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quarta-feira, 22 de agosto de 2012

História dos Volantes - Mané Véio, O carrasco de Angico

Por: Alcino Alves Costa

Todos foram endeusados, ganharam fama, glórias e troféus especialmente o comandante da Força responsável pelo grande feito, o Tenente João Bezerra e seus imediatos Aniceto Rodrigues e Francisco Ferreira de Melo. No entanto o que não se pode esconder é a bravura de alguns dos participantes daquela memorável batalha, homens como o Cabo Bertoldo, Cabo Juvêncio irmão do afamado rastejador Gervásio da volante de Zé Rufino, Panta de Godoy (possível matador de Maria Bonita), Zé Gomes, Noratinho e Abdom. Homens que faziam parte de um contingente de verdadeiros heróis.

Todavia não tem como esquecer a bravura e a coragem daquele que foi sem nenhuma dúvida o grande baluarte, o gigante de Angico, o verdadeiro comandante daquela inigualável batalha o extraordinário 


Mané Véio

Manoel Marques da Silva famosamente conhecido pelas alcunhas de Mané Veio e Antonio Jacó. Mané Veio era baiano de Santa Brígida, ele e o Cabo Juvêncio deixaram as forças de seu estado e foram trabalhar sob as ordens de João Bezerra.

Vale a pena enfatizarmos a História desse titã de Santa Brígida. Manoel Marques da Silva é o seu nome de batismo. Era filho de Jacó Marques da Silva e Jovina Maria da Silva, sendo sobrinho de outro valentão, o lendário Elias Marques, morto no fogo da Maranduba e primo do filho deste o não menos famoso Procidônio. Pai e filho formam a dupla infernal que costumava brigar unida em memoráveis batalhas, contra os grupos cangaceiros. Na Maranduba Elias é baleado em um dos braços.

A principio o ferimento não parecia grave, no entanto sobreveio uma hemorragia e, se esvaindo em sangue, é amparado pelo sobrinho e pelo filho. Era tarde.Nada se podia fazer. Elias morria nos braços do filho e do sobrinho. Mané foi criado nas modestas ruas de Santa Brígida. Os moradores daquele pequenino arruado eram aparentados e o filho de seu Jacó viveu a sua meninice e infância ao lado de Zé de Neném, de Maria Bonita e de seus numerosos irmãos.

Como sabe, anos depois, já em 1930, a filha de seu Zé Felipe e Dona Maria Déa, após um casamento mal sucedido com o sapateiro Zé de Neném, bandeia-se para a companhia de Virgulino Ferreira. O baianinho desde criançinha era chamado pelo carinhoso apelido de Mané Veio. Era magricela, esguio, alto, de boa presença e com uma conversa fluente, porém genioso e mal criado ao extremo. Ao completar 17 anos em 1929, uma vez que veio ao mundo em abril de1912, ingressou nas fileiras da volante de Francisco Moutinho Dourado, o terrível Douradinho, passando depois pela volante do Sargento Adolfo, até ingressar na Força comandada pelo irmão de João Maria de Serra Negra, o Tenente Liberato de Carvalho.

Mané Veio foi um dos participantes do extraordinário combate da Maranduba, ocasião em que atirou tanto que seu mosquetão ficou com o cano em brasa estourando a culatra da arma, deixando-o surdo de um dos ouvidos pelo resto de seus dias. Acontece uma terrível inesperada desgraça na vida do valentão de Santa Brígida. Essa provocação veio da esteira de seu casamento com uma mocinha dali mesmo. Uma bela menina chama Cidália. Os primeiros anos foram de felicidade. Nasceu um filho. Foi batizado com o nome de Abílio. O casal vivia num mar de rosas. Os dois se amavam profundamente. Mas entre eles existia uma quase que intransponível barreira. O gênio fortíssimo de ambos.

Apesar de se amarem, Mané Veio e Cidália possuíam uma incompatibilidade de gênio muito forte. Encruzilhada que fez com que aquele casamento se tornasse uma tragédia sem precedentes na história da povoação do sertão da Bahia. O principal motivo para os dissabores eram os pendores irreversíveis do filho de seu Jacó para as aventuras amorosas. Alem de outros romances extraconjugais mantinha forte e ardoroso caso com uma mocinha do lugarejo Curituba, daquele mesmo estado. A cabocla se chama Pureza e é ela a causa maior dos desacertos do casal que se arrasta até chegar na separação definitiva.

Apesar de separado da esposa e do filho o militar não deixa de cumprir com suas ocupações de dono de casa, procurando assim manter as despesas da família. Recomenda ao parente João Silva que não deixe a sua mulher e seu filho passarem fome durante os dias em que estivesse viajando, durante a sua ausência o parente e amigo suprisse as necessidades da casa que quando ele retornasse das viagens quitaria as dividas. Em um desses retornos inicia-se a grande provocação e desventura do moço de Santa Brígida. Depois de mais uma caçada, perseguindo cangaceiro, retorna para o merecido descanso.

Mais que depressa procura o parente. Precisa acertar contas. A conversa entre os dois foi a de sempre. Tudo acertado vão tomar banho na fonte das Caraíbas. O rapaz de Santa Brígida conta peripécias de sua viagem pelos cafundós dos sertões à caça de bandidos. O banho é demorado. Lá pelas tantas resolvem sair da fonte e vão vestir as suas roupas. É nesse instante que a desgraça se apresenta na vida do moço da volante. Do bolso da calça do João cai um papel.

Mané Veio vê, imagina que é um bilhete e de sua cabeça brota uma inconcebível injustiça, julga que a letra que está naqueles rabiscos é a de sua esposa. Apesar de violento o caçador de cangaceiro consegue dominar seu doentio ciúme. Nada diz ao amigo. Continua a conversa calmamente. Não demonstra que está enlouquecido pela suspeita de infidelidade de sua esposa. Ao se ver sozinho o militar quer saber onde Cidália está. É informado que ela se encontrava na Fazenda Cajueiro lavando roupas, acompanhadas de amigas e da irmã Zafira. Ensandecido pega o mosquetão e vai procurá-la. A mulher, inocentemente lava suas roupas e a de seu filhinho. Não imagina a tragédia que dela se avizinha.

Conversa alegremente com as companheiras. De repente o marido desponta. Apesar de com ele não mais morar, ainda o ama e o respeita por demais, alegra-se com a presença do pai de seu filho. As lavadeiras olham, curiosas, o homem que vem chegando. Nada temem. Não esperam que ele seja capaz de cometer alguma ação criminosa contra a sua esposa. O soldado chega se aproxima de Cidália e manobra sua arma. A infeliz mulher percebe a desgraça que se abate sobre ela e corre, procurando amparo no corpo da irmã. O enlouquecido marido não lhe dá tempo e nem oportunidades de se livrar da morte.

Um certeiro balaço destroça o seu rosto, deixando-a estendida no chão morta. O verdugo ainda dá mais dois tiros na infeliz e deixa o local. Acabava de praticar um monstruoso e hediondo crime. O crime que abalou Santa Brígida e todo o sertão baiano. O povo se revolta. Tudo aquilo era uma descomunal injustiça. Ficou comprovado que Cidália era inocente. Jamais mantivera romance com quem quer que fosse. A atitude extremada do soldado foi abominável. Severas providências teriam que ser tomadas. O assassino não quer pagar pelo bárbaro crime que cometeu. Homizia-se.

Embrenha-se na mataria e fica um ano escondido no Serrote do Galeão, enfurnado numa gruta que hoje é conhecida como A Toca de Mané Veio. Protegido pelos militares consegue se transferir para Alagoas, onde fica sob a proteção do Tenente Lucena e sob o comando de João Bezerra da Silva.

Em Alagoas troca de nome. Deixa de ser Mané Veio para se tornar Antonio Jacó e, como não poderia deixar de ser, confirma a fama de valentão. Em pouco tempo é um dos principais homens da volante. Em todos os combates é um dos vanguardeiros. Um feroz guerreiro. O verdadeiro comandante da tropa que atua. Eis que chega o dia de Angico. É nesse épico que sua valentia e desassombro o torna ainda mais grandioso. A sua destacada atuação foi especial, fazendo-o grande timoneiro que dirigiu a lendária batalha desde os momentos iniciais do cerco até o seu retumbante desfecho.

Vejamos: Foi Mané Veio, ou Antonio Jacó, se quiserem, quem arrancou as unhas de Pedro de Cândido, fazendo-o revelar onde Lampião estava acoitado. Foi através de suas ameaças que Pedro acabou delatando o seu irmão Durval que ao se ver com um punhal apontado para sua garganta pelo aspirante Francisco Ferreira de Melo, que Bêbado e violento poderia muito bem consumar o seu intento homicida, além de já ter dado alguns safanões no então rapazinho de Dona Guilhermina, o moço se viu obrigado a dizer onde Lampião e seu bando estavam acoitados.

Foi Mané quem repudiou a tentativa covarde de João Bezerra de não atacar Lampião em seu reduto de Angico, com a justificativa de que dispunha de poucos homens para enfrentar tão numeroso grupo de bandidos, comandados pelo Rei cego. Foi Mané Véio o matador do cangaceiro Mergulhão, um daqueles de Poço Redondo, quando este, no meio da fumaceira, tentava salvar-se do inferno de Angico e murmurava: - Sou do Poço, sou do Poço. Foi Mané Véio ainda o matador de uma das maiores estrelas do cangaço, um dos poucos que restavam dos afamados veteranos que com Lampião lutara desde os tempos de Pernambuco, o famoso valentão do retiro, um dos maiorais da história cangaceira, Luis Pedro.

Conta o bravo homem de Santa Brígida, avalizado pelo respeito de sua própria história, que durante a batalha, já no final do tiroteio, começa a descer o riacho e, de repente, vê um cangaceiro caminhando, em sua direção. O bandido parece dominado pelo cansaço. Caminha lentamente. Sobe com dificuldade a ribanceira do riacho. Aquele dia é um dia de sorte para a força que cercou e atacou Lampião.

Uma grande e providencial pedra protege e ampara o valentão da Bahia que expectante observa o caminhar do cangaceiro e tranquilamente espera-o com o dedo no gatilho de seu mosquetão. Conforme o bandido se aproxima, o soldado vai trazendo-o sob o ponto da mira de sua arma. Está abismado. As vestes daquele cangaceiro são especiais, muito luxo, muita riqueza. Parece mais um tesouro ambulante. O chapéu é coberto de estrelas, os dedos estão repletos de anéis e alianças. Percebe, no entanto, que o bandido não é Lampião. Sabia que o rei era amorenado, cabo verde, e aquele que se aproximava era branco, meio sarará, pensou que era Corisco. O assecla cada vez mais se aproxima. Vem chegando. Vem chegando. Está muito cansado. Sua respiração é ofegante.

A pedra impede que o sequaz veja o soldado apontando-lhe o fuzil. Chegou a hora. O dedo aciona o gatilho. O estampido da arma estronda. A bala atinge o coração do cangaceiro. Algo inesperado está acontecendo. Contra toda expectativa o bandido continua caminhando. Dando a impressão de que não foi atingido e, ainda mais assustador, o facínora faz menção de puxar uma arma do coldre.

Neste instante os dois valentões estão frente a frente. Mané Véio é rápido. Dá o segundo tiro. Dessa vez bem em cima do umbigo. O assecla cai de lado. Não faz movimento algum. Parece até que caiu morto. Sem perder tempo o matador corre e inicia o saque. O morto era Luís Pedro, seguramente o principal companheiro de Lampião, talvez o último remanescente das grandes estrelas dos tempos de Pernambuco. Ali está, no meio do famoso riacho, o corpo do célebre caititu, apelido que lhe dera Maria Bonita.

O homem de Santa Brígida está abismado com o luxo e a riqueza do bandido. Além dos anéis e alianças que abarrotam e enfeitam seus dedos, carrega em seu corpo um número vultoso de lenços e jabiracas, tudo da mais refinada qualidade. Apressado e sem querer que os companheiros cheguem, o baiano corta as munhecas do facinoroso, arranca os lenços e as jabiracas, colocando tudo dentro do seu bornal. Revira os bolsos e os bornais do assecla e encontra uma quantidade muito grande de dinheiro e uma lata cheia de ouro. Ao ver tanta fartura, tanto dinheiro, tanto ouro, dá gritos de alegria e felicidade.

O cabo Juvêncio e o soldado Zé Gomes chegam. Mané Véio já havia saqueado quase tudo. Conseguira tanta coisa que estimula os companheiros a procurar o que restou dos pertences do afamado bandoleiro. A procura dos militares não foi em vão. Num dos bolsos do sequaz, Juvêncio ainda encontrou a quantia de quatro contos de réis.

Após o saque os três militares descem o riacho. Estão indo para o coito. Não sabiam que o cangaceiro apagara de vez a sua luminosa estrela. De repente um cabra passa em desabalada carreira. Dá para se notar que o cangaceiro carrega em uma das mãos uma lata. O bandido já está apavorado. Quer se salvar daquele inferno. Mané atira e erra. O assecla joga a lata no chão. Foi sua salvação. Soldado não caçava cangaceiro para proteger a sociedade, a caçada tinha um único objetivo: os pertences dos bandoleiros. Foi o que aconteceu. O bandido foi deixado de lado. Foram procurar a lata.

Zé Gomes foi o felizardo encontrando-a e dentro dela existia uma quantidade tão grande de dinheiro que chegava a ultrapassar cento e vinte contos de réis. Pensa-se que esta lata pertencia a Lampião ou a Maria Bonita. O nunca esperado havia acontecido. Lampião está morto. As cabeças são decepadas. João Bezerra ordena que os despojos sejam colocados em um monte para que sejam repartidos entre todos os que participaram da extraordinária contenda. Zé Gomes, simplório e ingênuo, bestamente entrega a lata com todo o dinheiro que ela continha.

Mané Véio fica enfurecido com a atitude do companheiro. Sabia que nunca mais nenhum soldado iria ver aquela enorme quantidade de dinheiro. E foi o que aconteceu. Nunca mais ninguém soube o paradeiro daquela fortuna. Aborrecido com a loucura de Zé Gomes, o baiano aguardou sua vez. Espera que seu comandante proceda com ele da mesma forma que procedeu com seu companheiro. É o que acontece. João Bezerra o intima a também entregar os bens arrecadados nos saques.

Antonio Jacó já estava prevenido. Respondeu com desassombro que não tinha nada pra dá a ninguém e que tudo que havia conseguido era dele e não adiantava pedido, era dele e de mais ninguém e se alguém não quisesse que fosse assim que o enfrentasse. João Bezerra não era de enfrentar situações perigosas. Conhecia a valentia de seu comandado. Não insistiu no sei intento e o matador de Luís Pedro e Mergulhão ficou com tudo o que achava ter direito. Ainda tinha algo fazer. Em um de seus bornais estavam as munhecas das mãos de Luis Pedro. O que fazer com elas?

Ao chegar em Piranhas, nas Alagoas, encontra solução para seu problema. Enterra as mesmas no oitão da igreja da cidade Ribeirinha. Conhecendo, como conhecia João Bezerra, o baiano sabia que o mesmo não o perdoaria pela desobediência e por não ter lhe entregue os pertences dos cangaceiros. Tudo o que aconteceu é motivo de preocupação. Precavido, esconde num lugar bem seguro, o ouro e o dinheiro. Toma uma decisão. Deixa a policia e foge para as longes terras do Estado de Goiás.

Após alguns anos muda-se para São Paulo. O seu meio de vida ainda é a herança da grota de Angico, negocia com ouro, esse precioso metal tem sido a sua única fonte de renda. No entanto a sua vida continuou cheia de enormes provações, com fatos e acontecimentos que lhe trouxeram sérias desventuras e grandes tristezas. Naquelas estranhas terras, mais uma vez, volta a mudar de nome.

Agora se chama Euclides Jacó. Todavia o destino não queria saber dessas mudanças, vivia sempre em seu encalço e, para tal, tinha um poderoso instrumento: as mulheres. Cidália, a esposa de Santa Brígida, foi sua primeira desventura. Uma tragédia sem limites. Nas terras grandes, como diziam os antigos, os fatos se repetiram. Corre solta? A fantástica história de que o matador de Mergulhão e Luis Pedro, em sua nova vida, se casara com uma bela mulher e os dois tiveram uma linda menininha.

Tudo era felicidade naquele lar. Até que a desgraça volta a se apresentar na vida do antigo combatente de Lampião. Sua esposa está amando outro homem. É avisado. Sua filha já tem quase quinze anos. Morre de amores por ela. A noticia da infidelidade da mulher destroça sua alma se seu sentimento. Reage. A sua dignidade de homem e de macho não será afrontada.

Ainda é o mesmo homem dos tempos do norte. E a filha? Como reagir para não machuca-la tanto? De imediato passa a viver sozinho. O freio de sua vingança é a filha que tanto ama. Eis que a desgraça se apresenta. Um dia ao passar em um ponto de ônibus, se depara com a esposa e a filha esperando o coletivo. Não se controla. É dominado por uma fúria sem igual e se vê dominado por uma medonha e brutal vontade de assassinar a mãe de sua querida filha. A tragédia foi total. Sua amada filhinha foi também mortalmente ferida. Ali, no meio da rua, mãe e filha foram ceifadas desse mundo pelo desesperado esposo e pai.Mané Véio foi preso. Passou muitos anos na cadeia. Pagou sua irreparável dívida com a costumeira dignidade.

Muito tempo depois um judeu o conheceu e resolveu ajudá-lo. O antigo militar conseguiu angariar a confiança de seu protetor e com ele viajou para muitos países e lugares do mundo. Naqueles mundos distantes o antigo caçador de bandido pôde ver as diferenças absurdas naquelas terras com o sertão do norte, o sertão de sua vida aventureira, os sertões distantes da Bahia. O sertão em que perseguiu Virgulino Ferreira da Silva. Portanto, foi este homem, um dos grandes titãs da guerra cangaceira. O verdadeiro carrasco de Angico. Mané Véio é verdadeiramente uma lenda viva perambulando por este Brasil.

*Agradecimento aos confrades Ivanildo Silveira e Clenaldo Santos pelas páginas transcritas.

Comentário de Neto Silva sobre: a morte de Lampião e seus comandados

Eliza e Neto
Eliza e Neto Silva

Caros leitores,

Lendo esta matéria abaixo, postado no Blog Luz de Fifó, fico imaginando como uma pessoa tão estrategista se tornou alvo tão fácil para as volantes que o mataram. Às vezes fico pensando: Será que Lampião sobreviveu mesmo a esse episódio de Angicos, conforme consta no livro "As Duas Vidas de Lampião" do escritor José Geraldo Aguiar? Sempre surgem novos relatos que nos deixam com dúvidas sobre a morte de Virgulino Ferreira da Silva, Maria Bonita e nove cangaceiros na gruta de Angico.

Neto Silva
http://afnneto.blogspot.com.br/

As batalhas de Lampião: Serra Grande

Foram três as grandes batalhas de Virgulino Ferreira. Dessa vez, o maior bandoleiro das Américas enfrenta cerca de 320 soldados justamente na região da sua cidade natal, Serra Talhada (PE). Foi a batalha ocorrida em Serra Grande - considerada a mais violenta enfrentada pelo grupo do cangaceiro.

Segundo o livro "De Virgulino a Lampião", escrito pela neta do cangaceiro Vera Ferreira e o historiador Antonio Amaury, neste combate se enfrentaram cerca de 80 cangaceiros contra 320 soldados armados até os dentes.

As forças oficiais eram comandadas pelo Major Teophane Ferraz Torres, pelo Capitão Higino Belarmmino de Morais, Sargentos Arlindo Rocha, Manoel Neto e Euclides Flor - estes últimos já eram inimigos de Lampião desde a Vila de Nazaré

Nesse episódio, o bando de cangaceiros efrentou pela primeira vez uma volante com armas automáticas: duas metralhadoras hotkiss.

O efrentamento começou na manhã do dia 26 de novembro de 1926 e se estendeu até o fim da tarde, quando as forças pernambucanas se retiraram com cerca de 40 homens mortos ou feridos. No bando de Lampião, ninguém foi morto.

Nesse mesmo ano de 1926, Virgulino recebeu o título de "Capitão" do Exército patriótico que combateu a coluna Prestes, chamado no Nordeste de "revoltosos".

Pescado do Blog Luz de Fifó, de Antonio Andrade

O ATAQUE DE LAMPIÃO A MOSSORÓ: UM MISTÉRIO QUASE CENTENÁRIO

Por: Honório de Medeiros
Honório de Medeiros

UM MISTÉRIO QUASE CENTENÁRIO!

Em dias do início do mês de maio do ano da graça de 1927, pelas terras do Rio Grande do Norte que confrontam com aquelas da Paraíba, lá no alto Sertão desses estados, mais precisamente as que ficam entre as cidades de Uiraúna e Luis Gomes, vindos de Aurora, no Ceará, Cariri velho de Nosso Senhor Jesus Cristo, eles, os cangaceiros, entraram no território potiguar.

Era uma horda selvagem com aproximadamente uma centena de homens, para o mais ou para o menos, imundos e bestiais, a cavalo, fortemente armados, portando rifles, fuzis, revólveres, pistolas, punhais longos e curtos, e farta munição. Vinham ébrios, ferozes, e sedentos de violência, sem qualquer outro propósito que não a rapinagem, pura e simples.

E assim entraram.

Durante os quatrocentos quilômetros e quatro dias que durou a epopéia, deixando e voltando à Aurora após alcançarem Mossoró,  desenharam, com a ponta dos cascos dos cavalos ou a face externa das alpargatas com as quais pisavam o chão, como que um movimento cujos contornos lembram o de uma flor de mufumbo, cujas laterais seriam as margens da Serra de Luis Gomes e Serra do Martins, por um lado, e, pelo outro, as margens do serrame do Pereiro, limites com o Jaguaribe, Ceará adentro.

Espalharam o terror por onde passaram.

Humilharam, surraram, feriram, extorquiram, seqüestraram, furtaram, roubaram, mataram...

Em toda a história do cangaço, complexa e específica por si mesma, nada há igual.

Não foi um ataque qualquer a um arruado, vila ou povoação. Nem mesmo a uma cidade pequena.

Foi um ataque a uma cidade de grande porte para os padrões da época, bem dizer litorânea, a segunda maior do Rio Grande do Norte, com quatro igrejas, três jornais, agência do Banco do Brasil, população que rivalizava com a da capital do Estado, um comércio rico e pujante, que funcionava como centro para o qual convergiam paraibanos, norte-rio-grandenses e cearenses, e, por intermédio do porto de Areia Branca, ao qual se chegava pelo Rio Mossoró ou Apodi, caso necessário, o Brasil todo.

Mossoró não acreditava que tal ataque pudesse se concretizar. O Governo do Estado do Rio Grande do Norte também não. Era inconcebível. O Brasil, representado por sua capital, o Rio de Janeiro, quedou perplexo.

Tanto anos depois é possível algo novo quanto às causas que levaram Lampião a empreender esse ataque?


Os cangaceiros acima foram nominados por Jararaca, a quem a fotografia foi mostrada enquanto ele convalescia, preso em Mossoró, pouco antes de morrer.

De antemão, que se diga: não é consenso que haja mistério quanto às causas do ataque de Lampião a Mossoró. 

Ao contrário. Excetuando-se algumas vozes isoladas aqui e ali, outras ouvidas aos sussurros em Mossoró[1], é prática corrente atribuir à ganância de Lampião, Isaías Arruda e Massilon – este com papel secundário, a existência do episódio.

Entretanto ao estudarmos com atenção redobrada, até mesmo com obstinação, o acervo do qual dispõem os pesquisadores, constata-se a existência de questões, dúvidas, perplexidades, que insistem em aparecer desafiando o passar dos anos e a natural inércia originada das versões consideradas consumadas. 

Levando-se em consideração todas essas questões, após tê-las colhido, assim é que, a seguir, dando-lhes o tratamento mais racional e factual possível, buscando a isenção necessária à qual se deve ater quem busca encontrar a melhor explicação entre várias concorrentes, são elas elencadas, analisadas e colocadas à disposição do leitor, para que este possa fazer sua escolha ou, se não for o caso, meramente ser colocado a par de suas existências.

Há, portanto, e basicamente, quatro teorias acerca das causas do ataque de Lampião a Mossoró: 


(I) o ataque a Mossoró resultou da ganância do Coronel Isaías Arruda e de Lampião, no que foram secundados por Massilon;


(II) o ataque a Mossoró resultou unicamente da cobiça de Massilon.

(III) o ataque a Mossoró resultou da paixão de Massilon por Julieta, filha de Rodolpho Fernandes;

(IV) o ataque a Mossoró resultou de um plano político.

Qual delas é a verdadeira?

[1] Notável exceção é o pesquisador Marcos Pinto, autor de “DATAS E NOTAS PARA A HISTÓRIA DE APODY” natural de Apodi, mas residente há muitos anos em Mossoró.

Extraído do blog do professor universitário e pesquisador do cangaço:
Honório de Medeiros


JAGUNÇOS SERTÃO ADENTRO (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

JAGUNÇOS SERTÃO ADENTRO

Coronel Eleotério Pantoja subiu no garboso alazão, animal sem igual em toda a região do Mundaréu, ajeitou seu corpo envelhecido e balofo sobre a sela macia, chamou seu faz-de-tudo aos pés do estribo e segredou-lhe que ficasse de olho bem aberto por ali enquanto ia mais adiante e voltava já.
Como fazia uma vez por semana, esse ir adiante e voltar já significavam uma visitinha à casa da rapariga, moça novinha e quase tirada à força das mãos da família, devidamente colocada numa casa mais afastada, porém ali mesmo dentro das terras de sua propriedade. Morava sozinha com uma velha escolhida a dedo pelo patrão. Ainda assim ninguém era besta nem de passar perto da alcova sertaneja.


Seguindo no trote costumeiro, o coronel dobrou a direita e depois à esquerda, e logo tomou o rumo da estrada que o levaria, uns dois quilômetros arriba, diante do aroma moreno da quase escravizada flor do campo. Estrada estreita, de terra batida, num misto de massapê e terra roxa, recoberta de espinhos e pedras, cheia de curvas e ladeada por tufos de matos e verdadeiros labirintos.

A menos de um quilômetro da moradia da amante, assim que dobrou mais uma das curvas e galopou cerca de cinquenta metros, recebeu um balaço bem no meio da testa, tiro tão certeiro que fez o chapéu espantar para um lado e o corpo cair quase por cima. Bastou um tiro e o famoso Coronel Eleotério Pantoja ficou estrebuchado no chão. O linho branco e surrado da vestimenta coronelista começou a vermelhar.

Ainda respirando, ouviu passos se aproximando e ao lado do seu rosto uma bota envelhecida, de muita estrada perigosa e fivela carcomida, suja e malcheirosa de estrume. Bota de jagunço, calçado de matador. Ainda que pudesse nem precisava olhar mais acima para saber ter sido alvejado por um pistoleiro de mando, um jagunço igual a tantos que possuía para fazer o mesmo tipo de serviço. Só que com os outros.

Tanto tinha mandado matar que agora acabou acertado. O outro lado da moeda, ou o vice-versa do latifúndio, do coronelismo e da pistolagem jaguncista. Agora cobra velha engolindo o próprio veneno. E nenhum dos seus homens por ali para revidar, para tentar salvar sua vida. Jamais imaginou que jagunço fedesse tanto quanto aquele terrível capanga em pé diante do seu corpo. Ou seria o fedor do sangue bandido, de covarde valentia, impregnando o nariz banhado de seu dono?

Nunca pensou que a morte chegasse assim e fosse tão feia, com tamanha queimação, sufocante, tornando um senhor de bicho, terra e gente num reles desvalido que sangrava por todo lugar. Também nunca pensou que jagunço algum tencionasse tocaiar, emboscar e fuzilar um poderoso de sua estirpe, um coronel de muitos sertões. Mas como sentia agora tudo diferente, como doía morrer, como fazia sofrer a entranha varada de chumbo quente, de bala pontiaguda.
   
Recebeu um chute no rosto apertado de lancinante dor e por fim a voz que sabia que viria: “Presente do Coronel Titó, sua cobra ruim. E tome pra calar seu chocalho, sua jararaca!”. E o último disparo. A boca abriu como se quisesse gritar, os olhos se viram crispados, um tormentoso espanto no rosto enrugado, a agonia, o último suspiro querendo levantar pra fugir, e a morte. E que coisa mais feia é a morte sob encomendada, empreendida daquele jeito, voraz, feroz, repugnante...

Mas não haveria de ser espanto algum. Nos sertões não há estrada ou vereda onde não haja cruz na beira da estrada e capelinha de defunto construída. Não há um só dia que as moitas de beira de passagem não recebam visitantes armados até os dentes, chegando ali furtivamente, rastejando igual bicho matreiro. Chegam e se entocam, se escondem, mal respirando para não levantar suspeitas. Parece não haver ninguém por ali.


Mas há a fera, o bandido, o matador, o assassino de aluguel ou de mando, o fiel cumpridor das ordens coronelistas. Ali entocado, mudo, solenemente fúnebre, está o tenebroso jagunço, o temido pistoleiro, o cabra que veio esperar o momento certo de tirar a vida do desafeto de seu patrão. Mas nem sempre inimigo mortal, adversário de igual poder, coronel de disputado domínio. Muitas vezes um zé-ninguém, um pobre coitado marcado pra morrer porque não quis entregar seu pedacinho de chão a preço vergonhoso ao coronel, ou mesmo porque deixou de lhe dever obediência para se submeter a outro senhor.

Por isso mesmo que os caminhos e as matarias sertanejas cheiram tanto a pólvora, a fumaça, a zinco, a ferro queimado, a carvão dos ossos esturricados. E igualmente fede a sangue, a podridão, a covardia, a restos ossudos esquecidos nas brenhas. Ainda que no silêncio, é como se a todo instante surgisse um estampido, uma rajada lancinante, um trotar de tiro. E na maioria das vezes não é imaginação.

Os urubus souberam do acontecido com o Coronel Eleotério Pantoja antes que qualquer pessoa. Como o cadáver de morte recente ainda não era hora de atacar, mas somente lá pelo entardecer do dia seguinte, quando a flacidez da pele de cor indefinida já se desprendia com qualquer bicada, ficavam apenas rondando de cima o corpo estirado, pousando de catingueira em catingueira, se aproximando e recuando. Por enquanto somente os carnicentos velavam o que restava do tão poderoso.

Mas não esquecido por muito tempo. Somente o fato de o coronel não haver retornado no horário costumeiro, já havia deixado o seu jagunço-mor de alerta. Quanto mais o tempo passava mais a preocupação aumentava. E a situação ficou realmente insustentável quando este começou a avistar pelo alto a urubuzada fazendo círculos, e certamente rondando alguma coisa morta. Mas não pode ser. Pensou o jagunço. Dum grito chamou mais três, mandou que se guarnecessem de armas e farta munição, e riscaram cortando estrada.

Guiados pelos abutres das caatingas, após a curva da estrada o afamado pistoleiro levantou o braço num sinal que parassem e descessem dos animais. Havia avistado um vulto estendido no meio da estrada. Logo em seguida reconheceu o alazão que saiu do mato e não teve mais dúvida. Ali por cima da terra estava o corpo do coronel seu patrão. Chamou os dois cabras, segredou baixinho e todos se dispersaram por dentro da mata.

Nesse momento se esperaria que seguissem o mais rapidamente possível na direção do corpo do patrão. Mas não. A estratégia jaguncista é bem outra, é muito diferente. Ainda que enxergue um corpo caído e com aparência de morte, a prudência pistoleira ensina que se deve evitar rápida aproximação. Muito cabra já havia morrido assim, numa tocaia de fingimento, na astúcia perpetrada se fazendo de morto para matar. Ademais, aquele corpo bem poderia não ser do coronel, ainda que aquele fosse o seu cavalo.

Dois jagunços por um lado e dois pelo outro, ora cuidadosa e silenciosamente mais próximo à estrada ora se afastando um pouco mais. Venciam os garranchos e esticavam o olho por todo lugar, tentando enxergar algum vulto se mexendo por trás de tufo de mato, e do mesmo modo olhando pra baixo a ver se avistavam pisadas recentes. De repente, um fez o sinal para o outro e apontou: uma cartucheira no chão, talvez descuidadamente esquecida ali.

E quase um grito cortou o silêncio: “Achei. Cartucheira ferrada, marca do inimigo maior do coroné. E se aquele defunto é do Coroné Pantoja, entonce o seuviço foi obra de cabra do Coroné Titó”. Ao ouvir sobre a descoberta e não poder mais duvidar que seu patrãozinho estivesse ali estrebuchado no chão, o jagunço maior baixou a cabeça por uns dois minutos, mordeu um pedaço de fumo, deu uma cusparada negra de mais de metro e disse:

“Quiró, bote o corpo do coroné pru riba do alazão e leve lá pra casa-grande. Vocês dois venha comigo. Vamo fazer uma visitinha aos pistoleiro do Coroné Titó. Quero ver agora se são cabra macho mermo, se enfrenta homem a num ser de tocaia. Rumbora cambada...”. Montaram nos animais e galoparam numa velocidade desesperada e estonteante.


Como que completamente cegos, sem medo algum, sem se importarem com nada, já chegaram atirando nos arredores do casarão do coronel. Mas não demorou nem um minuto e as balas já zuniam em sentido contrário, numa defesa que também era ataque. E daí em diante travou-se a feroz batalha entre jagunços, tão medonha e violenta que nunca se viu outra igual. Tiro pra não acabar mais, gritos, correria, tufos vermelhos jorrando pra todo lado, jagunço rastejante, jagunço morto, um sertão empoçado de sangue.

Outro dia dois viajantes passaram pelo lugar, diante da fazendeirama agora totalmente abandonada, e um perguntou ao outro se ali era também cemitério. E este respondeu que não. Mas que gostaria que fosse e naquele local estivesse enterrada de vez toda a violência jaguncista de um dia. Mas as sombras violentas do passado sempre levantam dos túmulos e tomam assento nos caminhos de todo sempre.

E contou ao outro toda a história. E ouvi tudo sem querer acreditar.

Poeta e cronista
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