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domingo, 4 de setembro de 2011

O ÚLTIMO APITO – O Filme... Mais uma pérola do nosso Aderbal Nogueira

Por: José Cícero


Aurora está n’O ÚLTIMO APITO – O Filme...


O ÚLTIMO APITO – Um filme-documentário produzido pelo cineasta fortalezense (pesquisador do cangaço) Aderbal Nogueira. Um filme simples, mas não um filme simplesmente... Um grito a romper o silêncio cômodo de uma história que ainda não terminou. Um contributo à preservação da  memória história de toda uma geração de ex-ferroviários – bravos guerreiros, assim como de todos aqueles que de algum modo superlativo tiveram uma parte significativa das suas vivências ligada ao antigo cotidiano das estradas de ferro. Uma saga do povo cearense...Um filme que nos comove e convida a pensar diferente, ao passo que também  instiga a nos indignar diante das circunstâncias até hoje mentirosas que supostamente levaram a interrupção do transporte ferroviário do nosso estado. Um retrato fiel da realidade de abandono em que está relegado todo o patrimônio ferroviário (material e imaterial), algo  que nos dói no fundo da alma. Um filme que desnuda por si mesmo uma verdade ainda hoje uma tanto quanto inconveniente e há muito escondida. ‘O último Apito’ é, em suma, um grande presente e uma homenagem que se faz à memória histórica e afetiva do povo cearense em geral e os ferroviários em particular.Com um título dos mais sugestivos, daqueles, cujos vocábulos já dizem muito. Um tanto além da mera expressão lídima do termo - “O último Apito”: não é somente um filme simplesmente. Mas, diria que quase uma ferroada de maribondo-de-chapéu na ânsia(quem sabe) de acordar a todos do sono letárgico que em estivemos submetido por anos a fio. Diante deste verdadeiro esbulho que foi a destruição do nosso rico patrimônio ferroviário.Um documento em movimento que aborda de modo realista e sentimental um pouco da história da estrada de ferro e das antigas estações ferroviárias do Ceará, agora relegadas ao mais completo estado de abandono (quando ainda não foram demolidas). Uma cocha de retalhos memorialistas, composta de relatos fidedignos e comoventes de ex-ferroviários e de outros pesquisadores convidados. Um filme com a cara da nossa história que tem a capacidade de mexer profundamente com nossos sentimentos mais recônditos. Insisto: Não apenas um filme simplesmente... Mas um libelo de um crime de lesa-pátria e de lesa-história.


Inteligentemente o nobre diretor Aderbal Nogueira, cujo avô foi ferroviário e morara inclusive, na década de 20 em Aurora, coloca além da temática central, algumas capilaridades, tais como a história do célebre coronel Izaías Arruda e o seu notório assassinato na estação do trem de Aurora. A ele agradeço pelo convite de também ter tido a honra de participar deste filme como  um dos pesquisadores entrevistados.Devo confessar que ao assistir os depoimentos e o choro de alguns dos personagens reais do documentário eu também me emocionei desmedidamente. Posto que também nasci e adolesci praticamente correndo, brincando e jogando bola à margem da linha férrea na minha antiga Missão Velha. De tal sorte que posso afirmar que quase tudo no meu tempo de menino estava de certo modo ligado as idas e vindas do velho trem. Minha casa, minha escola, meu campinha da várzea, as brincadeiras de esconde-esconde tinham como cenário maior a estação e os comboios ferroviários. O gesso, o açúcar, o combustível que nós aparávamos para depois pôr nos candeeiros, os grandes pregos dos dormentes, os bigus nos troles, a verdadeira feira-livre de bebidas, de comidas e guloseimas que todos os dias se formavam na “pedra” da estação. As águas das quartinhas e a famosa macaxeira a que todos diziam ser do cemitério. Uma verdadeira festa. Um acontecimento social de fato inesquecível. Um encontro dos mais democráticos. Uma saudade que ‘O último Apito’ agora nos traz de volta na mais absoluta das realidades. O trem passava literalmente duas ou três vezes por dia pelo meu quintal. De modo que esta história faz parte da minha memória afetiva. Quem viveu aquele tempo e não é de ferro, não tem como agüentar impassível as imagens e as narrativas trazidas pelo “o último Apito”. Por tudo isso, presumo ser impossível não sermos tocados por essas lembranças  após assistirmos um filme deste naipe, tão realista, audaz e tocante. ‘O último apito’ é um espinho de mandacaru tocando fundo o nosso passado e as nossas recordações mais sentidas de um tempo bom e romântico que não volta mais... Por fim, um filme que, forçosamente teremos que assistir por mais de uma vez. Um passado que não passa...E mais: algo que de certa forma denuncia e incrimina todos os políticos que um dia fizeram este verdadeiro crime quando propuseram e/ou se permitiram a este ato triste. Deixaram que o trem tivesse um fim tão melancólico e inexplicável. Um filme a que todos os políticos contemporâneos deveriam assistir para que nunca mais (como os do passado) se deixem ser tocados por esta insensatez sem tamanho – a  pilhagem ao nosso patrimônio. Para que nunca mais possam repetir esta vergonha nacional e cearense, que foi a interrupção das atividades ferroviárias no nosso Cariri e no estado como um todo.Afinal de contas, após o filme todos fatalmente haveremos de nos perguntar: A quem por acaso interessou o fim do transporte ferroviário? Ao povo certamente que não. A resposta todos nós já sabemos...O filme nos surpreende até mesmo na sua última legenda diante da interrogação – O Fim? O futuro talvez nos dirá um dia se de fato este foi fim reservado para esta bela e fantástica história de alegria, sangue, suor e lágrimas... Escutemos todos, este último apito...Parabéns Aderbal, grande mestre! Se a geração do presente não compreender no devido grau o seu pioneirismo histórico, o futuro certamente haverá de reconhecer seus esforços desprendidos.


José Cícero
Secretário de Cultura
Pesquisador do Cangaço
Aurora-CE.

 

Homem que mente, que Deus o tenha dó!

Por: José Mendes Pereira
Minha foto

Estas eram as palavras usadas pelo fazendeiro Francisco Duarte. Senhor proprietário de muitas terras, mas em uma só. Dono de muitos bois bravos, mandingueiros e saltadores de cercas. Na Barrinha onde eu nasci ninguém mais era possuidor de tantas ovelhas quanto  o Francisco Duarte.

O meu pai, Pedro Néo Pereira, nascera nas suas terras, aliás, não só ele, como meus irmãos e eu. O Chico Duarte, como era conhecido, não era um senhor franco, mas, caso  precisasse, e se não fosse por sabedoria, seus moradores eram atendidos de imediato. Cada Morador cuidava da sua própria roça, e o combinado dos legumes, era:  De quatro, três para o morador e um para o seu rebanho. Ultimamente necessitava de dois bons vaqueiros que fossem capazes de derrubar bois bravos nos tabuleiros.

Nessa noite, lavou seus encardidos pés, jantou, e em seguida rumou para o avantajado alpendre. Armou sua velha e surrada rede, e lá ficou a se balançar. Enquanto matutava o que deveria ordenar aos seus trabalhadores para o dia seguinte, apareceram-lhe dois cavaleiros,


Pedro Simão e o Zé Biriba, ambos da cidade de Pau dos Ferros, encourados e em cavalos de primeira qualidade. 

Ao chegarem, desceram dos animais, e em seguida rumaram onde se encontrava o fazendeiro se balançando:

- Boa Noite Senhor! - Cumprimentaram-no os vaqueiros. 
- Boa Noite!...Vamos apear..., o que os trouxe aqui a estas horas?
- Somo vaqueiros, e nós tomamos conhecimento que o senhor está precisando de dois vaqueiros.
- Estou Sim Senhor!... Mas para que eu os contrate, é necessário que sejam bons vaqueiros. Aqui, a minha propriedade é muito grande, e os touros, assim que se formam, tomam conta dos tabuleiros, chegando a ficar bravos...
- Não podemos dizer que somos os tais, dizia o Pedro Simão, mas aonde a gente trabalhou, os fazendeiros ficaram satisfeitos com os nossos serviços.
- E por que saíram da propriedade a qual os senhores trabalhavam?..., O bom vaqueiro é arrematado pelos fazendeiros. – Dizia ele se erguendo um pouco da rede.
- A nossa saída da fazenda em que trabalhávamos o fazendeiro não nos pagava o necessário para sobrevivência.

A conversa entre os três rolou um bom tempo; sobre a ausência das chuvas; um cafezinho...


Francisco Duarte deitado, e em um momento disse:
- Olhem! Relâmpago! Relampejou... O senhor viu? - perguntou ele a Pedro Simão.
- Não. Não senhor! Não vi não senhor.
- E o senhor viu? – fez ele dirigindo a pergunta ao Zé Biriba.
- Vi sim senhor! Vi. Clareou bastante.
E  novamente a conversa continuou. 
O fazendeiro ficou explicando-lhes o valor de cada vaqueiro; os lugares onde se encontravam os afamados touros... E sem muita demora, tornou a dizer:
- Olhem! Relâmpago! Pelampaguejou novamente.., - O senhor viu? – apontando para o Pedro Simão.
- Não! Não senhor! Não vi!– Tornou a confirmar o Pedro Simão que não tinha visto.
 E virando-se para o Zé Biriba:
- O senhor viu?
- Vi sim senhor! Vi! Agora o relâmpago foi bem mais forte, chega deu para ver uma enorme barra branca formada por nuvens encarneiradas.


O dia seguinte, os homens teriam que voltar para acertarem o preço mensal, ou por cada boi derrubado e tangido até o curral da fazenda.
Ao chegarem à fazenda, encontraram Francisco Duarte alimentando umas ovelhas, e virando-se para eles, perguntou:
- Qual de vocês ontem à noite não viu os relâmpagos?
- Eu – Respondeu Pedro Simão.
- Pois a partir de agora o senhor será um novo vaqueiro da minha fazenda... Se o senhor tem família vá apanhá-la, e irá morar naquela casa, dizia ele a apontando. Terá todo direito que tem os meus empregados.
O Zé Biriba ficou esperando que ele lhe dissesse o mesmo.
O fazendeiro pôs-se a explicar o que o Pedro Simão deveria fazer naquele dia.
Daí a pouco o Zé Biriba perguntou-lhe:
- Seu Francisco Duarte, e eu, não serei um dos seus vaqueiros?
- Não! Não senhor! Ontem à noite o senhor viu relâmpago que o seu colega não viu. Muito menos eu. Homem que mente, não trabalhará nesta fazenda, pelo menos enquanto eu for vivo. Quando eu morrer, vai depender de Chiquinha (era sua esposa), ela contratrará quem ela quiser. Mas eu não admito homem mentiroso na minha fazenda, porque o homem que mente,  com certeza, rouba...

Minhas simples histórias

AO MEU PAI RAIMUNDO PIANCÓ

Por João de Sousa Lima

 
Sempre vi meu pai como um homem grande, forte, imbatível.
Na minha infância não me lembro de tê-lo visto chorar, nunca, em hipótese alguma, ele era um rochedo inabalável, como se tivesse um coração de pedra.


Na minha inocência um dia perguntei:
- Papai, o senhor não chora?
- Minhas lágrimas ficaram no passado!
A princípio não pude entender a resposta daquele homem trabalhador, de mãos grossas e de veias salientes, semblante sempre sério, de expressivas marcas do tempo no rosto, poucos sorrisos, andar meio pendido para um dos lados, porém extremamente preocupado e carinhoso com os filhos e com os netos.
O tempo passou, cresci e um dia pude compreender as dores que esse homem enigmático carregava no coração e entender por que ele havia deixado suas lágrimas no passado, ele me confidenciou:

João, o irmão amado de meu pai Raimundo Piancó, onde em cuja fotografia  ele escreveu: "MEU INESQUECÍVEL IRMÃO"

- Eu sou o filho mais novo e meu irmão mais velho chamava-se João, tinha o nome igual ao seu, eu fui muito ligado a ele e ele a mim, João tinha um caminhão e como eu vivia sempre ao seu lado, acompanhava ele nas viagens e nos trabalhos, um dia estávamos indo pra Campina Grande, estávamos pertinho de Soledade, próximo ao sítio Corta Dedo, o caminhão, um FORD, teve um problema mecânico e fomos consertá-lo, estávamos consertando o pino do feixe de molas, colocando a trava, estávamos embaixo do carro, com partes dos corpos pra fora, eu  com as pernas pro lado de fora e João com  as pernas embaixo do caminhão e a cabeça pra fora.

 Raimundo Piancó.

Ao longe ouvimos barulho de um outro veículo que se aproximava, o condutor vinha, conhecido como Mané Vermelho, vinha de Princesa Isabel, no caminho havia consumido bebida alcoólica, vinha totalmente  embriagado, o carro desgovernado, não tivemos chances de defesa, um grande barulho de ferragens se retorcendo, madeiras quebrando, gritos, ele nos atropelou, passou por cima de minhas pernas, me arrastei pra ver como estava meu irmão, muito sangue no chão, ele agonizava ferido, não falava nada, só olhava meus olhos.

Papai e o irmão Miguel depois da reforma da Casa Grande.

Tirei uma caixa de fósforo do bolso e acendia os fósforos e colocava na mão dele como era o costume daquele tempo em acender  velas e colocar nas mãos de alguém que estava morrendo. Gastei todo o fósforo, João suspirou e morreu, perdi meu companheiro, meu  amado irmão-amigo, desmaiei, acordei dentro de outro carro, passei seis meses em um leito de um hospital, recuperação lenta e dolorida, perdi parte dos movimentos de  um dos pés, me recuperei dos ferimentos, da dor da perda e das lembranças do meu querido irmão nunca consegui sarar, por noites banhei de lágrimas os lençóis do leito do hospital e de minha cama, trago em minha alma uma dor eterna...

Da esquera para a direita:
O primo Zézé, João de Sousa Lima, Nequinho, Rosália e Beta.

Eu era noivo, acabei o noivado e me preparei pra vingar a morte do meu irmão, antes que acontecesse a vingança, Mané Vermelho morreu em outro acidente, a justiça terá que ser divina...

Saudades da Casa Grande (para meu pai Raimundo José de Lima, em referência a última visita que fizemos ao sótão da casa onde ele foi nascido e criado)

Na década de 80, já rapaz, tive a oportunidade de ir com meu pai e minha irmã Betinha, na casa grande onde ele havia nascido e sido criado, fomos ao sótão e sob as madeiras envelhecidas  do casarão abandonado ele relembrou fatos passados, de como eles haviam quase enchido aquele sótão de café, plantado e colhido na fazenda dos Piancó.

Tio Raimundo e Rosália, sua esposa, segurando o neto Osvalny Lima.

Diante das lembranças ele marejou os olhos, pela primeira vez vi aquele homem forte chorar, quais seriam as lembranças que ele tinha no momento foi um segredo dele, talvez, suposição apenas, tenha lembrado além do café estocado, também dos pais, dos irmãos, dos momentos alegres na comunhão da grande família, dos verdes campos e das colheitas, da fartura, dos pássaros cantando nas relvas circundantes, do cheiro da chuva, dos riachos, dos banhos nas biqueiras, das brincadeiras de crianças, do amado irmão João brincando, ensinando-lhes as coisas da vida, do abraço apertado e da companhia eterna do irmão e da pessoa que ele mais amou na terra.

Minha irmã Betinha, um dos meus anjos de luz na terra.

Betinha com sua sabedoria  interrompeu dizendo:
- É, mais agora o senhor tem os filhos e os netos e todos amam muito o senhor!
Papai retornou das lembranças, passou um lenço no rosto, enxugou as lágrimas e entrou em um silêncio profundo, as conversas continuaram entre umas sete pessoas que se aglomeravam naquele lugar de tantas lembranças e de momentos únicos na vida. Naquele dia compreendi o que era deixar lágrimas no passado e rever as dores que os homens verdadeiros carregam na alma, sentidas nos olhos molhados de um homem que tanto amei.
Seu filho que muitas vezes chorou e ainda quando sente saudades chora, João de Sousa Lima.

Casa grande que saudade
Eu sinto dos velhos tempos
Quando das tuas varandas
Ouvia o clamor dos ventos
Sinto a saudade cravada
Pelas unhas dos pensamentos

Só saudades é o que resta
De um passado vivido
Ainda brilha no pensamento
Aquele velho tempo querido
Onde os mais belos momentos
No teu chão foi percorrido

(Do livro "No Silêncio do Ocaso" de João de Sousa Lima)

O combate de Maranduba

Por: Leonardo Ferraz Gominho


A perseguição continuou, enfrentando a força de Manuel Neto as mais difíceis privações, passando muita fome e sede. Ao final do ano, na segunda quinzena de dezembro de 1931, a volante voltou a Jatobá (Petrolândia) para ali passar as festas de final de ano. “Para entrar na localidade, foi preciso” esperar o “anoitecer, isto porque a força vinha quase despida.”Passadas as festas e refeitos, logo no início de janeiro Manuel Neto partiu à procura dos cangaceiros. Tomara conhecimento de que o grupo se encontrava na vila de Canindé (SE), “ferrando moças”. Requisitou o trem e seguiu para Piranhas. Atravessou o rio e entrou no território de Sergipe, indo dormir na sexta-feira, dia 8 de janeiro (1932), já perto dos cangaceiros.No dia seguinte continuaram rastejando, aproximando-se cada vez mais dos bandidos. Na vanguarda, o destacamento de Manuel Neto e, mais atrás, os homens sob o comando do tenente do Exército Liberato de Carvalho, na ocasião com o comando geral das forças.Seguiam na frente os sargentos João Cavalcanti e Hercílio de Souza Nogueira. O primeiro, por volta das 16 horas, avistou os cangaceiros. Pediu a Hercílio que não atirasse; esperasse a força encostar. Assim o ataque surtiria maior efeito. O bando estava bem posicionado, num local estratégico, nas proximidades da fazenda Maranduba.

Manoel Neto

Impetuoso, Hercílio respondeu que não esperaria por ninguém. Cada qual fizesse o que pudesse. Convidou o companheiro a ver quem avançava mais. Abriu fogo e partiu para cima dos bandidos que, de imediato, reagiram, disparando e avançando contra os dois sargentos e os companheiros que os seguiam. Já próximo do acampamento dos bandidos, Hercílio foi atingido e caiu.
 - “Vala-me, Nossa Senhora. Logo na cabeça...” -, teriam sido suas últimas palavras.
Ao seu lado tombou João Cavalcanti, ou João de Anísia, como era conhecido (Cavalcanti era, por sinal, primo do célebre Horácio Cavalcanti de Albuquerque). Tomando conhecimento da morte de Hercílio, Adalgiso, de apenas 15 anos de idade, abandonou o comando do tenente Liberato e correu ao encontro do irmão. Foi atingido, tombando morto sobre o corpo de Hercílio.


 

Seguiu-se o mais terrível combate travado no eixo Bahia-Sergipe, envolvendo as forças conjuntas e o bando de Lampião. Esclarece Billy Chandler (obra citada, p. 183) que, “embora o número de soldados ultrapassasse o dos cangaceiros na proporção de três para um (aproximadamente 100 soldados para 32 cangaceiros), foram eles quem mais sofreram”. O bando tinha bastante munição e a polícia não conseguiu boa posição para o ataque. “Liberato, em vez de flanquear os cangaceiros, imprudentemente tentou atirar por cima das cabeças de seus colegas pernambucanos. Em duas horas de combate, as perdas da polícia, tanto infligidas pelos cangaceiros como por seus próprios colegas, foram inúmeras. Pelo menos cinco soldados morreram na cena do combate; entre os doze ou mais feridos, diversos morreram mais tarde, a maior parte por falta de cuidados médicos.”

A batalha de Maranduba

De Nazaré, caiu morto também Antônio Benedito da Silva. E os cangaceiros, aparentemente, perderam quatro homens, dois dos quais no local da luta. “Contam que havia um outro tão ferido que Lampião, diante do seu sofrimento, matou-o a tiros.”João Lira (obra citada, p. 512) diz que Manuel Neto, mais tarde, lhe confidenciaria que “nunca tinha visto tanta bala como viu ali”, num “fogo cerrado de ambas as partes, misturados, sem haver recuo”, lutando-se por duas ou três horas com bandidos alcoolizados.

Comandante e delegado

A perseguição a Lampião não cessou. Manuel Neto continuou enfrentando os cangaceiros, destacando-se nos tiroteios da Baixa da Moça, Serra da Canabrava, Serra do Bobodó e do Ninho, e em Caldeirão (22.04.1932), aqui ao lado do tenente Abdon Menezes. Isso no eixo Bahia-Sergipe.Chandler (obra citada, p. 191) diz que, em 1932, os sertanejos baianos viviam aflitos com a presença dos bandidos e, muito mais, com a da polícia. E, de todas as volantes, os nazarenos, “sob o comando de Manuel Neto, eram os mais temidos. Perseguindo Lampião com um zelo fanático, empregavam qualquer método para obter informações”. E, à página 57: “Durante toda a sua carreira, Lampião encontrou poucas pessoas que se empenharam tanto a persegui-lo como esse grupo. Muitas vezes, outros o perseguiram de longe, temendo por suas vidas, enquanto outros podiam ser subornados. Mas os nazarenos, não. Caçaram-no em Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Ceará, e quando, anos mais tarde, ele mudou seu centro de operações para Bahia e Sergipe, foram atrás dele lá”.
Em 1933, Manuel Neto distribuiu armas e munições com alguns fazendeiros e colocou pequenos destacamentos nos locais mais sujeitos aos ataques dos cangaceiros que, vindos da Bahia, “realizavam sanguinárias incursões em Pernambuco”.
Ainda como tenente, foi Comandante das Forças em Operação no Interior do Estado (PE), sendo então obrigado, devido à alta posição de comandante, a afastar-se do confronto direto com os bandidos. Entretanto, ainda haveria de enfrentá-los, como o fez em Porteiras, no município de Floresta, em 1935. Com o levante comunista daquele ano, o tenente instruiu seus comandados, fazendo-os voltar à sede das volantes para dali, sob seu comando, seguirem para o Recife a fim de dar combate aos comunistas e sufocar o movimento armado que eclodira.
A sua ação, sempre incisiva, ensejara-lhe a promoção a capitão, o que se verificou aos 3 de janeiro de 1936. E, aos 27 de fevereiro, recolheu-se das Forças em Operação no Interior do Estado, passando a prestar serviços na capital. Virgulino e seu bando fixara-se no eixo Bahia-Sergipe e diminuíra suas incursões em Pernambuco. Mesmo assim, Manuel Neto ainda continuou a realizar missões no interior, trabalhando de uma forma intensa e desgastante. Enfim, em dezembro de 1936, entrou em gozo de férias, benefício que não obtivera nos anos de 1929, 1930, 1932, 1934 e 1935, o que, por si só, demonstra o empenho do nazareno no combate ao banditismo.
Na capital pernambucana, comandou a 3ª, 2ª e 1ª Companhia do 1º Batalhão, assumindo interinamente por diversas vezes as funções de subcomandante daquele Batalhão. Ficou à frente do Esquadrão de Cavalaria de dezembro de 1938 a junho de 1940. Nesse período, foi louvado “pelo esforço e dedicação demonstrados durante a extinção do grande incêndio verificado num dos tanques da Standard Oil Company of Brazil”, ocasião em que se postou sempre ao lado do comandante Geral, “auxiliando em tudo que era possível, transmitindo ordens e colaborando para a manutenção da ordem pública”.
Mais tarde, ao deixar o Comando da Força, o Cel. Rogaciano agradeceu ao capitão Manuel Neto, louvando-lhe o “contingente de esforço dado a sua interinidade no Comando da Força.”

João de S. Lima, Alcindo Alves e João, na
F. Maranduba, onde aconteceu o combate

O último grupo de cangaceiros, o de Corisco, foi desbaratado naquele ano de 1940. Chegava ao fim uma luta em que os nazarenos se engajaram desde o princípio, e que levara à morte mais de quinze filhos do povoado e daquela região. Olhando para o primo Manuel Neto, Manoel Flor “achava espantoso que esse homem, ainda com balas no corpo e com tantas cicatrizes, tivesse sobrevivido”.


Manuel Neto, “espigado, de falar macio e andar cauteloso de gato do mato, cujo nome varava o Sertão como uma legenda de bravura” (Luís Cristóvão dos Santos, J. do Commércio - 02.12.82), participara de 35 combates e foi, sem dúvida, o maior perseguidor de Lampião. A sua atuação contra os bandidos deu-lhe oportunidade de mostrar qualidades nas missões mais difíceis, sempre a ele confiadas. “Sua peregrinação pelos sertões foi longa e vitoriosa”.
Lampião temia a sua volante: disciplinada, corajosa e guerreira. Quando avançava sobre os bandidos, não media sacrifícios, o que fazia Virgulino dizer que preferia brigar com ele, Manuel Neto, a brigar com Euclides Flor. E explicava: Euclides, além de valente, era cauteloso e hábil estrategista, procurava sempre deixar a salvo os seus companheiros e comandados. Manuel Neto “era doido”, costumava dizer Lampião. Partia para cima dos cangaceiros “feito cachorro azedo”, o que de certa forma facilitava a reação dos bandidos.
O bravo nazareno parecia desconhecer o significado da palavra medo. Parecia, apenas, pois poucos tinham, como ele, tanto medo... de alma! Tinha verdadeiro pavor pelas coisas do outro mundo.
Deixando, em 1940, o Comando do Esquadrão de Cavalaria, o capitão Manuel Neto voltou a comandar a 1ª Companhia, assumindo depois o cargo de Subcomandante Interino do 2º Batalhão, onde foi elogiado pelo comandante que realçou a “dedicação ao trabalho, o empenho em serviço, o amor à disciplina, traduzidos nas diversas modalidades e ainda mais no acatamento ao chefe; o dom da iniciativa e o espírito de corporação”.
A 19 de fevereiro de 1943, foi nomeado Delegado Regional da 11ª Zona Policial, com sede em Ouricuri. Ali permaneceu até o mês de setembro do mesmo ano. Voltou à capital e assumiu o Comando da 2ª Companhia e, no ano seguinte, novamente o Esquadrão de Cavalaria.
Aos 14 de dezembro de 1944, foi nomeado Delegado Regional da 8ª Região Policial, com sede em Sertânia, onde permaneceria até fevereiro de 1946. Nesse cargo, em março de 1945, recebeu elogio do C.el José Arnaldo: “Oficial de muito boa vontade. Rigoroso no cumprimento do dever”.
Em Sertânia, levaria um grande susto: no dia 5 ou 6 de junho de 1945, ao se dirigir a um preso, foi por ele alvejado no abdômen, tendo sido levado em estado grave para a cidade de Pesqueira, onde foi operado e passou a receber todos os cuidados médicos, restabelecendo-se, finalmente. Sete meses depois, foi promovido a major, por merecimento. Mas, em ato posterior, o Interventor Federal considerou sua promoção “por antigüidade.”

Cel. Manoel Neto e o escritor Fernando Portela em 1973.
(Foto de Josenildo Tenório)

Em agosto de 1946, assumiu a Chefia da Assistência do Material e, mais uma vez, recebeu referências elogiosas: “Também é de justiça elogiar o major Manuel de Souza Neto, que vem de ser designado para a Chefia da Assistência do Material, pela dedicação em que se houve no exercício do comando do 3º B.C.. É o que faço com satisfação.”
E logo em setembro do mesmo ano, foi “louvado pelo esforço, dedicação e amor à Corporação, manifestado por ocasião dos treinamentos para a parada de 7 de setembro, concorrendo para o brilhantismo alcançado pela Força Policial de Pernambuco, pelo garbo, marcialidade e disciplina com que se apresentaram seus elementos em público.”
Ao final de 1947, entrou numa fase difícil de sua vida, afastando-se do trabalho por um ano, para tratamento de saúde. Em novembro de 1948, foi operado e desligado do serviço por mais um ano. Finalmente, aos 27 de outubro de 1949, foi transferido, a pedido, para o Quadro Suplementar.

PREFEITO

Na década de 1950, com o apoio do líder político João Inocêncio, o coronel Manuel Neto foi eleito prefeito de Ibimirim, passando a fazer uma administração responsável. Deixando a prefeitura, passou a viver exclusivamente de sua aposentadoria. Nasceu pobre e morreu pobre, nada deixando para a família.

Calado, introspectivo, não deixava transparecer o homem valente que era. Dificilmente falava sobre suas lutas contra o banditismo. Achava que isso poderia influenciar ou estimular negativamente os jovens.

Com a avançada idade de 78 anos, faleceu às 7 horas e 45 minutos do dia 3 de novembro de 1979, no Hospital da Polícia Militar, no Derby (Recife). Seu corpo foi levado para sua terra natal, sendo sepultado no cemitério de Nazaré.


Morreu solteiro. “Quando se perguntava por que não casava, respondia que era um homem de intrigas e que vivia sujeito” a ser morto “a qualquer momento”. E assim fugia ao casamento. Mas deixou pelo menos dois filhos com Otacília Gomes de Sá:
1º - Margarida Siqueira Campos - Casada, deixa oito filhos.
2º - Manoel Gomes de Souza - Casou-se com Josefa Ester de Araújo. Deixa onze filhos: Maria Cícera Araújo Souza Marques (casada com Rinaldo Leite Marques de Sá, é a mãe de Raniere, de Krausia e de Rinaldo Júnior), João Gomes de Araújo, Sandra Araújo Souza Torres, Olga Maria Gomes Araújo Pires (mãe de Washington e de Letícia), Margarida Gomes Araújo, Filomena Gomes de Araújo, Carlos Vital Gomes de Souza, José Gomes Araújo, Francisca Araújo Gomes Nunes, Emílio Gomes de Souza e Maria das Dores Araújo Souza.
* As imagens não fazem parte daa citada obra foram inseridas por nós para ilustrar o artigo.

http://lampiaoaceso.blogspot.com/2010/08/coronel-manoel-de-souza-neto.html

De frente com Corisco

Por: Leonardo Ferraz Gominho


A 13 de julho de 1931, o tenente Manuel Neto levou a Vila Bela, para inclusão ou alistamento, os seus amigos e parentes nazarenos, muitos deles quase crianças. E foi claro: “se fosse rejeitado um daqueles meninos, seriam todos”. Estava ali formada a volante dos nazarenos que, pouco depois, seguiria para a Bahia, onde o governo se via sem forças para combater Lampião, que voltara a cometer suas costumeiras selvajarias, e pedira a presença dos pernambucanos.


Para atender ao pedido do governo baiano, foi designado o tenente Manuel Neto, que escolheu sua própria força: auxiliares imediatos, sargentos David Gomes Jurubeba e Tibúrcio Soares da Rocha; cabo José Soares de Lima Filho; soldados Pedro Gomes de Lira, Antônio Capistrano de Souza, Vicente Ferreira de Lima (Vicente Grande), Cícero Freire da Silva, Antônio Valério de Olinda, José Leite de Sá, Alexandre Domingos de Souza (Dudu), Enoque de Sá Menezes, Arconso de Souza Ferraz, Vicentino Ferreira, José Vila Bela; recrutas Augusto Leite de Sá, Antônio Cipriano de Souza, Armando Cipriano de Souza, Afonso Virgulino de Sá, Francisco Marcionilo de Sá, Otacílio Gomes de Sá, Miguel de Sá Nogueira, Herculano de Souza Nogueira, Henrique Gregório de Souza, Manoel Capistrano de Souza, José Domingos Neto, Ancilon José da Silva, Manoel Cosme dos Santos, Olímpio Valões, Arlindo Pereira de Souza, Aflaudísio Nunes de Carvalho, José Antônio dos Santos, Pedro Antônio dos Santos, José Pedro de Souza, Augustinho Ferreira (Augustinho Preto), Augustinho Ferreira (Augustinho Doido), Elias Martins dos Santos, Pedro Barros (Vereda), Francisco Jerônimo (Gavião), Luís Rodrigues (Dudu), José Dartinha, Antônio Benedito da Silva, Nestor Domingos de Souza (paraibano), Manoel Florentino de Souza e João Gomes de Lira. Esses homens seguiram de Vila Bela no dia 28 de julho de 1931, entrando na Bahia no dia 3 de agosto. Iriam enfrentar em campo estranho o famigerado Lampião que, havia três anos, infernizava aquela região.


O serviço de informações do bandido funcionava com perfeição. Mal a força atravessou o rio, já Lampião tinha conhecimento e armava a primeira emboscada numa ponta da serra do Padre. Ali esperou de um dia para o outro a força que, passando por outro local, escapou.
Um mês depois, aos 6 de setembro, os policiais travaram na fazenda Aroeiras, município de Santo Antônio da Glória, um tiroteio com o grupo de cangaceiros. O ataque partira dos bandidos, havendo reação da tropa. Manuel Neto deu as ordens e, com um pelotão de 15 homens, avançou correndo ao encontro dos celerados que fugiram.



João Gomes de Lira, que viu de perto as ações de Manuel Neto, dizia que ele, “quando avançava, não olhava para os lados, misturava-se logo, fosse com quem fosse”. Assim ocorreu naquele dia. Num dado momento, Manuel Neto seguia acompanhado pelo soldado Vicente Grande. De repente, este gritou:
- “Olha os bandidos, tenente.”
- “Cadê?, Vicente”.
Vicente não respondeu e atirou. Os bandidos já estavam muito perto.


Logo Manuel Neto topou-se com Corisco, que vinha por dentro de um riacho. “As primeiras palavras do cangaceiro Corisco foi perguntar de onde era aquela força. Neto respondeu:”


- É de Pernambuco.
- Quem é o comandante?
- É o tenente Manuel Neto -, disse o nazareno.
-“Te prepara para correr, tenente fio da puta!”
O tenente que, mesmo sem provocação, não enjeitava parada, reagiu rápido. Saltou dentro do riacho e ficou frente-a-frente com o Diabo Louro. Atirou e pulou, avançando sobre Corisco. O cangaceiro recuou.
 - Veja, bandido, quem é o tenente Manuel Neto! Não corra. Espere para brigar. Aqui é a força de Pernambuco. É Manuel Neto com sua força de meninos.
Àquela altura, David Jurubeba atacava o bando pela retaguarda. Lampião sentiu o poder de fogo e a disposição da força e disparou o seu parabelum. “Os bandidos fugiram de forma que ninguém viu para onde.”

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Outubro de 1930: o testemunho de Gilberto Freyre

Por: Leonardo Ferraz Gominho



Vamos encontrar Manuel Neto, em 1930, como ajudante de ordens do Governador Estácio Coimbra e no posto de 2º tenente. Seu empenho e seu valor no combate ao banditismo, sua extrema coragem, sua lealdade ao governo o credenciaram àquela posição.
Nos conturbados dias de outubro daquele ano, portou-se como verdadeiro herói, resistindo até o último momento contra as forças que procuravam depor, em Pernambuco,


o Governador Estácio Coimbra. Manuel Neto não pôde ficar indiferente ao governo que dera aos nazarenos o amparo necessário à defesa do seu povoado, que tanto fora ameaçado pelo facinoroso Virgulino Ferreira. Postou sua força da ponte Santa Isabel à ponte da Boa Vista, fazendo fogo para a rua da Aurora, onde se encontravam os revoltosos.


Gilberto Freyre, em depoimento de 1972, por ocasião do centenário de Estácio Coimbra (v. Frederico Pernambucano de Mello, obra cit., p. 32), diz que tentava-se, na Revolução de 1930, ridicularizar a resistência, que foi entretanto brava. “O Palácio do governo, onde permaneceram, desde as primeiras violências nas ruas do Recife, o Governador e vários dos seus auxiliares, tinha uma defesa constituída por um grupo de bravos, que respondiam aos tiros vindos das ruas da Aurora e Santo Amaro, da própria ponte de Santa Isabel, a peito descoberto. Vários pereceram aí e no ataque ao depósito de munições da Soledade...”
E acrescentou: - “Vi o que é ter gente simples a mística coragem de enfrentar a morte como um toureiro espanhol ao touro numa arena de Madri: sorrindo e até bailando. Lembro-me, sobretudo, do então tenente Manuel Neto. Não creio que um homem possa ser mais bravo do que foi, nesses momentos que se prolongaram da noite por todo um dia, até a noite seguinte, esse admirável Manuel Neto. Vi-o em ação. Manuel Neto saltava, dançava, bailava, gritava ao dar seus tiros.
Era o bravo do tipo dionísico.”
Enquanto a força lutava deitada, ao abrigo dos tiros, Manuel Neto causava admiração a quem o via de pé, “fazendo dos seus movimentos um “balet” de bravura. Dançava repelindo os tiros e atirando”, testemunhou Gilberto Freyre.
Estácio Coimbra, atendendo a um pedido do Comandante do Exército - que desejava se instalar no Palácio para, dali, repelir o ataque que vinha da Paraíba -, deixou o Palácio acompanhado de Gilberto Freyre e de outros auxiliares imediatos. Dirigiu-se ao edifício das Docas e, dali, seguiu para Tamandaré, “onde pretendia instalar o governo e esperar o prometido reforço federal, que deveria chegar do Sul.”
Sentindo alguma coisa no ar, Manuel Neto foi ao Palácio, sendo informado que Estácio Coimbra deixara o local e que se dirigira a Tamandaré. “Sem demora” - conta João Lira (obra citada, p. 450) -, “o tenente Manuel Neto pegou um carro e seguiu ao encontro do governador. Por ser o carro do Palácio muito conhecido, em todas as ruas que passava, era fortemente alvejado pelos inimigos do governo”. Alcançou o governador em Tamandaré.
O reforço esperado não chegou e Estácio Coimbra decidiu seguir para a Bahia, sendo acompanhado pelo ajudante de ordens que deixava, talvez sem o saber, o irmão, sargento Afonso de Sá Nogueira, morto em combate contra os revoltosos que desciam da Paraíba. Da Bahia o governador seguiu para o exílio. Neto decidiu ficar no Brasil. Pediu a Estácio algumas cartas, recomendando-o a amigos e parentes no Rio de Janeiro, para onde seguiu. Ali chegando, foi preso.
“Os estudantes davam viva à Revolução e pediam, exigiam das autoridades que lhes entregassem Manuel Neto para matá-lo em praça pública”, conta João Lira.
Ainda em outubro de 1930, grande contingente policial foi deslocado do Sertão para a capital. Aproveitando a oportunidade, Lampião resolveu visitar Pernambuco, depois de uma longa ausência. Atravessou o São Francisco e entrou no município de Floresta. Matou o ex-cabo Aureliano e, a 26 de novembro, capturou Macário Gomes de Sá (v. GS, Tn 224), libertando-o depois de receber a importância exigida e que fora cedida por Sérgio Gomes Correia (Yoyô), da fazenda Tigre. A permanência do cangaceiro no território pernambucano, entretanto, foi rápida. Logo voltou ao eixo Bahia-Sergipe.
Àquela altura, as forças do Nordeste levantaram-se contra a prisão de Manuel Neto. Saíram em defesa do homem de tantas e encarniçadas batalhas contra o banditismo no Sertão. Libertado, Manuel Neto voltou a Pernambuco, tomando conhecimento de sua exclusão da Polícia Militar. Também eram afastados diversos parentes, inclusive Euclides de Souza Ferraz, Hercílio de Souza Nogueira e Aureliano de Souza Nogueira. Resolveu voltar a Nazaré, onde a situação não era das melhores. Muniz de Farias, não se sabendo onde, achara alguma coragem e, tomando parte ativa na Revolução, tornara-se um dos seus festejados heróis; dono da situação, assumiu o Comando da Força Pública e resolveu insurgir-se contra os nazarenos, tramando-lhes o desarmamento.
“Higino, Arlindo Rocha e outros oficiais negaram-se a desarmar Nazaré, solidários com os nazarenos.”
Manuel Neto tomou nas mãos a reação do povoado e de sua gente. Buscou ajuda e esta lhe chegou sem demora. De “toda parte chegava solidariedade para os nazarenos”, conta, em detalhes, João Lira (obra citada, p. 472). Nazaré “era inimiga de Lampião e não podia ficar desarmada: preferiam brigar armados contra o governo, mas não ficariam desarmados contra Lampião”. Essa a posição de Manuel Neto e de seus parentes.
Na noite de 20 de março de 1931, Manuel Neto traçou os planos: não entregariam as armas e enfrentariam o governo até o último homem. Ficaria “com cem homens em Pernambuco” e Euclides, Odilon Flor, Hercílio, Lero, Arconso e Antônio Capistrano, “cada um assumiria o comando de cem homens. Rumariam para os Estados da Paraíba, Ceará, Alagoas, Bahia e Sergipe.” Com a intermediação do padre Urbano Carvalho, chegou-se, entretanto, a um acordo. Continuou o povoado armado, pronto a rebater qualquer ataque de Virgulino Ferreira.
O capitão José Émerson Benjamim, que representava o governo, resolveu inclusive pedir a reinclusão de Manuel Neto e de outros nazarenos na Polícia do Estado. A 27 de abril de 1931, Neto voltou às fileiras da Polícia Militar, no posto de 2º sargento. Relutara em aceitar, pois fora afastado como 2º tenente. O capitão, entretanto, garantira-lhe que, se assumisse, dentro de um mês conseguiria sua promoção ao antigo posto.

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Lampião deixa Pernambuco

Por: Leonardo Ferraz Gominho

Foi no quadriênio 1922-1926 que se verificou a recrudescência assustadora do banditismo no Sertão pernambucano. O governador Sérgio Loreto, já em 1924, cancelou uma viagem que faria ao Sertão “por não poder garanti-lo a Força Pública”, diz


Frederico Pernambucano de Mello (A Tragédia dos Blindados, p. 69). O grupo de Lampião se multiplicou notadamente nesse período de Loreto: subiu dos habituais 30 homens para cerca de 120, “em clara indicação de ter estado à vontade o banditismo no período”. E é nesse clima que Estácio Coimbra, eleito em 1926, assume no ano seguinte o governo do Estado. Convida o Dr. Eurico de Souza Leão para a chefia da Polícia e este assume “com carta branca, fidelidade apenas ao compromisso de resultados”.
No Comando Geral das Forças Volantes, o major Theóphanes Ferraz Torres. “No Sertão, o esforço por vezes arbitrário se volta sabiamente contra os protetores dos bandidos, contra os coiteiros do cangaço”, esclarece Pernambucano de Mello (obra citada, p. 75). A perseguição aos cangaceiros começava a se tornar mais efetiva.
Em 1927, um dos redutos de difícil acesso dos bandidos - a serra Umã - foi invadida por Manuel de Souza Neto, já no posto de sargento. Antes dele, somente Theóphanes, em 1917, ousara incursionar na região. A partir de então os bandidos reforçaram a vigilância, evitando novos ataques da polícia. Conhecedor da situação, Manuel Neto, à noite, deixou uma parte dos companheiros na base de elevação e, acompanhado de nove homens, penetrou nas casas suspeitas, aprisionando e amarrando alguns facínoras. Prendeu, nessa ocasião, Bispo dos Anjos, filho de Miguel dos Anjos, este célebre bandido e que era o seu principal alvo, mas que não foi encontrado.


Diz Marilourdes Ferraz que, mais tarde, “Manuel Neto, aproveitando a escuridão, efetuou outro ataque ao reduto, acompanhado por seu irmão Afonso e os soldados João Pedro, Benedito Severo e João Roque, conseguindo repelir a resistência e ocasionando várias mortes na facção dos bandidos”. Esclarece João Gomes de Lira (obra cit., p. 397) que aí foram eliminados os cangaceiros Barra Nova e João Marreca.
A perseguição a Lampião continuava. Vendo o bando se reduzir a cada dia, o cangaceiro viu-se obrigado a evitar qualquer confronto com as volantes. E no dia 21 de agosto de 1928 deixou Pernambuco, atravessando o rio São Francisco. Ao seu lado, apenas o irmão Ezequiel, o cunhado Virgínio (Moderno), Luís Pedro, Mariano e Mergulhão.



Billy Chandler (obra cit., p. 127) diz que “a polícia de Pernambuco não tencionava deixar Lampião descansar, e Manuel Neto e seus nazarenos descobriram sua pista logo depois que atravessou o São Francisco e o seguiram...”
Chegando à fazenda do “coronel” Petronilo Reis, Manuel Neto exigiu do vaqueiro que lhe mostrasse onde estava Lampião. O vaqueiro se recusou e foi surrado. “Depois da surra, entretanto, concordou em levá-los até Bonfim, onde chegaram no dia 26 de agosto”. Houve pequeno tiroteio e os cangaceiros fugiram.
Chegando à Bahia, Lampião mudou sua tática. Passou a distribuir dinheiro, era bondoso e pacato, procurando mostrar-se um indivíduo injustiçado. Dizia que fora à Bahia apenas para descansar e não tinha intenção de fazer mal a ninguém. Essa sua inatividade, aliada a incidentes como a surra dada no vaqueiro de Petronilo, levaram as autoridades baianas a pedirem ao governo pernambucano a retirada de suas volantes. E Manuel Neto teve de voltar a sua terra, continuando ali sua carreira militar.

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