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segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

LEITURA CONCLUÍDA

Por Raul Meneleu Mascarenhas

Prezado confrade Archimedes Marques, acabei de concluir a leitura de seu livro. Quero dizer que Você está de parabéns, pois apenas um advogado experiente e além do mais também uma autoridade de justiça, poderia, aliado a um grande conhecimento do cangaço, com suas implicâncias sociais, fazer a defesa com tamanha maestria, não defendendo o lado Lampião como bandido, mas apenas expondo os argumentos pífios do livro que tomando as palavras do mestre Alcino Alves, é um verdadeiro "acinte a verdade da história".


Realmente é um brilhante e elucidativo trabalho que desfez os fracos argumentos de Pedro Morais, em seu livro "Lampião o mata sete".


Um abraço.
Raul Meneleu Mascarenhas

Fonte: facebook
Página: Raul Meneleu Mascarenhas

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CARIRI CANGAÇO PRINCESA 2015 !!!


Você é nosso convidado especial para conhecer uma das mais impressionantes epopéias do sertão nordestino: A espetacular história de Princesa Isabel "Território Livre", berço de Marcolino Diniz, Xanduzinha e do emblemático coronel Zé Pereira; em um dos eventos mais esperados do ano: Cariri Cangaço Princesa; 20 e 21 de Março de 2015, você não pode ficar fora dessa grande festa de alma verdadeiramente nordestina...

Fonte: facebook
Página: Cangaceiros Cariri

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“O GLOBO” – 04 E 05/11/1958 (PARTE I E II)

Material do acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho

A partir de hoje, compartilharei com os amigos a excelente matéria do jornal “o globo” sobre o cangaceiro Volta-Seca, assinada pelo jornalista Bruno Gomes, sob o título “Como se Forja um Cangaceiro”, publicada nas edições de Novembro de 1958. 

Miséria e abandono é que geram o cangaço

“Volta-Seca” Ainda Teme a Justiça, e Com Certa Razão – A Culpa do Cangaço Não Está Apenas no Coronelismo – O Fenômeno Existe Pelo Menos Desde o Século XVIII.

Duas foram as razões que me fizeram escrever a vida de Antônio dos Santos, o Volta-Seca. A primeira, humana, em sua essência, foi a pena de vê-lo passando miséria com mulher e quatro filhos, sem outra fonte de renda além de três mil e oitocentos cruzeiros mensais, proveniente do seu emprego de servente da Estrada de Ferro Leopoldina. A segunda, foi a vontade de escrever alguma coisa interessante e que pudesse ter utilidade para os estudiosos do fenômeno cangaço. Tenho lido bastante a esse respeito e creio que muito ainda falta dizer para que os prósperos possam ter uma ideia mais exata do que foi aquela terrível época de banditismo que abalou o norte do País.

Não foi fácil, porém, convencer Volta-Seca a contar-me sua vida. E isso porque ele ainda teme o passado. Não as vinditas apenas, mas especialmente a Justiça. Por mais incrível que pareça, apesar de ter passado vinte anos trancafiado na penitenciária da Bahia, Volta-Seca ainda tem medo da Justiça. Medo compreensível não resta dúvida, já que sua própria condenação não passou de uma arbitrariedade que só mesmo no Brasil, onde tudo é possível, poderia acontecer.

O ERRO CLAMOROSO

VOLTA-SECA ingressou no bando de Lampião aos onze anos de idade. Ainda não tinha completado quinze quando foi preso e remetido para Salvador. Com essa idade, de acordo com o Código Penal Brasileiro, jamais poderia ser julgado, no que concordaram as autoridades baianas, mas esperaram que o rapaz completasse 21 anos atrás das grades e assim, seis anos após a sua captura, submeteram-no a julgamento numa cidadezinha do interior do Estado, por onde Lampião deixara rastro de sangue e dor. O júri dessa cidade condenou-o a 145 anos de cadeia! Retornando a Salvador, a pena foi reduzida para trinta anos, dos quais Volta-Seca cumpriu vinte, tendo sido indultado pelo Presidente Getúlio Vargas, em 1954.

Aí está a razão pela qual Volta-Seca ainda tem medo da Justiça, de nada valendo dizer-se que era menor naquele tempo, pois a cadeia ainda lhe está bem viva na memória. Tem sofrido o diabo por aí afora, e só mesmo a miséria e a confiança depositada em mim fizeram-no contar a sua vida para que eu a escrevesse.

Penso que destas memórias muita coisa poderá ser aproveitada pelos estudiosos. Não me iludo pensando que todos concordarão com as histórias do Volta Seca, mas é preciso que se diga desde início que, a respeito do cangaço, existem muitas contradições. E quero ressaltar que nesta narrativa tive todo o cuidado em não recorrer à fantasia. Não é o meu estilo que se verá aqui mas uma forma simples e jornalística de contar os fatos. Muitas vezes preferi reproduzir “litteratim” frases de Volta-Seca. Não procurei tampouco ir a arquivos ou coleções de jornais para conformar fatos com nomes e datas: escrevi o que Volta-Seca narrou. Se ele não se lembrava do nome de certa cidade, mas acrescentava que ficava perto de determinada localidade, era assim que eu punha no papel. O que ele não sabia ou não se lembrava, eu não inventei, nem procurei completar.

O APELIDO DE “LAMPIÃO”

A HISTÓRIA de Lampião, por exemplo, transcrevi conforme Volta Seca disse que a ouviu do próprio Virgulino Ferreira. Não sabe qual a origem do apelido de Lampião, e assim ficou na narrativa. Preferi não recorrer a José Lins do Rego, que explicou o apelido de Lampião desta forma: “No fogo do tenente Levino, o rifle do menino Virgulino parecia um Lampião na noite escura. O bicho atirava que só metralhadora. Veio daí o apelido que por mais de dezesseis anos encheu os sertões de pavor.”

Com a devida licença, cremos que o grande José Lins fantasiou um pouco a origem do apelido. Mas o que ele disse já não é o mesmo que outros escritores disseram, e o que existe, afinal, é uma grande confusão em torno do assunto. Como casa um diz uma coisa e Volta-Seca tem também o direito de dizer, pois é a única testemunha dos acontecimentos ainda viva, vamos dar um pouco de crédito ao rapaz.

QUEM TEM CULPA?

NÃO concordamos com os que põem a culpa do cangaço exclusivamente no coronelismo, nos famosos senhores de engenho, como se desses indivíduos viesse todo o mal do banditismo dos sertões. A meu ver, não passaram os coronéis de simples efeito da verdadeira causa das desgraças daquela parte do País. Todo o mal dos sertanejos está na miséria que assolou e assola ainda aquela região. Num lugar onde ainda hoje, devido á seca, um pai troca uma filha por uma mula para poder alimentar o resto da família, tudo pode acontecer. Quê dizer de gente que atualmente vem comendo as mais extravagantes comidas, como jaca verde cozida? E, finalmente, quê pensar de um Governo que ainda atualmente permite que políticos inescrupulosos, diante de toda essa desgraça, manobrem as verbas votadas para auxiliar os flagelados em campanhas eleitorais? Naquela época ainda era pior, graças à política que também andava pior (será possível?) do que hoje. E para se saber o que era a lei então, basta ler a vida dos cangaceiros. Basta ler a do próprio Lampião, cujos pais foram assassinados por tropas estaduais que assim procederam em causa própria, em disputa de terras. Quem se dispuser a ler as crônicas e reportagens daquele tempo, saberá das atrocidades narradas pelos repórteres, dos crimes praticados por sargentos e soldados, e mesmo por oficiais.

O CANGAÇO É ANTIGO

Pôr culpa de tudo isso nos “coronéis” é um pouco de exagero. A culpada é a miséria, o abandono que o Governo inexplicavelmente sempre votou àquela região. Digo sempre, porque o cangaço é muito antigo, visto que o primeiro cangaceiro de que se tem notícia remonta ao fim do Século XVIII, era conhecido por Cabeleira. Depois dele, muitos vieram, mas sobre todos se destacou (já no Século XIX), Jesuíno Brilhante. Era um nunca acabar de bandidos, mas sobressaíam os protegidos pelos políticos. O que mais tempo durou como cangaceiro foi Antônio Silvino, que chegou a ganhar fama de bom bandido. Dizem mesmo que no fim da vida se converteu religioso e pregava o protestantismo. Silvino cumpria quase trinta anos de prisão e, se vivesse, estaria com mais de noventa anos.

O mais famoso de todos os cangaceiros, porém, foi Lampião. Tanto pela ferocidade, como pelos conhecimentos de tática de combate, pois centenas de vezes derrubou as tropas regulares, muitas delas com inferioridade de homens e atacado de surpresa. Lampião inscreveu seu nome na história do Nordeste da forma mais brutal que um ser humano seria capaz de fazê-lo. Tudo que se imaginar de cruel, Lampião seria capaz de executar. E, no entanto, por dar de quando em vez esmolas aos pobres, em certos lugares, a lenda o transformou em bom moço. Já li inúmeras histórias em verso de poetas nordestinos, dizendo que ele era o “grande protetor da pobreza”...

PASTO PARA A PSICANÁLISE

Não iremos mais além. O cangaço já não existe, felizmente, naquelas regiões, muito embora a miséria ainda perdure. Os que têm vocação para cangaceiro preferem emigrar para as capitais, onde abraçam a carreira do crime. Mas, nas memórias de Volta-Seca, uma coisa ficará para estudo. São os tipos que compunham o cangaço e um pouco de sua vida, para que se possa fazer uma ideia de como se tornavam bandidos. São histórias muito parecidas, mas que sempre diferem um pouco no que toca à formação moral de cada um. Veremos que naquele amontoado de criminosos, existiam os que não matavam padres, nem maltratavam crianças, nem mulheres. E existiam os que faziam tudo isso, eram ótimos maridos e não podiam ver um animal sofrer... Um psicanalista que leia esta narrativa deliciar-se-á com os “cabras” Lampião.

O DESTINO VAI ME EMPURRANDO

A Infância de Volta-Seca – Influência da Madrasta – O Menino Foge de Casa – De aldeia em Aldeia, Até o Arraial de Goloso – Em Contato Com
Dois “Cabras” de Lampião

A RAZÃO pela qual meu pai me pôs o nome de Antônio nunca me foi contada. Aliás, não sei por que me chamo Antônio, nem também porque meu apelido, no bando de Lampião, era Volta-Seca. O fato é que eu era o sexto de treze filhos. Meus irmãos, pela ordem de nascimento, se chamavam: Maria, Felismina, Laura, Otília, Fausta, José, Marcolino, João, Pedro, Francisca, Jovelina e Santa. Éramos uma família grande, coisa muito comum onde nasci, em Itabaiana, cidadezinha distante umas quinze léguas de Aracaju. Todos naquela localidade tinham família numerosa, sendo que o recordista do local era um vizinho nosso, seu Manuel Tenório, pai de 22 filhos, dos quais, vinte do sexo feminino e apenas dois homens.

Meu pai, que se chamava Manuel Antônio dos Santos, era proprietário de um pequeno sítio que dava para sustentar a família, muito embora nada sobrasse para amealhar. Ele negociava com o que o sítio produzia: algodão, cana, feijão, milho, banana e frutas. Minha mãe, que se chamava Arminda Maria dos Santos, era uma santa! Ajudava muito meu pai, além de cuidar com carinho de todos os filhos.

Nós nos sentimos felizes, vivendo bem à moda nordestina, e todos os anos, também à moda nordestina, aumentando de número... De todos, fui eu que mais trabalho dei para nascer. Vim ao mundo no dia 18 de março de 1918.

TEMPERAMENTO DORMENTE

POUCO lembro dos meus primeiros anos. Uma ou outra recordação passa desbotada, imprecisa, pela minha lembrança, muitas quase desconhecidas, tal a margem de anos que me separam delas. Mas sei de uma coisa: sempre fui um menino calado e que gostava de brincar sozinho. Jamais gostei de grupinhos, e isso me valeu a pecha de sonso. Era, porém, meu temperamento. Nunca fui brigão. Não me lembro de nenhuma briga com meus irmãos ou com meninos da vizinhança. E seria difícil que isso sucedesse, pois, solitário como sempre fui, não haveria jamais oportunidade. Mas por trás desse temperamento pacato, sempre fui genioso. É que não se apresentava o momento de me mostrar. Sem motivo ninguém se zanga, e eu vivia bem, feliz, não precisando lançar mão da violência. Só vim a dar pelo meu gênio quando já era crescido. Descobri essa faceta do meu temperamento aos nove anos de idade. Eu já era então bem desenvolvido, ainda que miúdo. Por esse tempo já auxiliava meu pai nos serviços leves do sítio. Aconteceu então um fato que até hoje me causa um nó na garganta, sempre que o recordo: minha mãe morreu! Eu gostava demais dela, e sua morte foi um choque muito violento. Mamãe foi-se com 36 anos de idade, deixando-me com nove apenas. Ela morreu cedo e me deixou cedo demais... Vivíamos muito bem e ela me compreendia como ninguém me compreendeu até hoje. Aliás, compreendia a nós todos, mas falo por mim. Ela adivinhava tudo que eu pensava e queria. A lembrança de seus carinhos ainda é a coisa mais pura que trago no coração. Pobre mãe... Não imaginava que seu Toninho, cuja cabeça com tanto carinho ela acariciava, ia ser arrastado pelo turbilhão do mundo e tornado pelo destino no famigerado “Volta-Seca”... Não, boa como ela era, não poderia jamais supor uma coisa assim. Mas tenho certeza de que ela, de onde está, pode ver o que foi a minha vida e saber que, de tudo que fiz, fui talvez o menos culpado. E vivesse ela mais uns dez anos, provavelmente eu não me teria tornado cangaceiro.

A GÊNESE DO ÓDIO

DESCOBRI o ódio em mim quando meu pai, após a morte de minha mãe (três meses apenas), pôs uma mulher em casa. Naquela época, sua decisão foi encarada por mim e por meus irmãos como a mais antipática possível, mas hoje em dia compreendo o desespero do velho ao ver treze crianças sem mãe. Minha madrasta chamava-se Maria e não era uma mulher feia. Podia dizer-se até que era bonita. Era de uma energia à toda prova e tinha consciência da sua função de madrasta. Logo se fez senhora absoluta da casa e vivia a manobrar meu pai, que não a contrariava em nada. Era violenta, e desde cedo começou abater nos meus irmãos, que aceitaram a nova vida. Eu, o mais calado de todos, não gostei... Eu não podia aceitar a ideia de ela bater em gente que não pôs no mundo. Com resmungos e atitudes ofensivas, eu ia demonstrando a minha reação, até que um dia, diante de minha resistência às suas ordens, ameaçou bater-me. Ameaçou, apenas! Mas foi o bastante, pois senti o que jamais havia sentido: ódio! Como não pude fazer nada, pois meu pai estava perto, limitei-me a olhá-la fixamente. Eu estava passando mal. Corria pela minha espinha um calafrio e os cabelos chegavam a arrepiar. Perdi o apetite e não consegui dormir direito. Passei a odiar minha madrasta, a que me ameaçou bater, coisa que minha mãe nunca fizera antes.

Num ambiente assim, com o sentimento novo que surgiu em mim, a coisa não poderia ir muito além. E não foi mesmo. Chegou ao máximo num dia em que ela bateu em Jovelina, a irmã que eu mais gostava. Ao vê-la espancando Jovelina, pus-me entre as duas e, espumando de raiva, falei-lhe: “Não bata mais nela. Se quiser bater, ponha gente no mundo. Não bata nos filhos dos outros”. Ela me olhou surpresa, mas como era disposta e sabia que era a dona da casa, respondeu-me: “Você apanha, quanto mais ela...” – “Por quê não tenta?” respondi em desafio, passando a mão num tamanco que estava no chão, próximo de mim. Ela não esperou mais e investiu furiosa. Mas foi investir e levar com o tamanco na cara! O choque deixou-a tonta e o sangue que jorrou de sua testa chamou-me à realidade. Ao vê-la sangrar, recobrei a razão e pensei logo nas consequências. Garoto, com apenas nove anos de idade, logo imaginei a reação que meu pai teria. Ele era um homem bom, mas, açulado por minha madrasta, virava fera. Foi quando decidi fugir e me dirigi para a casa de um tio, em Pinhão, seis léguas dali.

A FUGA

NA CASA de meu tio passei pouco tempo. Meu pai foi buscar-me e, apesar de meu tio tentar impedi-lo de levar-me, eu acabei regressando a casa. Tenho a impressão de que o velho preferia me ver longe da minha madrasta, pois o incidente deixara uma marca na testa dela, e marca na cara ninguém esquece facilmente, pelo menos enquanto houver espelhos... Mas levou-me de volta, e atendeu ao pedido de meu tio para não me espancar. Deu-me um sermão longo e exaltou as virtudes de minha madrasta, que ele insistia em me impingir como mãe. Quando me deixou em paz, pus-me a pensar e cheguei a dolorosa conclusão de que não continuaria em casa. Ir-me-ia para longe, pois não conseguiria mais afinar com a mulher de meu pai.

Assim pensei e assim fiz. Nem um mês se passou e, graças à carona de um caminhão, fui para Aracaju. Meu pai tentou encontrar-me, mas não foi feliz, pois a cidade não é um arraial. Mesmo porque não fiquei perambulando pelas ruas. Arranjei, no mesmo dia da chegada, um emprego na casa de uma senhora, D. Joana, doceira das melhores que já conheci. Meu trabalho consistia em vender, num tabuleiro, os doces que ela fazia, sendo meu ordenado de trinta mil réis mensais.

Vendi doces para D. Joana durante seis meses. Meu pai depressa se esqueceu de mim, pois não me procurou mais. E mais tempo eu ficaria vendendo doces, não fosse D. Joana ter o meu hábito de não pagar os empregados. Nunca tinha dinheiro trocado para me pagar.

- Dona Joana, dizia eu, preciso de dinheiro pra comprar roupa.

- Não tenho miúdo, meu “fio”, era a resposta da velha. Nunca tinha miúdos. Dos seis meses de trabalho, consegui receber dois apenas, e assim mesmo sabe Deus como. Não vendo futuro naquilo, resolvi mudar de pouso. Ia fugir novamente. Tracei um plano. Fugiria, mas levaria algum dinheiro do que D. Joana me devia. Como ela não pagaria de forma alguma, certo dia falei-lhe: “D. Joana, amanhã faça bastante doce. Faça doce de leite, de groselha, de ovos, muito, mesmo, porque vai chegar um trem da Bahia e eu vendo tudo. O trem vai a Propriá e volta”. O trem voltaria, eu é que não. D. Joana, diante disse, trabalhou aquela noite com uma rapidez nunca vista. Encheu o tabuleiro, que tinha dois andares, (...) fui falar com o Delegado, seu Josias, a fim de explicar o caso dos doces, pois sabia que D. Joana não tardaria a aparecer. O delegado ouviu tudo e disse que eu fizera bem, que não tivesse medo, e acabou me oferecendo um emprego na casa dele. O serviço constava de pôr barris com água no lombo de um burro, para consumo da casa. Serviço duro demais para um garoto de dez anos. Faltavam-me forças, e o delegado compreendeu. Assim mesmo fiquei na casa de seu Josias ajudando. Um ou dois meses depois chegou o Natal. A cidade estava em festa e eu passeava pela feira quando vi D. Joana em minha frente, juntamente com um soldado.

- “Sordado”, pode “prendê” esse “minino” aqui, ordenou ela.

- Quê fez o menino? – perguntou o soldado.

- “Me robou”.

- Você é mais ladrona que eu, respondi zangado.

Diante disso o soldado levou-nos à Delegacia, onde seu Josias, ao ver-nos entrar, logo compreendeu tudo. Fez-se, porém, de desentendido e ouviu a queixa de D. Joana, para, em seguida, dirigir-me a mim.

- Então? Quê me diz o “senhor” da queixa que esta senhora veio dar? O “senhor” era empregado dela e sem motivo algum “arribou” com o tabuleiro e os doces. Quê fim o senhor deu ao tabuleiro?

- Ora, seu Josias, perdido pela metade, perdido de vez, respondi. O tabuleiro eu joguei dentro da maré. O caso é que ela me devia dinheiro, não pagava... Quer dizer, na justa razão, eu ainda tenho prejuízo.

- Ele não teve paciência de esperar, falou D. Joana. Eu ia pagar tudo. É que... não tinha trocado na hora...

O delegado olhou-me sério e disse:

- Quanto apurou nos doces?

- Cem mil réis, respondi; mentindo, é claro.

- Quanto ela lhe devia?

- Cento e vinte mil réis.

O delegado olhou para D. Joana e falou:

- Dê ao menino os vinte mil réis que falta. Você é que é ladrona.

- Mas... e o meu tabuleiro? – reclamou d. Joana.

- Joguei no mar, deve estar boiando, respondi cinicamente.

A pobre mulher ainda quis protestar, mas vendo que seu Josias já estava decidido a fazê-la pagar-me, puxou vinte mil réis da bolsa e pôs na mesa, seu Josias então disse para ela:

- Pode puxar daqui que eu não quero vê-la mais!

Bom homem, seu Josias. Gostava de mim e eu muito dele, mas eu não queria ficar em São Cristóvão. Queria viajar, mudar de lugar, muito embora ele insistisse para que eu ficasse. Mas, tanto insisti, que ele me deu passagem para a cidade de Simão Dias.

OS “MENINOS” DE LAMPIÃO

NESSA cidade trabalhei num armarinho quase um ano. A loja era de propriedade de seu Adauto, boa criatura, que juntava o dinheiro. Quando resolvi, depois de um ano, deixar o lugar e internar-me no mato, seu Adauto deu-me seiscentos mil réis meus, fruto do meu trabalho, e mais trezentos mil réis de gratificação. Deixei Simão Dias e andei muito. Estava farto da vida de cidade e queria voltar para o mato. Andei tanto, que saí do estado de Sergipe e entrei na Bahia, precisamente a 25 léguas de Simão Dias, no arraial de Goloso.

Pouca gente sabe onde fica esse arraial, mas posso dizer que está localizado no interior da Bahia, a umas cinco léguas da cidade de Antas. Goloso estava reservado pelo destino para mim. Estava à minha espera para arruinar-me a vida. Quando cheguei, porém, não tive essa impressão. Pelo contrário, achei um lugar ótimo pra ficar. Gente boa, hospitaleira. Logo arranjei trabalho numa fazenda com uma família pequena, constituída de quatro pessoas. O dono era seu Danilo e a fazenda ficava afastada do arraial um quilômetro, mais ou menos. Tinha duas filhas, Lindaura, de dezoito anos e Rosália, de dezesseis. Foram as moças que me convidaram para ficar, no dia em que passei por lá e pedi água para beber. O pai aprovou a ideia e comecei no mesmo dia a trabalhar. Trabalhei bastante, fiz uma roça, plantei milho, feijão, abóbora, melancia. Seu Danilo e sua esposa gostaram muito de mim, e eu fui ficando com eles. Quase um ano se passou, até que um dia aconteceu o que eu nunca podia esperar.

Seu Danilo havia saído para o campo, e não voltaria senão dali a alguns dias. Eu disse a Rosália e Lindaura:

- Vamos à roça que preciso colher umas melancias para vender.

A roça ficava a uns duzentos metros da casa e eu e as moças fomos até lá. Enquanto eu apanhava as melancias, as moças ficaram um pouco distantes, em baixo de um pé de umbu. Elas cantavam, ainda me lembro bem. Eu, enquanto trabalhava, me afastava das meninas, mas de repente elas pararam de cantar e correram para o meu lado.

- Veja, Toninho! Disseram. 

Dois homens a cavalo aproximaram-se de nós. Pensei que era a força volante, famosa pelas tropelias que fazia nas fazendas. As moças quiseram fugir, mas eu lhes disse que nada adiantaria. Eu estava assustado.

Os dois homens estacaram os cavalos perto de nós e vi então que usavam chapéu de couro, roupa mescla, cinturões de balas cruzados, parabélum e fuzil. Ao ver-nos assustados, um deles disse:

- Não corre ninguém que aqui é o mininos de Lampião. Não tenham medo que não vamos fazer nada com vocês. Só queremos um animal pra viajar.

Longe de nos tranquilizar, a ideia de que Lampião estava no arraial mais nos assustou...

CONTINUA...

Fonte: facebook

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BANDITISMO NOS SERTÕES

Material do acervo do pesquisador Raul Meneleu Mascarenhas

Uma das primeiras referências a Lampião no jornal O Globo, veio com o artigo abaixo intitulado "O banditismo dos sertões" com uma fotografia dele e seu bando.


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NOITE DE AUTÓGRAFOS DE "UMA GARÇA NO ASFALTO", DE CLAUDER ARCANJO, EM NATAL-RN


Caros amigos e amigas:

Estarei nesta quinta-feira, dia 29 de janeiro de 2015, a partir das 19h, autografando o meu livro de crônicas Uma garça no asfalto (Letra Selvagem), em Natal-RN. O evento dar-se-á na Livraria Nobel, na Avenida Salgado Filho.

Espero contar com a presença de vocês.
Deste escrevinhador provinciano,
Clauder Arcanjo.

Enviado pelo escritor, professor, pesquisador do cangaço e presidente da SEBC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço Benedito Vasconcelos Mendes.

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O PRIMEIRO JORNAL DO CARIRI: O ARARIPE


Neste ano de 2015, faz 160 anos da primeira publicação do Jornal O Araripe, primeiro jornal produzido no Cariri cearense, cujo redator era um inteligente jovem chamado João Brígido dos Santos.

Nascido em São João da Barra, no atual estado do Rio de Janeiro, em 3 de dezembro de 1829, João Brígido, com apenas 27 anos de idade foi o principal idealizador do referido hebdomadário, cuja a primeira edição saiu no sábado do dia 7 de julho de 1855, confeccionado na Cidade do Crato, na Tipografia Monte & Companhia, sita à Rua da Matriz, sob as expensas de do Sr. José Montes Furtado.
         
Nesta edição o redator não deixa dúvida sobre a primogenitura do dito semanário na região do Cariri, ao arrematar que: “O nosso destincto amigo, o Sr. José do Monte Furtado vem de ministrar-nos um prello mandando vir a expensas suas, e hoje pela primeira vez após dusentos annos de existencia social o ameno Carirì lê um jornal impresso na Cidade do Crato, sua sede natural”. 
         
O Araripe, inicialmente, trazia como logomarca a imagem de um índio trajando uma saia de penas e um cocar sobre a cabeça, bem como um arco nas mãos. Em verdade, suas armas eram setas envenenadas, palavras tão doridas quanto uma flechada à queima roupa, nem sempre disparada pelo redator, mas por alguns habitantes da região que se digladiavam francamente por inúmeras páginas.
         
O conteúdo deste jornal era variado, passando por questiúnculas banais a temas de grande monta, como a criação da Província do Cariri. Também noticiou vastamente sobre a marcha da cólera-morbo que se dirigia paulatinamente ao Cariri e a esperança de tratá-la com suco de limão.
         
Outros temas curiosos também são abordados pelo O Araripe, como o conflito dos moradores pelas águas das nascentes, os prejuízos causados pela pecuária à agricultura, a fuga dos escravos, intrigas políticas, corrupção, etc.            
         
O Araripe, além de indicar uma produção intelectual intensa no interior do Ceará, também atesta a circulação de outros periódicos no meio interiorano, como o Correio Mercantil, o Correio da Tarde, O Cearense e outros, apontando relativa ilustração de uma parcela da população daqueles rincões.
         
O hebdomadário O Araripe teve 336 números, datando sua última publicação do dia 18 de fevereiro de 1865.
         
Por fim, aqueles que tiverem interesse de ler esta obra monumental, a coleção deste jornal pode ser vista na hemeroteca da Biblioteca Nacional, disponível no seguinte endereço: 
http://memoria.bn.br/hdb/uf.aspx

(Jornal Acontece, Região do Cariri - De 21 de janeiro a 31 de janeiro de 2015, Nº 54 - Ano 6 - Fundado por Antonio Rodrigues Peixoto, p. 06).

http://estoriasehistoria-heitor.blogspot.com.br/2015/01/o-primeiro-jornal-do-cariri-o-araripe.html


Fonte: facebook


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