, then did he stick his sword in the rock, up to the hilt, saying: Farewell, world!

“For a thousand and many, for two thousand, thou shalt not come.

“And on that day, when he and his army shall arise, then shall he with the edge of the sword free all from the yoke of this Republic.

“The end of this war shall take place in the Holy House of Rome, and the blood shalt flow even in the great assembly.”[22]

As the university student Euclydes da Cunha remarked with a valet’s conceit: “your jagunço is quite as inapt at understanding the republican form of government as he is the constitutional monarchy. Both to him are abstractions, beyond the reach of his intelligence. He is instinctively opposed to both of them… there was very little political significance to be found… such as might have lent itself to the messianic tendencies revealed. If the rebel attacked the established order, it was because he believed that the promised kingdom of bliss was near at hand.”[23]

Drawing done in the late nineteenth century, representing a Jagunço, fighter who followed Antônio Conselheiro – http://www.coceducacao.com.br

Up to now, the order established by monarchists or republicans has never led to the reign of delights for the poor, quite the contrary. Rather, we could witness with the Republic a clear-cut worsening of the fate reserved to those who do not possess anything. What the Conselheiro and his followers fight against was the progressive arrangement of a new order. They don’t rebel in the name of an old order, but for the idea they have of a human society. Their eye is not turned toward the past, but toward the future. They are carriers of a social project. Rising up against the constituted order, or the one that was beginning to be constituted, they rise up against the essence of a world that created private property, forced labor, the wage worker, police, money; they rise up against a social practice and its essence. For them the future is not a return to the past, but rather the end of a world, an overturning of society from top to bottom, a revolution for which the humanity that was there from the start finally returns as realized humanity.

The autonomy of the villages having been decreed, the local councils of the interior of Bahia had tacked up edicts meant to raise taxes on notice boards, traditional boards that took the place of the press.

When the news spread, Conselheiro was at Bom Conselho. The taxes enraged him, and he immediately organized a protest. On market day, the population assembled and set fire to the notice boards amid seditious shouts and firecracker explosions. After this auto-da-fé that the authorities could not prevent, he raised his voice and, wise and cool-headed as always, openly incited rebellion against the laws. Aware of the danger that threatened him and his own, he left the city and headed north on the road of Monte-Santo, toward a remote, abandoned region surrounded by steep mountains and insurmountable caatinga, a temporary refuge for bandits.

Photo of 1890, showing a beach in the city of Salvador, capital of Bahia state – http://www.skyscrapercity.com/showthread.php?t=1503629&page=5

The events had a certain echo in the capital, city of Salvador, from which a police force departed to stop the rebels, at the time, no more than two hundred people. The squad tracked them down to Massète, a bare, sterile place between Tucano and Cumbe. The thirty well-armed police attacked them violently, certain they’d be victorious in the first assault. But they were facing bold jagunços. The police were beaten and had to hastily get out of there on foot. The commander was the first to give the fine example.

After accomplishing this endeavor, the millenarians were back on the road, accompanying the prophet’s Hegira. No longer looking for populous places, they headed toward the desert. Passing through mountain chains, bare plateaus and sterile plains, they reached Canudos.

It was an old fazenda, a holding situated on the temporary Vaza-Barris river. By 1890, it was abandoned and was used as a resting place. It included about fifty huts made of clay rock and straw.

In 1893, when the apostle arrived, Canudos was in total decay. Everywhere there were abandoned shelters and empty cabins. And at the summit of the spur of Mount Favella, the old residence of the owner was sighted, without a roof and with the walls reduced to ruins.

The community occupied the wastelands, rapidly making them bear fruit. The village developed at an accelerated pace while the disciples coming from the most widespread places settled there in order to live. In the eyes of the inhabitants, it was a sacred place, surrounded by mountains, untarnished by the operations government. Canudos came to know a dizzying growth. Here is what one witness said: “Certain places in this district and others round about, as far away even as the state of Sergipe, became depopulated, so great was the influx of families to Canudos, the site selected by Antonio Conselheiro as the center of his operations. As a result, there was seen offered for sale at the fairs an extraordinary number of horses, cattle, goats, etc., as well as other things such as plots of ground, houses and the like, all to be had for next to nothing, the one burning desire being to sell and lay hold of a little money, and then go share it with the Counselor.”[24]






Cinema e cangaço na terra do sol

Por: Fernando Monteiro

A saga do cineasta amador Benjamin Abrahão, o único a filmar Lampião e seu bando de cangaceiros, antes do massacre de Angicos.

Dentre os jovens libaneses que, durante a Primeira Guerra Mundial, deixaram vilas e cidades até hoje obscuras entre as montanhas de cedros, estava um rapaz de Zahelh (a das tâmaras doces) chamado Benjamin Abrahão. Ele seguiu o impulso de evasão, mas em vez do destino preferencial, a América do Norte, foi para o borrão dos edens do hemisfério sul e suas estranhezas: selvas, sertões e sertanejos parecidos com alguns dos imigrantes da sua terra. 


Abrahão deu adeus às tâmaras em busca dos frutos tropicais ácidos e barrocos no aspecto, naqueles lugares de sol refulgindo em nomes inesperados como "Pernambuco" - com a sua sugestão de oco do mundo e porto de ventos entre fáceis riquezas. Abrahão chegou, assim, a um Recife ainda sereno, cortado por um rio lento. O rapaz dos jardins orientais viu o Derby elegante, os jogos de times de futebol e regatas, os cinemas Royal e o Glória às vezes exibindo filmes locais, cujos letreiros ajudavam a aprender a língua.

No melodramático Filho sem mãe, de Edson Chagas, o imigrante veria, pela primeira vez, a figura de um cangaceiro, ao mesmo tempo mítica e pobre, injuriada e condenada a morrer, no futuro imediato, pela chegada do progresso. Nessa altura, Abrahão vendia tecidos, como um mascate entre os muitos que percorriam as ruas de casas com varais coloridos de roupas ao vento. Passado um tempo, as ofertas do libanês se ampliaram também para farinha, fubá de milho, rapadura e carne do sertão. Esta palavra - "sertão" - viria a fazer parte fundamental da sua vida, embalaria seus sonhos e selaria, um dia, o seu destino. Ele era um montanhês, e sentia falta dos espaços mais livres das pontes graciosas sobre o Capibaribe. Um dia, Benjamin comprou dois burros - Assanhado e Buril -, o cavalo Sultão e um segundo estoque de mercadorias. Em seguida, partiu para Juazeiro do Norte (CE), o antigo arraial "inchado" pelos romeiros do padre Cícero Romão Batista. Começava a aventura cinematográfica do mascate vindo dos sertões do Líbano.

No staff do Padim

Estrangeiro jeitoso e falante, Benjamin Abrahão conheceu logo o Padim Padre Ciço dos cangaceiros e coronéis, e se tornou, com o tempo, nada menos que o seu "secretário para assuntos internacionais". Na louca Juazeiro das fanáticas multidões, passava pela cabeça do padre a possibilidade de ter assuntos de "relações exteriores" para tratar. Foi nessa condição que o nosso peregrino da sorte pôde testemunhar, na verdade, as relações conflitadas no próprio sertão, quando, numa clara manhã de março de 1926, o cangaceiro Lampião e mais 49 cabras triunfalmente entraram na cidade das rezas. Dizem que Abrahão já alcançara status suficiente, naquela "corte", para estar presente à reunião na qual o "primeiro-ministro" do padre Cícero - o deputado Floro Bartolomeu - concedeu a patente de "Capitão" ao controverso "afilhado" do religioso, a fim de atraí-lo para a luta contra a Coluna Prestes, inimiga do governo do presidente Artur Bernardes.

Virgulino Ferreira da Silva desde o primeiro momento impressionou o assessor juazeirense para assuntos das "estranjas". Ali estava uma espécie de guerreiro de Saladino, agarrando o seu punhal de 48 centímetros com dedos morenos enfeitados dos anéis de pedras duvidosas. Tinha senso da cena, nas suas chegadas e ataques: vestia-se com uma roupa de campanha atravessada de bandoleiras que lembravam mexicanos revoltosos, sem perder nada do exame de uns óculos de finos aros de ouro a lhe darem certa distinção equívoca, feita de segurança e ameaça. Desfilando pela rua, pisava forte como um príncipe tisnado, e dava entrevistas, era fotografado pelos repórteres (Lauro Cabral e Pedro Maia) convidados do "Dr. Floro".

http://www2.uol.com.br/historiaviva/reportagens/cinema_e_cangaco_na_terra_do_sol.html

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

A outra Face do Cangaço


Autor: Antonio Vilela de Sousa


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Ivanildo Alves da Silveira
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Dona Sila - Cangaceira


Confira a transcrição da entrevista concedida pela saudosa ex cangaceira Sila à revista TPM edição nº 1, Maio de 2001.

Tpm - Como a senhora fazia para ficar bonita no meio do mato?

Sila - Só punha ouro, chapéu bonito, bornal todo enfeitado, roupa cheia de bordado. Eu tomava banho com perfume! Ainda hoje sou vaidosa. Só que hoje, se tomo um banho, me troco e não ponho perfume. Para mim, perfume me lembra de mato, e é como se eu não tivesse tomado banho. Às vezes, o cheiro de perfume ficava tão forte e tão ruim entre a gente, que teve muita história de a polícia achar cangaceiro por causa do fedor. Era muito quente, muita roupa, então suava...

Tpm -  A senhora engravidou no meio do mato, né?

Sila - Umas três vezes.

Tpm - Onde a senhora deu à luz seu filho?

Sila - Pari no mato mesmo, lá por perto, onde tinha água. Estava com 

Maria Bonita

Maria, os homens saíram todos de perto. Comecei a sentir as dores, aí ela armou uma coberta no chão e eu deitei. Fiz muita força a tarde toda e, à noite, o menino nasceu. Foi ela que fez meu parto. Daí, os homens vieram correndo para ver como ele era. Nossa, eu sentia tanta dor, parecia que iam abrir minhas cadeiras, ave-maria... Aí, enfiei vários panos dentro da calça para estancar o sangue e seguimos viagem.

Tpm - O que aconteceu quando levaram a senhora?

Sila - Naquela noite que eles chegaram, meus primos arranjaram uma sanfona para tocar e vieram vários cangaceiros. Eu nem olhava na cara de Zé Sereno, só rezava: 

O cangaceiro Zé Sereno - companheiro de Sila

"Meu Deus, fazei com que esse homem não queira que eu saia" [quando os cangaceiros raptavam uma mulher, o termo usado era "sair", ou "tirar a moça"]. Quando foi de manhã cedinho, a cangaceira 

Neném e Luiz Pedro - companheiros

Neném veio e disse que eu me preparasse para sair. Era sempre assim, eles mandavam uma mulher dar o aviso, desse jeito "encorajava" a outra. Saí com o vestido fino de baile que eu estava.

Tpm - Qual era o seu papel no bando? 

Sila - Eu costurava as minhas roupas, bornais... Não tinha obrigação de nada. Fazia o que queria, comia o que queria. Não tinha esse negócio de obrigação como dona-de-casa; eu era dona-do-mato.

Tpm -  E, nos tiroteios, a senhora atirava?


Sila - Não, nunca precisei. Quase levei tiro na cabeça, isso sim, de estar deitada aqui e levantar um pedaço de terra assim do meu lado. A única mulher que atirou mesmo foi a 

Dadá e Corisco - casados - Cangaceiros

Dadá [mulher de Corisco, passou a participar dos combates no lugar do marido, que teve parte dos braços amputados]. As outras não atiravam porque a nossa parte era só dar força aos maridos. Não sei, parece que eles confiavam muito na gente e a gente confiava muito neles.

Tpm - Como foi o tiroteio que matou Lampião? Onde vocês estavam?

Sila - O nosso bando encontrou com o de Lampião, que já estava lá em Angico [nome da fazenda em Sergipe onde Lampião morreu]. Passamos muita sede até chegar lá, estávamos todos cansados. Quando foi de noite, 

Lampião e Antonio Ferreira - seu irmão mais velho

Lampião tirou uma melancia e ofereceu para mim. Fomos eu e Maria chupar a melancia sentadas numa pedra, no alto de uma ribanceira. Ficamos lá, ela me convidou para fumar e ficamos falando as coisas de sempre, que aquilo não era vida. Foi a última conversa que ela teve. Enquanto a gente conversava, vi uma luz que acendia e apagava, até perguntei a ela se era uma lanterna. Ela disse que devia ser vaga-lume. Se eu tivesse descido e falado com Zé Sereno, não teria acontecido o que aconteceu, porque ele contaria a Lampião e todo mundo teria se equipado.

Tpm -  A senhora deixou o cangaço depois da morte de Lampião?

Sila - Não, nós ainda ficamos um tempo no mato. Deixei só em 1938. Nos entregamos na Bahia, quando Zé Sereno recebeu uma carta do governo dizendo que o Getúlio Vargas ia dar ordem de anistia. Sem prisão nem nada, a gente ia ser livre. Chegamos em Salvador e aí nos separaram. Ficou eu, Dulce e uma outra que nunca mais vi, a Dinda, todas presas. 

Na foto, da esquerda pra direita: Dulce, Dona Dil (sobrinha) e Cicera ( irmã de Dulce), faleceu este ano com 102 anos de vida. Dulce reside em Paulo Afonso. - Foto do acervo do escritor João de Sousa Lima

Dulce dizia: "Mana, o que é que nós vamos fazer?" Aí, nós choramos, as três. Num lugar estranho, meu Deus. Cadê eles? Ninguém sabia... No outro dia cedinho, Zé chegou para nos pegar e nos levaram para um quartel. Todo dia tinha uma chamada e a gente ia lá se apresentar. Ficamos lá até quando o Getúlio mandou a anistia.

Tpm - Quando a senhora chegou em São Paulo, as pessoas sabiam quem era? 
Sila - No trabalho, eu não contava não. Mas sempre acabavam descobrindo. A pior coisa que tinha era quando as crianças diziam: "Mãe, fulano disse que não quer brincar comigo, que sou filho de bandido". É duro, né? Eu dizia: "Vocês não são filhos de bandido, meus filhos, vocês são filhos de gente. Seu pai é Zé Sereno e eu sou sua mãe, somos gente que nem eles. Um dia vocês vão entender".

Tpm - Dá para comparar a violência de hoje, em São Paulo, com a que tinha no cangaço?

Sila - Já fui assaltada várias vezes. Aqui em São Paulo a gente não vive mais de tanto medo. Sai de casa e tem que ficar olhando para os lados, segurando a bolsa com força. Nunca apontaram uma arma para mim, mas já puxaram e levaram minha bolsa. Uma vez, saí correndo atrás de um trombadinha, catei ele pelo braço e fiz ele devolver a carteira. É diferente do cangaço... No mato, era a polícia que corria atrás, só tínhamos que ficar fugindo e fugindo. Roubava só fazendeiro que não dava o dinheiro por bem. Não tinha esse negócio de ladrão entrar na casa da gente sem ser convidado...

Tpm - A senhora tem saudade do Nordeste?

Sila - Ah... Se alguém me der uma passagem de volta, vou embora daqui...

Tpm - E com seu marido? A senhora não o namorava?

Sila -Ah, eu nem olhava pra cara dele, né? Um homem não via nem uma calcinha da sua mulher, não falava palavra feia perto da gente. Eu não sabia o que era namoro... Vou te dizer: eu nunca beijei, não sabia... Nossa vida era só andar, andar, andar, e pronto.

Tpm - Como foi a sua primeira noite com ele? 

Sila - Sabe como é... À noite foi aquela bagunça, cada um se encostou num canto. Zé tirou a alpercata dele e mandou eu calçar. Quando eu calcei, ele disse: "agora nunca mais você vai me deixar". De fato, nunca deixei mesmo. Acho que era uma simpatia porque eles acreditavam muito em reza, em oração, em tudo eles acreditavam.

Tpm - Então ele não foi nada carinhoso com a senhora...

Sila - Que carinho nada! Não tinha carinho nenhum! [Contrariada.] Ele nunca me beijou.

Tpm - A senhora já foi traída pelo seu marido?

Sila - Aaaaave-maria... Eu não sei como ainda tenho cabelo, viu?

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