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segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

"O PATRIARCA: CRISPIM PEREIRA DE ARAÚJO, IOIÔ MAROTO"

 

A obra traz um conteúdo bem fundamentado de Genealogia da família Pereira do Pajeú e parte da família Feitosa dos Inhamuns.

Mas vem também, recheado de informações de Cangaço, Coronelismo, História local dos municípios de Serra Talhada, São José do Belmonte, São Francisco, Bom Nome, entre outros) e a tão badalada rixa entre Pereira e Carvalho, no vale do Pajeú.

O livro tem 710 páginas.

Você irá adquiri-lo com o Professor Pereira através destes endereços:

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A MORTE DE ZEPELLIM | CNL | 774

 Por Robério Santos

https://www.youtube.com/watch?v=LZ6RSHt9EZM&ab_channel=OCanga%C3%A7onaLiteratura

LAMPIÃO NA MISSA https://youtu.be/76aGapiaXJU BATIZADO DE LAMPIÃO https://youtu.be/Q3LF8WMi4DA

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ZÉ RUFINO O MAIOR DOS COMANDANTES

 Por Raul Meneleu Mascarenhas

Alcino Alves Costa foi um dos grandes pesquisadores do cangaço e em seu livro "Mentiras e Mistérios de Angico" traz o seu reconhecimento desse bravo pernambucano que combateu o banditismo e através de raciocínios lógicos, nos faz ver que realmente esse grande soldado, combatente de cangaceiros, foi também um excelente estrategista, e exemplo de coragem e inteligência. 


Quando comecei a estudar e pesquisar sobre o cangaço, inicialmente via Zé Rufino com reservas, sua caçada ao cangaceiro Corisco, foi finalizada de uma forma que podemos enxergar como prepotente, pois Corisco estava rendido e sem condições de enfrentar a força da volante comandada por ele. Não me atenho aqui às acusações que fizeram contra ele, em estar em busca de uma pequena fortuna que achava, se encontrar com o cangaceiro. 

Mas sim, a forma em que abateu um homem sem forças, praticamente aleijado, e que não podia sustentar o peso de uma arma. Morreu Corisco por talvez não querer ser preso. Sua mulher, Dadá, mulher de coragem e guerreira, baleada veio a perder uma das pernas, mas que Zé Rufino em respeito não permitiu que seus homens fizessem com ela e com o marido morto, o que comumente faziam, cortar as cabeças.

Sei que alguns ainda odeiam a esse homem corajoso e guerreiro, por sua perseguição a Lampião. Mas devemos entender que os cangaceiros eram bandidos e tinham que ser caçados, presos ou mortos nos combates, pois a sociedade sertaneja já não suportava as investidas muitas vezes bárbaras de tais homens.

Aqui temos uma entrevista concedida pelo famosos Comandante de Volante Policial, Coronel Zé Rufino ao Jornalista Paulo Gil Soares em 1964.

Abaixo, temos então o comentário de Alcino Alves Costa, sobre o célebre José Osório de Farias, o lendário Zé Rufino, que pode ser considerado o maior do comandantes de volante, e perseguidor de cangaceiros.

Zé Rufino o maior dos comandantes 

Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará, Alagoas , Sergipe e Bahia foram os Estados brasileiros que guerrearam anos sem conta os grupos bandoleiros que infestaram todo o chão nordestino. Tropas e mais tropas vagaram pelos ermos das caatingas, na perseguição incessante, expostos e sujeitos a toda espécie de perigos que o rigor da campanha fatigante os fazia enfrentar. 

Luta sangrenta que via varar anos e mais anos, aumentando, cada vez mais, o sofrimento e agonia do homem do campo, assim como os responsáveis pela manutenção da ordem que padeciam sentindo o orgulho ferido, sem poderem nada realizar para impedir a crescente força, cada vez maior, das grandes estrelas do cangaço. Esses mantenedores da lei não possuíam condições e nem meios para exterminar o grande flagelo oriundo do banditismo. Lendários e famosos, respeitados e temidos, receberam de seus superiores a delicada incumbência de comandar forças militares que adentravam as caatingas com o nome temível e violento de "Volante do Governo". 

Homens que, como os maiores do cangaço, se tornaram lendas na odisseia cruenta da guerra cangaceira. Poderíamos citar nomes e mais nomes de bravos chefes de volantes, heróis de envergadura de Clementino José Furtado, alcunhado de "Quelé do Pajeú", que em outros tempos havia sido um famanado cangaceiro lá das bandas de Triunfo, para depois servir ao governo de Pernambuco, comandando uma volante famosa e extraordinária, apelidada de "Pente Fino". 

Ninguém esquece as façanhas dos dois nazarenos: Manoel de Sousa Neto, o falado Mané Neto e Odilon Flor. Ainda: Luís Mariano da Cruz, Teófanes Ferraz Torres, que se celebrizou por ter sido o autor da prisão do luminar Antônio Silvino, o grande Rifle de Ouro do Nordeste; João Bezerra da Silva, célebre matador de Lampião; o baiano Liberato de Carvalho, destemido comandante de forças daquele Estado; José Lucena de Albuquerque Maranhão, afamado chefe das torças alagoanas de repressão ao banditismo e cruel matador de José Ferreira da Silva, pai de Virgulino. 

Ainda David Jurubeba, Arsênio de Sousa, Optato Gueiros e tantos outros que pelejaram com os facinorosos dos sertões; uns realmente caçando bandidos e muitos outros se espalhando pela imensidão das caatingas, adentrando matas e cerrados, sem pensar em caçar cangaceiro, mas com o intento único de beneficiar-se da caótica situação reinante nos campos pisados pelos bandoleiros, em nome de uma lei que, indignamente, se arvoravam de representantes, espoliavam e maltratavam ao máximo o homem e a vida daquele inculto e desconhecido mundo. 

Pernambuco, meca dos volantes, paraíso das grandes vinditas, é o Estado natal daquele que pode ser considerado o maior do comandantes de volante, o célebre José Osório de Farias, o lendário Zé Rufino. Nascido a 20 de fevereiro de 1906, na cidade de São José de Belmonte, seus pais se chamavam Osório Gomes de Farias e Maria Rufino da Conceição, residentes na fazenda "Vai Querendo". Família egressa da terra bravia do Ceará, vitimada por velhas e perigosas pendengas com os Bezerras, gente forte que os obrigara a abandonar seu solo e procurar vida nova nas regiões sertanejas do grande Estado nordestino. 

Um misterioso "causo" dava conta que Zé Rufino e Lampião vinham do tronco de uma mesma árvore genealógica cearense, ambos, porém, nascidos no sertão pernambucano. Se verdade ou lenda, o que se sabe, com absoluta certeza, é que os dois notáveis caboclos possuíam elos dos mais íntimos. Como se sabe, suas famílias foram egressas do Ceará, sendo que Lampião tinha apenas o pai, filho daquele Estado, uma vez que sua mãe, dona Maria Vieira Lopes, era filha de Manoel Pedro Lopes e dona Maria Jacosa Vieira, todos filhos do Pajeú. 

Possuíam, também, uma aparência física verdadeiramente impressionante: eram iguais na cor, na estatura, no formato, nos modos, na valentia, além de uma inteligência fora dos padrões normais daquela gente. Ainda tocavam fole, faziam perneiras e gibão, sapatos e rolós; ambos extraordinariamente bons no coice do mosquetão. Segundo declarações do próprio Zé Rufino, a Paulo Gil Soares, em seu livro "Vida, Paixão e Morte de Corisco o Diabo Louro", 
página 52, depois de convidado por Lampião para engajar-se no cangaço, recusa. 

Tempos depois recebe uma mensagem do coronel João Novais, que o induz a seguir para o Estado da Bahia, justamente para perseguir e combater o famoso conterrâneo que se bandeara para os sertões sergipano e baiano. E lá se vai o rapaz de São João do Belmonte com mais três parentes para o Estado da Bahia, mais precisamente para a cidade de Jeremoabo, sede, naquele Estado, da campanha de repressão ao banditismo. Vem daí o começo da guerra particular e feroz travada entre os dois pernambucanos, numa medição de forças que durou longos anos, espetacular disputa onde caçado e caçador mostravam toda grandeza de suas proezas e bravuras. 

Em pouco tempo vemos Zé Rufino comandando uma volante, já então iniciado nos caminhos da fama. Usando sua rara inteligência, escolhe vinte homens para com ele trabalhar. Os escolhidos eram destemidos e valentes, portadores mesmo de uma coragem muito acima dos limites da normalidade e da imaginação humana, todos experientes mateiros que, sob o comando seguro e capaz do filho de seu Osório, escreveram páginas repletas de heroísmo e glórias, escritas pelo fogo ardente e mortal expelido pela boca negra de suas temidas armas.
Homens Que Atuaram Nesta Famosa Volante 

Levando-se em conta que nem todos começaram e terminam juntos toda a campanha, de uma forma geral, a maioria sempre esteve junta, formando no mesmo grupo, com apenas uma ou outra mudança que o passar dos anos exigia. Os grandes nomes da volante foram os seguintes: Além do notável comandante, haviam: dois cabos; Artur Figueiredo e Miguel Bezerra, também conhecido como Miguel de Contânça; Gervásio, que era o rastejador, aliás, um dos melhores; os soldados Leonídio, Besouro, Capão, João Doutor, Joao Severiano, Zé Serra Negra, Paulino de Belo (Paulo de Tavinha), Bentivi, Alípio, Zé Monteiro, Jovino Juazeiro, Ercílio Novais, João Fuisso, João Venâncio, Zé Firmino de Matos, Valdemar e João Redondo. 

Nessa volante trabalhou também Badu Feitosa que poderia ter sido um dos mais famosos, mas foi expulso da volante (ver capítulo sobre o mesmo) 

Zé Rufino e seus comandados eram aquartelados no então povoado Serra Negra, no Estado da Bahia, nas divisas com o Estado de Sergipe, berço do clã dos Carvalhos, descendência familiar completamente diversa dos lendários Carvalhos de Pernambuco, que sustentaram a tenebrosa guerra com os Pereiras comandados pelos famosos Padre Pereira, Luís Padre, Sinhô Pereira, Né Dadu e tantos outros bravos. 

Os Carvalhos de Serra Negra eram senhores de cutelo e baraço, e o tenente João Maria era o grande chefe do clã, do povoado e das redondezas. Nesse povoado, Zé Rufino fez o seu ponto de partida para as ferozes batalhas contra os grupos de bandoleiros que infestavam os sertões da Bahia e de Sergipe. 

Zé Rufino e seus homens foram um dos grandes pontos de referência que ajudavam a alimentar as rezas, as crendices e o misticismo da gente sertaneja. Toda a sertanejada achava e ainda acha que os componentes dessa volante viviam protegidos pelas mandingas e rezas fortes da negra velha da serra, famosa pelas suas orações e patuás, razão pela qual os dessa volante jamais saíam feridos dos combates. 

Contam-se verdadeiros milagres acontecidos durante perigosos tiroteios, quando somente uma proteção superior ajudava os valentes de Zé Rufino a se livrarem das mortíferas balas dos medonhos inimigos. O massacre dessa volante era o grande sonho, não só de Lampião, mas de toda cangaceirada. 

O que se sabe, dentro do critério da mais pura verdade, se pelas rezas e crendices, ou ainda por qualquer outro mistério, é que os membros daquela lendária volante, homens que destemidamente enfrentavam, na guerra medonha dos sertões, os valentões do cangaço, vivendo quase sempre expostos aos enormes perigos dos mortais recontros, milagrosamente, nenhum deles foi morto ou sequer baleado. 

Portanto, não se compreende qual a força ou o poder dessa volante que tanto brigou, tanto guerreou, tantos bandidos matou ou feriu, sem sofrer qualquer baixa. Que estranho poder envolvia e amparava Zé Rufino e os seus? Por que as balas inimigas não atingiam o comandante e nem os seus comandados? 

Este foi caso único em toda história da guerra cangaceira. Para o povo tudo não passava das rezas daquela negra protetora da volante ou, talvez, a mão divina auxiliando e guiando Os bravos componentes da volante. Mas é claro, se deve reconhecer, dentro de toda essa sorte ou proteção maior, via-se a apurada técnica e maestria do genial comandante, que sabia, como poucos, enfrentar os mais duros combates, usando perfeitas táticas e magistrais manobras. 

Zé Rufino quase sempre conduzia a sorte para o lado de sua volante. Ao contrário de tantos outros comandantes, Zé Rufino procurava sempre se esmerar e se fazer respeitar não só pelos bandoleiros, mas por todos que nos sertões viviam e, mais ainda, pelos seus subordinados e superiores. 

Zé Rufino é um daqueles que fazem parte da gloriosa dinastia dos bravos guerreiros da história sangrenta, daqueles que de um lado ou de outro se enfrentaram na guerra sertaneja. É um dos lendários titãs cujos bacamartes faziam todo o sertão apequenar debaixo de suas duras ameaças. 

As grandes estrelas da valentia nordestina foram: Alexandre da Silva Mourão, o famanado dos Mourões; José de Barros Melo, apelidado de Cascavel, uma das feras dos irmãos Meios; o inimigo capital dos Mourões, parente muito próximo do famoso André Vidal de Negreiros, que foi um dos baluartes da luta contra os holandeses, o famoso bailarino e tocador de viola, Vicente Lopes Vidal de Negreiros, lendariamente conhecido como Vicente da Caminhadeira. 

Bravos como ele foram: Simplício Pereira da Silva, um dos ferozes homens dos Pereiras, apelidado de "Peinha de Mão"; Né Dadu, que formou com seu irmão Sinhô Pereira, as maiores bandeiras dos Pereiras; Os destemidos e heroicos defensores dos Carvalhos, inimigos mortais dos Pereiras, João Lucas das Piranhas, Jacinto Alves de Carvalho, o Celebrado Cindário; José e Antônio, das Umburanas; Cirilo do Lagamar, Luís Nunes de Souza, o famanado Luís do Triângulo; João e Manoel Marcelino, que eram, respectivamente, os cangaceiros Vinte e Dois e Bom de Vera; José Bernardo, que é o José Piutá ou ainda Casa Velha; Jesuíno Brilhante, que na vida comum se chamava Jesuíno Alves de Melo Calado, um dos maiores e mais afamados cangaceiros de Afogados da Ingazeira; o grande Rifle de Ouro dos Sertões, António Silvino, sem se falar na maior e mais luminosa estrela, o grande rei, Virgulino Ferreira da Silva. 

Portanto, não seria exagero juntar-se a essa plêiade de titãs, homens como o próprio Zé Rufino, Miguel e Artur, os dois cabos de sua perigosa volante; Mané Véio ou Antônio Jacó — a fera de Santa Brígida, Os nazarenos Mané Neto e Odilon Flor, os baianos Besouro e Leonídio e tantos outros que formaram nesta constelação que iluminou o universo cruento das terríveis lutas, pendengas e batalhas, que estão escritas no livro rubro da história sertaneja. 

http://meneleu.blogspot.com/2016/02/ze-rufino-o-maior-dos-comandantes.html

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DUAS IMAGENS PROVÁVEIS DE PAE VELHO.

 Por Rubens Antonio

Em 1925


Adendo: 

O professor, escritor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio, nos diz que: O morto que tinha o apelido de Pae Velho e foi assassinado juntamente com o cangaceiro Mariano Laurindo Granja e Pavão, seria outro Pae Velho, apelido comum à época.

Um pouco sobre o cangaceiro Mariano:

Dr. ivanildo Alves da Silveira

O pesquisador e colecionador do cangaço Dr. Ivanildo Alves da Silveira nos diz que: o cangaceiro Mariano Laurindo Granja nasceu em 1898 em Afogados da Ingazeira (terra também do ex-cangaceiro Antonio Silvino), no Estado de Pernambuco. 

Mariano, Pai Velho e Pavão

Entrou para a “Empresa de Cangaceiros lampiônica & Cia" no ano de 1924. Foi um dos poucos que em Agosto de 1928 cruzou o Rio São Francisco em companhia do capitão Lampião em direção à Bahia. Esta fera faleceu no dia 10 de outubro de 1936, entre os municípios de Porto da Folha e Garuru, sendo esta região conhecida como Cangaleixo.

Informação ao leitor: A legenda desta foto não condiz com a verdade. O cangaceiro que foi morto com Mariano foi o Pavão e não o Zepelim. O Zepelim foi assassinado no dia 22 de abril de 1937, nas terras da Fazenda Arara, no município de Porto da Folha, no Estado de Sergipe. 

Tenente Zé Rufino

A Força Policial que o assassinou era da Bahia, e tinha como comandante o policial José Osório de Farias, o afamado Zé Rufino. Ele nasceu em São José do Belmonte, no Estado de Pernambuco, no dia 20 de Fevereiro de 1906, e faleceu na cidade de Jeremoabo, no dia 20 de Fevereiro de 1969). Era chamado também de "O Matador de Cangaceiros" por ter matado muitos deles.

http://cangaconabahia.blogspot.com/2018/02/duas-imagens-provaveis-de-pae-velho.html

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JÔ SOARES ENTREVISTA FREDERICO PERNAMBUCANO DE MELLO - PARTE 1

 Por Escrituras Editora

https://www.youtube.com/watch?v=8eZoRfK-Los

Entrevista do historiador Frederico Pernambucano de Mello, com Jô Soares, sobre o livro 'Estrelas de couro: a estética do cangaço' (Escrituras Editora).

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O CANGACEIRO PATURI

 

Este desenho é apenas uma ilustração. - https://br.pinterest.com/pin/395824254735138060/

"Alguns estudiosos do cangaço dizem que esse Paturi nunca existiu. Mas quem sabe, talvez no depoimento não quis revelar o seu nome verdadeiro. - José Mendes Pereira"

O autor deste trabalho, nomeado apenas por vigá­rio de Tacaratu de 1942 a 1945, percorrendo aquela região toda, de Itacuruba ao vale do Ipanema, das caatingas do Navio e Moxotó às ribeirinhas cidades de Piranhas, Pão de Açúcar, Traipu e Própria, dos vastos sertões baianos, a começar de Juazeiro, passando por Curaçá, Chorrochó, Jeremoabo e Glória, ao pequeno sertão sergipano — não encontrou outra opinião senão esta: — "Lampião morreu envenenado!"

Um testemunho de máxima importância no ato supremo da Tragédia de Angico.

Suficiente por si só, caso não bastasse os outros, que urdiram o texto deste capítulo, o mais intrincado e difícil de escrever, e os vinte e um argumentos anteriores em prol do envenenamento (Adendo II).

Os cangaceiros do coito sobreviventes, distantes do local onde tombaram as vítimas, na surpresa e confusão do momento, quase nada sabem dizer.

Conseguiu o autor anotar o depoimento, abaixo fielmente tras­ladado, mediante compromisso de não comprometer o declarante. Agora, trinta anos depois, com a prescrição legal, quase tudo pode ser revelado.

Do padre Magalhães, vigário de Jeremoabo, esta declaração pessoal ao autor: — "Posso afirmar ex-fide que Lampião morreu envenenado".

 Ex-fide, expressão jurídico-canônica ajuramentária, como se dissesse: "Juro diante de Deus", diferente do sentido jurídico-civil, que é apenas atestatório.

O mesmo pode dizer o autor a respeito do presente depoimento. As circunstâncias de ordem psicológica e sacramentai confe­rem ao depoimento valor incontestável, dir-se-ia absoluto, e in­validam o princípio jurídico do testis unius. Tão impressionante depoimento tornou-se o ponto de partida determinante do interesse das pesquisas do autor sobre Lampião.

O sono de Lampião

Lampião nunca dormia com o grupo. Desconfiado por natureza, ficava separado, sozinho. Um dos cabras de sua inteira confiança, muitas vezes escolhido na hora, chamado por ele de "sentinela-do-sono", lhe montava guarda. Perigos de fora e, pior ainda, de dentro havia, se se oferecesse fácil ocasião. Espreitavam-lhe a ambição de lhe tomar a chefia geral do cangaço, a glória de ser seu matador, o prêmio de... contos de réis oferecido por sua cabeça... Numa comunidade humana tudo pode acontecer. A vigilância teria de ser "eterna".

Aliás, o bando não dormia todo junto, não. Por ordem tática de Lampião, formavam-se grupos de dois ou três, espalhados, não longe uns dos outros. Assim, difícil o aniquilamento sob um ataque de surpresa. Em desde Maria Bonita, quando o can­gaço foi aberto às mulheres, essas normas se tornaram mais severas, principalmente quanto aos casais. Nenhuma promiscui­dade. A moral era rigorosíssima.

O começo 

Quando ele se apresentou era moço ainda, mas de cenho fechado no apardavasco da pele e com ar de espanto. No antes, porém, era "menino saído". De família humilde, mas honrada, vivendo dos roçados e de umas poucas de criações, além da vaquinha amojada com bezerrinho, e do cavalo de fazer feira. Os irmãos, antes e depois dele, não vingaram sequer um mês. Apenas lhe fazia par a irmãzinha, mais nova do que ele, então na adolescência. Um dia, desses que surgem repe­tindo a mesma história, um triste acontecido virou o juízo e a pacatez do moço. Na ocasião em que a menina se achava so­zinha em casa, veio, sorrateiro, um tarado soldado da polícia e boliu com ela, à força. Acobertado pela farda e pela justiça, nem um padrenosso teve de penitência, continuando nas suas funções e maldades. Pouco depois, o irmão vingava a honra da família, esfaqueando o miserável cujo nos braços de u'a mulher separada. Agora sim, a justiça enxergou e descobriu o crimi­noso — ele! E dos piores, porque matara uma "autoridade"! Caçado pela polícia, foi recebido por Lampião, que lhe trocou o nome por um de guerra — "PATURI", a fim de evitar persegui­ções à sua família e forjou-o cangaceiro de sua confiança.

O relato

Eis o seu depoimento, aliás, muito cru, tomado naqueles idos de 1942, quatro anos da morte de Lampião fazendo. Foram eliminadas repetições inúteis e difressões supérfluas. O linguajar, fonético e sintático, corrigido, deixa, entretanto, transparecer, raramente entre aspas, palavras e expressões conuns no sertão. Pausadamente e,  por vezes, angustiado assim falou:

"Naquela derradeira noite do Capitão, eu fui escolhido para sentinela-do-sono. Tarde da noite, o Capitão e Maria Bonita, que estavam nas melodias, assopraram o candeeiro para dormir. Noite fria, serenando, estiando, serenando, assim... Quando foi de madrugada, ainda escuro, Maria Bonita saiu da barraca, acendeu o fogo para ferver água na panela de barro. Botou dentro pó de café e pequenos tacos de rapadura. Logo o Capitão apareceu, de manga de camisa, escovando os dentes, de junto de uma pedra grande defronte da barraca. Alguns cangaceiros foram se achegando, sem armas, caneco na mão, para o café ali fumaçando. Devia começar primeiro pelo Capitão, era o chefe. Ele encheu o caneco e bebeu ligeiro, sem carne assada e farinha, sem nada, puro. Adespois os outros foram fazendo o mesmo. A gente tinha de viajar logo. 

A hora do café...

De repente, continua o depoente - o Capitão soltou o caneco no chão. Parece que sentiu gastura, porque passou a mão rodando pela barriga. Deu uns passos largos, sem prumo e caiu na rede ainda armada na barraca. Deitou só o corpo, as pernas caídas do lado de fora. Eu ajutorando Maria Bonita a juntar os troços, que a gente ia sair cedo, vi tudo. Ela se queixava de dor de cabeça e os beiços queimando. Dizia que foi adepois que 'exprementou' o café para ver se estava bom de doce, um tiquinho de nada mo­lhado e 'ponido' na palma da mão para lamber. Aí, eu avisei a Maria Bonita. Ela, deixando a bacia, correu para ver. Eu corri também. Chegou logo Luís Pedro e Vila Nova. Num instante, o Capitão virou a bola do olho para riba, ficando só o branco, e abriu a boca. Uma gosma suja, com escuma, saía escorrendo do canto da boca. Luís Pedro olhou o pulso e o coração e disse: — 'Tá morto!' Chorando, ele tapou com as mãos os olhos do Capitão e apanhou o chapéu dele. Aí eu disse: — 'É veneno!' Maria Bonita, aperriada, sacudiu a cabeça dele e os ombros. E ele sem ação, morto de mesmo. Tive, na hora, o maior des­gosto de minha vida, os olhos chorando. Maria Bonita, coitadinha!, toda agitada e desesperada, gritou: — 'Virgulino morreu!' Eu gritei repetido: — 'O Capitão morreu! O Capitão morreu!'

"É aí que a história bate com Lampião Além da Versão - Mentiras e Mistérios de Angico, do escritor Alcindo Alves da Costa, que insiste em dizer que lá na Grota de Angico, o ataque aos bandidos foi totalmente diferente".

Mergulhão, que estava deitado no pé da caraibeira, levantou-se todo espantado e perguntou alto: — 'O Capitão morreu?' Aí eu vi logo cangaceiros cair ali, de todo jeito, para frente, para trás, para os lados, de dejunto da panela de café. Maginei comigo mesmo:    — 'O veneno era forte que era danado!'

Eu acho que algum macaco da volante emboscada, com os gritos e os mexidos no coito, passou fogo em Amoroso. Ele tinha ido ver água talvez para o Capitão banhar o rosto. E quaje igual, outro tiro, que pegou Mergulhão. Atrás veio logo uma trovoada de bala! Aquele despotismo que nem deu tempo mais de pensar! Aí era o causo de se salve quem puder, como diz o outro. Assim de surpresa, bala para todo lado e naquele cafus, como era que a gente podia tomar posição e brigar? Aí me so­quei dentro de um buraco comprido e baixo, que eu sabia.

Ficava no pé do morro, 'próchimo' da gruta e atrás da barraca do Capitão. O buraco só dava para caber o corpo pragatado, a barriga no chão, sem poder se virar mais, muito apertado. Na frente tinha moita de mato tapando. Fiquei aí, os braços inco­modados, não tinha posição para botar eles. Mesmo querendo, eu não podia sair dali. Do lado de fora era bala por todo canto zinindo. Adespois, as pernas ficaram 'drumentes', moles, bambas só mulambo. Fiquei sem mexer. Mexia só os olhos e o baticum do coração. O resto estava morto. Vi a hora das balas me pegarem. Deixa que chegaram a açoi­tar a moita. Foi Deus e a Santíssima Virgem que me livraram. Dali de bem de riba, eu fiquei pombeando tudo pela brecha que fiz na moita. O horror era grande! As balas vinham de magote. Foi torada de bala a rede do Capitão, que caiu com todo o peso no chão. O pano da coberta da barraca avoou, ficando só as varas.

Vi Mergulhão cair. Adespois foi Maria Bonita caindo, as mãos cheias de sangue apertando a barriga. Luís Pedro deu uns tiros, mais arriou logo. Vila Nova correu. Não deu tempo de ninguém brigar. Não teve 'loita', não. Possa ser que mais algum cabra de lá de riba do riacho desse besteira de tiro, sem palpite, à-toa. A gente e o riacho todinho se acabando na bala. Não posso dizer nem o que foi. Era a confusão do inferno! Mas, não de­morou muito tempo, não. Foi ligeiro, ligeiro... coisa de meia hora.

Os macacos, qui nem urubus, deram em riba dos cangaceiros caídos, atrás do saqueio de dinheiro, ouros, jóias, outras coisas mais. Não tinham paciência de tirar os anéis dos dedos, corta­vam logo os dedos.

Sentado numa pedra, o comandante deu a ordem: — 'Cortem as cabeças dos cangaceiros!' Aí foi um alvoroço, todo o mundo gritando: — 'Cortar as cabeças!... Cortar as cabeças!...' Não sei como não morri vendo aquele horror! Parecia um bando de bicho do mato, de feras selvagens, dando gargalhadas e chaman­do toda nação de nome feio. Levantavam as cabeças dos mor­tos, segurando pelos cabelos, botavam o pescoço escanchado numa pedra — ficava uma coisa feia: a boca escancarada, os olhos arregalados! — e metiam o facão. Um macaco furando, furando, de pedacinho, com a ponta da faca no redor do pes­coço de um cabra até separar do corpo. Outro rolou o facão no pescoço e, quando puxou a cabeça, saiu a guela de dentro do corpo. Foi u'a mangação danada! Nenhuma cabeça era cor­tada de uma só vez. Davam mais de um golpe.

Vi uma coisa horrível, que nunca um cangaceiro fez e só bicho faz: os ma­cacos lamberem o sangue da folha do facão melado! A cabeça cortada era levantada pelo cabelo e mostrada, todos dando risa­da de gosto, mangando e dizendo nomes feios. Tinha cangaceiro meio vivo, mexendo os olhos e falando. Cortaram assim mesmo a cabeça deles com vida! A sangreira era medonha! Tudo mela­do: macaco, facão, pedra, chão, água, roupa, 'tudim'. Eu vi tudo, já era dia claro, de dia. Naquele meio, veio a ordem do coman­dante para acabar depressa. Ele estava sentado numa pedra, o pé amarrado, e muito zangado, acho que era de dor.

Eu tive dó quando um macaco levantou a cabeça de Maria Bonita, dependurada pelos cabelos compridos. O outro macaco, que tinha o facão na mão, perguntou meio espantado: — 'Inda tá viva, bandida? Cadê o dinheiro?' Ela respondeu bem fraquinho: — 'Não tenho, não'. — 'Então, lá vai...' E cortou o pescoço dela com duas 'facãozadas'. O corpo ficou batendo no chão como de galinha sangrada, e as pernas se descobrindo. Aí eles arregaçaram a saia dela para espiar o resto e começaram a bolir com as mãos, dizendo lérias. Tive tanta raiva que veio vontade de sair e avançar naqueles dois sujeitos safados, desculpe a má palavra.

Chegou a vez do Capitão. Um macaco conheceu e disse: — 'É o peste do cego!' Danou uma coronhada de fuzil na cabeça e foi avisar o comandante. O outro ficou cortando o pescoço do Capitão em riba de uma pedra. Quando acabou, a cabeça escor­regou e rolou pela ladeira da pedra até o chão. Ele pegou ela e levou para mostrar ao comandante, que ficou cercado de ma­caco examinando e falando.

Tudo acabado, botaram as cabeças em três sacos, as bocas amarradas num pau. Sim, botaram, também, um corpo com ca­beça dentro de uma rede dependurada noutro pau. Tudo mode ser carregado, nos ombros de dois. Adespois os macacos foram se lavar nas poças mais de riba, de água limpa. Começaram a ir embora. O comandante numa cadeirinha feita dos braços de dois macacos. Levaram todo o saque. Foram su­bindo, um atrás do outro, feito formiga, pelo caminho do alto das Perdidas.

Fiquei ali deitado o dia todo. A cabeça zoava todinha, o corpo doía, quinem tinha apanhado uma pisa de cacete. Faltei cora­gem para sair dali. Eu via macaco pulando até pelos galhos mais altos dos pés-de-pau. Não tinha fome, não. Mas a sede era de matar, aperriando. 

Senti uma agonia doida. Mas, esperei, esperei... O silêncio muito grande. Os passarinhos assustados não voltaram mais. Fechava os olhos e enterrava a cara no chão com medo de ver as almas daqueles defuntos aparecerem sem cabeça. Fiquei tão assombrado que sentia algumas vezes o gume do facão passar no meu pescoço. Rezei tanto a Nossa Senhora do Desterro que cheguei a suar de pingar.

Tardinha, fui saindo com medo de assombração e de tudo. Caminhava de quatro pés, não podia ficar de pé causo das per­nas feito molambo e tremendo. Eu queria ficar fora da vista daquele açougue de carne de cristão. Subindo o riacho cheguei no dependo do alto, os joelhos esfolados. Me aprumei, fui an­dando, assim cambaleando, areado, até poder sair correndo, ligeiro ou devagar, a noite inteirinha, até chegar na casa de meus pais. Tava mais morto do que vivo. 

Passei aquele dia dei­tado tomando tudo o que era de meizinha que minha mãe pre­parava e me dava. Comida de panela comi bem pouquinho. De noite, já no outro dia, meu pai me levou para casa de um tio meu, viúvo, que morava sozinho, lugar mais seguro, um esqui­sito. Estou lá este tempo todim, fazendo planta, dando limpa, xaxando terra nos pés, colhendo legume e capucho de algodão. Também no cuido das criações. Sem sair pra nenhum lugar. Somente agora saí praqui causo minha mãe mandou pedir per­dão a Deus. Adespois desta conversa eu quero que seu vigário escute meus pecados na confissão e me comungue na missa".

O fim

Satisfazendo a curiosidade do leitor: Esse moço, que escapara da morte para contar a história, logo depois, feito embarcadiço de um vapor do rio São Fran­cisco, rumou para o Sul, sem documentos, de nome novamente trocado, para começar nova vida.

"Angico, escrito pelo escritor: 

Paulo Medeiros Gastão, também tem a sua opinião, não concordando com que contara alguns depoentes".

Clique no link e leia o que escreveu Paulo Gastão. Se ele não funcionar, leve-o ao google.

 http://cariricangaco.blogspot.com/2011/03/angico-por-paulo-gastao.html#:~:text=N%C3%A3o%20sou%20o%20dono%20da,%C3%A9%20outra%2C%20n%C3%A3o%20se%20iluda.

Maiores informações, o leitor poderá acessar este endereço:


BRUTAL LAMPIÃO – DESPIDO DO MITO, CANGACEIRO ESTAVA MAIS PARA NARCOTRAFICANTE DO RIO QUE PARA ROBIN HOOD

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 Em seu aparato de guerra | Crédito: Reprodução – Fonte – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwJ3ojyvXP

AUTOR – Lira Neto

FONTE – http://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/reportagem/brutal-lampiao.phtml#.WWwIlYjyvXP

Eles faziam do assassinato um ritual macabro. O longo punhal, de até 80 centímetros de comprimento, era enfiado com um golpe certeiro na base da clavícula – a popular “saboneteira” – da vítima. A lâmina pontiaguda cortava a carne, seccionava artérias, perfurava o pulmão, trespassava o coração e, ao ser retirada, produzia um esguicho espetaculoso de sangue. Era um policial ou um delator a menos na caatinga – e um morto a mais na contabilidade do cangaço. Quando não matavam, faziam questão de ferir, de mutilar, de deixar cicatrizes visíveis, para que as marcas da violência servissem de exemplo. Desenhavam a faca feridas profundas em forma de cruz na testa de homens, desfiguravam o rosto de mulheres com ferro quente de marcar o gado.

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Lampião, o segundo que está sentado da esquerda para direita, nos primeiros tempos do cangaço – Fonte – http://www.1000dias.com

Quase 80 anos após a morte do principal líder do cangaço, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, a aura de heroísmo que durante algum tempo tentou-se atribuir aos cangaceiros cede terreno para uma interpretação menos idealizada do fenômeno. Uma série de livros, teses e dissertações acadêmicas lançados nos últimos anos defende que não faz sentido cultuar o mito de um Lampião idealista, um revolucionário primitivo, insurgente contra a opressão do latifúndio e a injustiça do sertão nordestino. Virgulino não seria um justiceiro romântico, um Robin Hood da caatinga, mas um criminoso cruel e sanguinário, aliado de coronéis e grandes proprietários de terra. Historiadores, antropólogos e cientistas sociais contemporâneos chegam à conclusão nada confortável para a memória do cangaço: no Brasil rural da primeira metade do século 20, a ação de bandos como o de Lampião desempenhou um papel equivalente ao dos traficantes de drogas que hoje sequestram, matam e corrompem nas grandes metrópoles do país. Guardadas as devidas proporções, o cangaço foi algo como o PCC dos anos 1930. 

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Outro grande chefe cangaceiro foi Corisco, o primeiro a esquerda, tendo ao seu lado a companheira Dadá e integrantes do seu grupo – Fonte – Coleção do autor

Cangaceiros e traficantes

Foram os cangaceiros que introduziram o sequestro em larga escala no Brasil. Faziam reféns em troca de dinheiro para financiar novos crimes. Caso não recebessem o resgate, torturavam e matavam as vítimas, a tiro ou punhaladas. A extorsão era outra fonte de renda. Mandavam cartas, nas quais exigiam quantias astronômicas para não invadir cidades, atear fogo em casas e derramar sangue inocente. Ofereciam salvo-condutos, com os quais garantiam proteção a quem lhes desse abrigo e cobertura, os chamados coiteiros. Sempre foram implacáveis com quem atravessava seu caminho: estupravam, castravam, aterrorizavam. Corrompiam oficiais militares e autoridades civis, de quem recebiam armas e munição. Um arsenal bélico sempre mais moderno e com maior poder de fogo que aquele utilizado pelas tropas que os combatiam.

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“A violência é mais perversa e explícita onde está o maior contingente de população pobre e excluída. Antes o banditismo se dava no campo; hoje o crime organizado é mais evidente na periferia dos centros urbanos”, afirma a antropóloga Luitgarde Oliveira Cavalcanti Barros, professora da Universidade do Estado do Rio de Janeiro e autora do livro A Derradeira Gesta: Lampião e Nazarenos Guerreando no Sertão. A professora aponta semelhanças entre os métodos dos cangaceiros e dos traficantes: “A maioria dos moradores das favelas de hoje não é composta por marginais. No sertão, os cangaceiros também eram minoria. Mas, nos dois casos, a população honesta e trabalhadora se vê submetida ao regime de terror imposto pelos bandidos, que ditam as regras e vivem à custa do medo coletivo”.

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Lampião – Fonte – http://www.itribuna.com.br

Além do medo, os cangaceiros exerciam fascínio entre os sertanejos. Entrar para o cangaço representava, para um jovem da caatinga, ascensão social. Significava o ingresso em uma comunidade de homens que se gabavam de sua audácia e coragem, indivíduos que trocavam a modorra da vida camponesa por um cotidiano repleto de aventuras e perigos. Era uma via de acesso ao dinheiro rápido e sujo de sangue, conquistado a ferro e a fogo. “São evidentes as correlações de procedimentos entre cangaceiros de ontem e traficantes de hoje. A rigor, são velhos professores e modernos discípulos”, afirma o pesquisador do tema Melquíades Pinto Paiva, autor de Ecologia do Cangaço e membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Homem e lenda

Virgulino Ferreira da Silva reinou na caatinga entre 1920 e 1938. A origem do cangaço, porém, perde-se no tempo. Muito antes dele, desde o século 18, já existiam bandos armados agindo no sertão, particularmente na área onde vingou o ciclo do gado no Nordeste, território onde campeava a violência, a lei dos coronéis, a miséria e a seca. A palavra cangaço, segundo a maioria dos autores, derivou de “canga”, peça de madeira colocada sobre o pescoço dos bois de carga. Assim como o gado, os bandoleiros carregavam os pertences nos ombros.

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Um dos precursores do cangaço foi o lendário José Gomes, o endiabrado Cabeleira, que aterrorizou as terras pernambucanas por volta de 1775. Outro que marcou época foi o potiguar Jesuíno Alves de Melo Calado, o Jesuíno Brilhante (1844-1879), famoso por distribuir entre os pobres os alimentos que saqueava dos comboios do governo. Mas o primeiro a merecer o título de Rei do Cangaço, pela ousadia de suas ações, foi o pernambucano Antônio Silvino (1875-1944), o Rifle de Ouro. Entre suas façanhas, arrancou os trilhos, perseguiu engenheiros e sequestrou funcionários da Great Western, empresa inglesa que construía ferrovias no interior da Paraíba.  

Bonnie e Clyde do sertão

O amor de Maria Bonita e Lampião provocou uma revolução no cotidiano dos cangaceiros

 

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Uma sertaneja amoleceu o coração de pedra do Rei do Cangaço. Foi Maria Gomes de Oliveira, a Maria Déa, também conhecida como Maria Bonita. Separada do antigo marido, o sapateiro José Miguel da Silva, o Zé de Neném, foi a primeira mulher a entrar no cangaço. Antes dela, outros bandoleiros chegaram a ter mulher e filhos, mas nenhuma esposa até então havia ousado seguir o companheiro na vida errante no meio da caatinga.

O primeiro encontro entre os dois foi em 1929, em Malhada de Caiçara (BA), na casa dos pais de Maria, então com 17 anos e sobrinha de um coiteiro de Virgulino. No ano seguinte, a moça largou a família e aderiu ao cangaço, para viver ao lado do homem amado. Quando soube da notícia, o velho mestre de Lampião, Sinhô Pereira, estranhou. Ele nunca permitira a presença de mulheres no bando. Imaginava que elas só trariam a discórdia e o ciúme entre seus “cabras”. Mas, depois da chegada de Maria Déa, em 1930, muitos outros cangaceiros seguiram o exemplo do chefe. Mulher cangaceira não cozinhava, não lavava roupa e, como ninguém no cangaço possuía casa, também não tinha outras obrigações domésticas. No acampamento, cozinhar e lavar era tarefa reservada aos homens.

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Lampião e Maria Bonita – Fonte – blogdomendesemendes.blogspot.com

Elas também só faziam amor, não faziam a guerra: à exceção de Sila, mulher do cangaceiro Zé Sereno, não participavam dos combates – e com Maria Bonita não foi diferente. O papel que lhes cabia era o de fazer companhia a seus homens. Os filhos que iam nascendo eram entregues para ser criados por coiteiros. Lampião e Maria tiveram uma filha, Expedita, nascida em 1932. Dois anos antes, aquele que seria o primogênito do casal nascera morto, em 1930.

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Cangaceiros – Fonte –  http://www.grupoimagem.org.br

Entre os casais, a infidelidade era punida dentro da noção de honra da caatinga: o cangaceiro Zé Baiano matou a mulher, Lídia, a golpes de cacete, quando descobriu que ela o traíra com o colega Bem-Te-Vi. Outro companheiro de bando, Moita Brava, pegou a companheira Lili em amores com o cabra Pó Corante. Assassinou-a com seis tiros à queima-roupa. A chegada das mulheres coincidiu com o período de decadência do cangaço.

Desde que passou a ter Maria Bonita a seu lado, Lampião alterou a vida de eterno nômade por momentos cada vez mais alongados de repouso, especialmente em Sergipe. A influência de Maria Déa sobre o cangaceiro era visível. “Lampião mostrava-se bem mudado. Sua agressividade se diluía nos braços de Maria Déa”, afirma o pesquisador Pernambucano de Mello. Foi em um desses momentos de pausa e idílio no sertão sergipano que o Rei do Cangaço acabou sendo surpreendido e morto, na Grota do Angico, em 1938, depois da batalha contra as tropas do tenente José Bezerra. Conta-se que, quando lhe deceparam a cabeça, a mais célebre de todas as cangaceiras estava ferida, mas ainda viva.

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Fonte – nosrevista.com.br

Lampião sempre afirmou que entrou na vida de bandido para vingar o assassinato do pai. José Ferreira, condutor de animais de carga e pequeno fazendeiro em Serra Talhada (PE), foi morto em 1920 pelo sargento de polícia José Lucena, após uma série de hostilidades entre a família Ferreira e o vizinho José Saturnino. No sertão daquele tempo, a vingança e a honra ofendida caminhavam lado a lado. Fazer justiça com as próprias mãos era considerado legítimo e a ausência de vingança era entendida como sintoma de frouxidão moral. “Na minha terra,/ o cangaceiro é leal e valente:/ jura que vai matar e mata”, diz o poema “Terra Bárbara”, do cearense Jáder de Carvalho (1901-1985).

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No mesmo ano de 1920, Virgulino Ferreira entrou para o grupo de outro cangaceiro célebre, Sebastião Pereira e Silva, o Sinhô Pereira – segundo alguns autores, quem o apelidou de Lampião. Como tudo na biografia do pernambucano, é controverso o motivo do codinome. Há quem diga que o batismo se deveu ao fato de ele manejar o rifle com tanta rapidez e destreza que os tiros sucessivos iluminavam a noite. O olho direito, cego por decorrência de um glaucoma, agravado por um acidente com um espinho da caatinga, não lhe prejudicou a pontaria. Outros acreditam na versão atribuída a Sinhô Pereira, segundo a qual Virgulino teria usado o clarão de um disparo para encontrar um cigarro que um colega havia deixado cair no chão.

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Sinhô Pereira (sentado) e Luiz Padre – Fonte – http://blogdomendesemendes.blogspot.com.br/2012/08/sinho-pereira-o-comandante-de-lampiao.html

O cangaço não tinha um líder de destaque desde 1914, quando Antônio Silvino foi preso após um combate com a polícia. Só a partir de 1922, após assumir o bando de Sinhô Pereira, Virgulino se tornaria o líder máximo dos cangaceiros. Exímio estrategista, Lampião distinguiu-se pela valentia nas pelejas com a polícia, como em 1927, em Riacho de Sangue, durante um embate com os homens liderados pelo major cearense Moisés Figueiredo. Os 50 homens de Lampião foram cercados por 400 policiais. O tiroteio corria solto e a vitória da polícia era iminente. Lampião ordenou o cessar-fogo e o silêncio sepulcral de seu bando. A polícia caiu na armadilha. Avançou e, ao chegar perto, foi recebida com fogo cerrado. Surpreendidos, os soldados bateram em retirada.

1- Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião

A capacidade de despistar os perseguidores lhe valeu a fama de possuir poderes sobrenaturais e, após escapar de inúmeras emboscadas, de ter o corpo fechado. No mesmo mês da tocaia de Riacho de Sangue, Lampião e seu bando caíram em nova emboscada. Um traidor ofereceu-lhes um jantar envenenado, numa casa cercada por policiais. Quando os primeiros cangaceiros começaram a passar mal, Virgulino se deu conta da tramóia e tentou fugir, mas viu-se acuado por um incêndio proposital na mata. O que era para ser uma arapuca terminou por salvar a pele dos cangaceiros: desapareceram na fumaça, como por encanto.

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Alegria dos cangaceiros para a câmera

Mas o maior trunfo de Lampião foi o de cultivar uma grande rede de coiteiros. Isso garantiu a longevidade de sua carreira e a extensão de seu domínio. A atuação de seu bando estendeu-se por Alagoas, Ceará, Bahia, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. Lampião chegou a comandar um exército nômade de mais de 100 homens, quase sempre distribuídos em subgrupos, o que dava mobilidade e dificultava a ação da polícia. Em 1926, em tom de desafio e zombaria, chegou a enviar uma carta ao governador de Pernambuco, Júlio de Melo, propondo a divisão do estado em duas partes. Júlio de Melo que se contentasse com uma. Lampião, autoproclamado “Governador do Sertão”, mandaria na outra.

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Lampião – Fonte – lounge.obviousmag.org

Há divergências – e discussões apaixonadas – em torno da figura histórica de Virgulino. Ele comandava sessões de estupro coletivo ou, ao contrário, punia indivíduos do bando que violentavam mulheres? Castrava inimigos, como faziam outros tantos envolvidos no cangaço? Há controvérsias. “Lampião não era um demônio nem um herói. Era um cangaceiro. Muitas das crueldades imputadas a ele foram praticadas por indivíduos de outros bandos. Entrevistei vários ex-cangaceiros e nenhum me confirmou histórias a respeito de estupros e castrações executadas pessoalmente por Lampião”, diz o pesquisador Amaury Corrêa de Araújo, autor de sete livros sobre o cangaço. 

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As narrativas de velhos cangaceiros contrapõem-se à versão publicada pelos jornais da época, que geralmente tinham a polícia como principal fonte. Com tantas histórias e estórias a cercar a figura de Lampião, torna-se difícil separar o homem da lenda. “Acho que está justamente aí, nessa multiplicidade de olhares e versões, a grande força do personagem que ele foi. É isso que nos ajuda inclusive a entender sua dimensão como mito”, explica a historiadora francesa Élise Grunspan-Jasmin, autora de Lampião: Senhor do Sertão (Edusp).

Bandido social?

Já foi moeda corrente entre os especialistas interpretar o “Rei do Cangaço” como um “bandido social”, expressão criada pelo historiador inglês Eric Hobsbawm para definir os fora-da-lei que surgiam nas sociedades agrárias em transição para o capitalismo.Em Bandidos (Forense Universitário), de 1975, Hobsbawn cita Lampião, Robin Hood e Jesse James como exemplos de nobres salteadores, vingadores ousados, defensores dos oprimidos.

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Marcas do cangaço – Cabeças cortadas e uma estética própria nos equipamentos – Na foto vemos as cabeças dos cangaceiros Mariano, Pai Véio e Zeppelin, mortos em 25 de outubro de 1936, na fazenda Cangalexo, Porto da Folha, Sergipe.

A imagem revolucionária começou a se desenhar em 1935, quando a Aliança Nacional Libertadora citou Virgulino como um de seus inspiradores políticos. A tese foi reforçada em 1963 com o lançamento de um clássico sobre o tema, Cangaceiros e Fanáticos, no qual o autor, Rui Facó, justifica a violência física do cangaço como uma resposta à violência social. Na mesma época, o deputado federal Francisco Julião, representante das Ligas Camponesas e militante político pela reforma agrária, declarava que Lampião era “o primeiro homem do Nordeste a batalhar contra o latifúndio e a arbitrariedade”.

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O responsável pelo blog TOK DE HISTÓRIA junto a Frederico Pernambucano de Mello.

“Lampião não era um revolucionário. Sua vontade não era agir sobre o mundo para lhe impor mais justiça, mas usar o mundo em seu proveito”, afirma a também a historiadora Grunspan-Jasmin, fazendo coro a um dos maiores especialistas do cangaço da atualidade, Frederico Pernambucano de Mello. Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco e autor de Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro, Mello diz que o cangaceiro e o coronel não eram rivais. Os coronéis ofereciam armas e proteção aos cangaceiros, que, em troca, forneciam serviço de milícia. Dois dos maiores coiteiros de Lampião foram homens poderosos: o coronel baiano Petronilo de Alcântara Reis e o capitão do Exército Eronildes de Carvalho, que viria a ser governador de Alagoas. “Aprecio de preferência as classes conservadoras: agricultores, fazendeiros, comerciantes”, disse Virgulino em uma entrevista de 1926.

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Marqueteiro da caatinga

A ideia de que Lampião fosse um vingador também é contestada por Mello. Ele argumenta que, em quase 20 anos de cangaço, Lampião nunca teria se esforçado para se vingar de Lucena e Saturnino, o policial e o antigo vizinho responsáveis pelo assassinato de seu pai. De acordo com um dos homens de Virgulino, Miguel Feitosa, o Medalha, Saturnino chegara a mandar um uniforme e um corte de tecido com o objetivo de selar a paz entre eles. Um portador teria agradecido por Lampião. O mesmo Medalha dizia que o ex-soldado Pedro Barbosa da Cruz propôs matar Lucena por dinheiro. “Deixe disso, essas são questões velhas”, teria respondido Lampião. Segundo o autor de Guerreiros do Sol, os cangaceiros usavam o discurso de vinganças pessoais e gestos de caridade como “escudos éticos” para os atos de banditismo.

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Exposição macabra de cangaceiros do bando de Lampião que foram mortos por civis liderados por Antonio Manuel Filho, o Tenente Antonio de Amélia, que cumpriu a promessa de vingar a morte de um amigo.Em pé amarrados a troncos de madeira estão os corpos dos quatro cangaceiros: Suspeita, Limoeiro, Fortaleza, Medalha e no caixão abaixo o corpo de Félix Alves, um civil que morreu durante o combate – Fonte – http://beradeirocurioso.blogspot.com.br/2014/08/10-fotos-marcantes-e-as-historias-por_24.html

Apesar da vida árdua, quem entrava no cangaço dificilmente conseguia (ou queria) sair dele. Havia um notório orgulho de pertencer aos bandos, revelado também na indumentária dos cangaceiros. O excesso de adereços, os enfeites nos chapéus, os bordados coloridos foram típicos dos momentos finais do cangaço. Lampião era um homem bem preocupado com sua imagem pública, o que colaborou para que permanecesse na memória nacional. O Rei do Cangaço também era o rei do marketing pessoal. Assim como adorava aparecer em jornais e revistas, deixando-se inclusive fotografar e até filmar, fazia de seu traje de guerreiro uma ostensiva e vaidosa marca registrada. “Nisso, talvez apenas o cavaleiro medieval europeu ou o samurai oriental possa rivalizar com o nosso capitão do cangaço”, escreveu Pernambucano de Mello.A antropóloga Luitgarde Barros enxerga aí um outro ponto em comum com a bandidagem atual: “Os traficantes também gostam de ostentar sua condição de bandidos e possuem um código visual característico, composto por capuzes e tatuagens de caveiras espalhadas pelo corpo”.

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A violência policial é outro aspecto que aproxima o universo de Lampião do mundo do tráfico. Como ocorre hoje nas favelas dominadas pelo crime organizado, a truculência dos bandoleiros sertanejos só encontrava equivalência na brutalidade das volantes – as forças policiais cujos soldados eram apelidados pelos cangaceiros de “macacos”. Nos tempos áureos do cangaço, não havia grandes diferenças entre a ação de bandidos e soldados. Não raro, eles se trajavam do mesmo modo – o que chegava a provocar confusões – e uns se bandeavam para o lado dos outros. Cangaceiros como Clementino José Furtado, o Quelé, abandonaram o grupo e foram cerrar fileiras em meio às volantes. O bandido Mormaço fez o movimento contrário. Havia sido corneteiro da polícia antes de aderir a Lampião.

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Cangaceiros mortos em Angicos. Foto colorida por Rubens Antônio – Fonte – http://www.jeremoabo.com.br/web/index.php/noticias/21-politica/1866-semana-do-cangaco-de-piranhas-sera-de-24-a-27-de-julho

Como é comum à história da maioria dos criminosos, uma morte trágica e violenta marcou o fim dos dias de Virgulino. Traído por um de seus coiteiros de confiança, Pedro de Cândida, que foi torturado pela polícia para denunciar o paradeiro do bando, Lampião acabou surpreendido em seu esconderijo na Grota do Angico, Sergipe, em 28 de julho de 1938. Depois de uma batalha de apenas 15 minutos contra as tropas do tenente José Bezerra, 11 cangaceiros tombaram no campo de batalha. Todos eles tiveram os corpos degolados pela polícia, inclusive Lampião e Maria Bonita. Durante mais de 30 anos, as cabeças dos dois permaneceram insepultas. Em 1969, elas ainda estavam no museu Nina Rodrigues, na Bahia, quando foram finalmente enterradas, a pedido de familiares do casal mais mitológico – e temido – do cangaço.

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Os verdadeiros cangaceiros.

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As estratégias e técnicas para despistar os inimigos

Embora seja inadequado referir-se aos cangaceiros como guerrilheiros – eles não tinham nenhum propósito político –, é inegável que lançaram mão de táticas típicas da guerrilha. Habituados a viver na caatinga, não eram presa fácil para a polícia, especialmente para as unidades deslocadas das cidades com a missão de combatê-los no sertão. Uma das maiores dificuldades de enfrentá-los era a de que preferiam ataques rápidos e ferozes, que surpreendiam o adversário. Também não tinham qualquer cerimônia em fugir quando se viam acuados. Houve quem confundisse isso com covardia. Era estratégia cangaceira.

4-Lampião gostava de mostrar-se um homeme inteligente perante as câmeras
Lampião

 Tropa de elite: Os bandos eram sempre pequenos, de no máximo 10 a 15 homens. Isso garantia a mobilidade necessária para a realização de ataques-surpresa e para bater em retirada em situações de perigo.

 Calada da noite: Em vez de se deslocar a cavalo por estradas e trilhas conhecidas da polícia, percorriam longas distâncias a pé em meio à caatinga, de preferência à noite. Para evitar que novas vias de acesso ao sertão fossem abertas, assassinavam trabalhadores nas obras de rodovias e ferrovias.

 Os apetrechos: Todos os pertences do cangaceiro eram levados pendurados pelo corpo. Como não se podia carregar muita bagagem, dinheiro e comida eram colocados em potes enterrados no chão, para serem recuperados mais tarde.

 Raposas do deserto: Cangaceiros eram mestres em esconder rastros. Alguns truques: usar as sandálias ao contrário nos pés. Pelas pegadas, a polícia achava que eles iam na direção contrária (detalhe); andar em fila indiana, de costas, pisando sobre as mesmas pegadas, apagadas com folhagens; pular sobre um lajedo, dando a impressão de sumir no ar.

 Peso morto: Com exceção de sequestrados, quase nunca faziam prisioneiros em combate, pois isso dificultaria a capacidade de se mover com rapidez. Também não mantinham colegas feridos ou com dificuldade de locomoção.

 Seu mestre mandou: Para resolver discórdias internas no bando, Lampião sempre planejava um grande ataque. Todos os membros do grupo se uniam contra o inimigo e deixavam de lado as divergências entre si.

 Os infiltrados: Quem dava abrigo e esconderijo aos cangaceiros era chamado de coiteiro e agia em troca de dinheiro, de proteção armada ou mesmo por medo. Coiteiros que traíam a confiança eram mortos para servirem de exemplo.

 Rota de fuga: As principais áreas de ação do cangaço eram próximas às fronteiras estaduais. Em caso de perseguição, eles podiam cruzá-las para ficar a salvo do ataque da polícia local.

 Fogo amigo e inimigo: Durante os combates, havia uma regra fundamental: em caso de retirada, nunca deixar armas para o inimigo; nas vitórias, apoderar-se do arsenal dele.

2-O bando de Lampião
O bando de Lampião

A saga de Lampião na caatinga

1898: Virgulino Ferreira da Silva nasce em 4 de junho, na comarca de Vila Bela, atual Serra Talhada, Pernambuco. É o terceiro dos nove filhos de José Ferreira e Maria Lopes.

1915: Começa a briga entre a família Ferreira e a do vizinho José Saturnino.

1920: José Ferreira é morto. Virgulino e três irmãos (Ezequiel, Levino e Antônio) entram para o cangaço. Durante um tiroteio em Piancó (PB), ele é ferido no ombro e na virilha: são as primeiras cicatrizes de uma série que colecionará na vida.

 1922: Sinhô Pereira abandona o cangaço e Lampião assume o lugar do chefe. A primeira grande façanha é um assalto à casa da baronesa Joana Vieira de Siqueira Torres, em Alagoas.

1924: Toma um tiro no pé direito, em Serra do Catolé, município de Belmonte (PE).

1925: Fica cego do olho direito e passa a usar óculos para disfarçar o problema.

1926: Visita Padre Cícero no Ceará e recebe a patente de capitão do “batalhão patriótico”, encarregado de combater a Coluna Prestes. Em Itacuruba (PE) é ferido à bala na omoplata.

1927: Ataque do bando a Mossoró (RN). A cidade resiste. É uma das maiores derrotas de sua carreira.

1928: A ação da polícia de Pernambuco faz com que atravesse o rio São Francisco e passe a agir preferencialmente na Bahia e em Sergipe.

 1929: Primeiro encontro com Maria Bonita, na fazenda do pai dela, em Malhada do Caiçara (BA).

1930: Maria Bonita torna-se sua mulher e ingressa no bando. O governo da Bahia oferece uma recompensa de 50 contos de réis para quem o entregar vivo ou morto. Em Sergipe, é baleado no quadril.

1932: Nasce Expedita, sua filha com Maria Bonita.

 1934: Eronildes Carvalho, capitão do Exército e coiteiro de Lampião, é nomeado governador de Sergipe.

1936: O libanês Benjamin Abraão, ex-secretário de Padre Cícero, convence Virgulino a se deixar filmar no documentário Lampeão. O filme é recolhido pelo Estado Novo.

 1938: Em 28 de julho, o bando é cercado em Angico (SE). Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros são assassinados.

Saiba mais
Guerreiros do Sol: Violência e Banditismo no Nordeste Brasileiro, Frederico Pernambucano de Mello, 2004

Lampião: Senhor do Sertão, Élise Grunspan-Jasmin, 2006.

https://tokdehistoria.com.br/2017/07/16/brutal-lampiao-despido-do-mito-cangaceiro-estava-mais-para-narcotraficante-do-rio-que-para-robin-hood/

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