Seguidores

quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

CANGAÇO, CANUDOS E CONTESTADO

Por: Enéas Athanázio

PAINEL COMPLETO

O livro “Lampião e o Estado-Maior do Cangaço”, de autoria dos pesquisadores Hilário Lucetti e Magérbio de Lucena, publicado em segunda edição, revista e ampliada (Gráfica Encaixe – Ceará – 2004 – 380 págs.), é o mais completo painel que conheço sobre o assunto, descrevendo com precisão as atrocidades dos bandos de cangaceiros que fervilhavam no Nordeste desde as últimas décadas do Século XIX até os anos 40 do Século XX, mostrando o ambiente sócio-econômico e político que permitiu o exercício dessa forma de banditismo ao longo de tantos anos e descendo a minúcias biográficas de cada um dos mais importantes atores de uma atividade tão desumana quanto trágica. Baseado em longas e minuciosas pesquisas, incluindo investigações in loco e entrevistas com numerosos personagens, sem faltar o mergulho em incontáveis coleções de jornais e na melhor bibliografia disponível, é um trabalho sério e confiável, merecedor de algumas observações, escolhidas dentre as muitas que ensejaria. Embora se trate de ensaio de cunho histórico, contém passagens antológicas, a exemplo da retirada do bando de Lampião para Pernambuco, após o malogro do assalto a Mossoró, cruzando três Estados, viajando quase só à noite e nas altas madrugadas, varando as mais ásperas caatingas da região e realizando saques sempre que a oportunidade se apresentava. Façanha que poderia inspirar excelente novela literária, assim como o livro, no conjunto, forneceria matéria para um belo romance
                        
O QUE É CANGAÇO

A palavra cangaço, segunda consta, deriva do fato de que os bandoleiros transportavam sempre, junto ao corpo, todos seus pertences. Entregues ao nomadismo, sem paragem certa, levavam em embornais cujas alças se cruzavam no peito e nas costas os objetos miúdos e de valor, tais como jóias, dinheiro, moedas, papéis etc. Feitos de tecidos fortes, os embornais ficavam estufados com o conteúdo, implicando, com certeza, em considerável peso. Observando-se as fotografias em que os cangaceiros posavam com esses embornais, fica a impressão de que eles exteriorizavam a riqueza: quanto mais estufados, mais rico seria o seu portador. Por outro lado, lembravam uma canga, daí surgindo a denominação cangaço e todos seus derivados. Aqui no Sul os embornais seriam chamados de bocós.

APOIO POPULAR: COITOS E COITEIROS

A sobrevivência do cangaço, por outro lado, encontra explicação ou, pelo menos, uma delas, na circunstância de que contava com o apoio das populações rurais das regiões onde se desenrolava. Os cangaceiros famosos acabavam se tornando figuras admiradas pelo povo miúdo, a cujos olhos muitos deles apareciam como justiceiros que afrontavam um Estado injusto e incompetente, responsável pela miséria reinante e pelas gritantes desigualdades econômicas e sociais. Os cangaceiros, por sua vez, buscavam com empenho criar vasta rede de relacionamentos com pessoas poderosas, em cujo meio se encontravam os grandes coiteiros (*), e com o povo em geral, de cujo seio saíra a maioria deles. Graças a isso, obtinham apoio nos momentos cruciais, bem como a indispensável ajuda na aquisição daquilo de que necessitavam. Muitos coiteiros, vivendo isolados num meio rude, não tinham como se negar à ajuda, sob pena de sofrerem represálias. Nenhum movimento revolucionário, nem mesmo na forma arcaica do cangaço, consegue se manter e vingar sem a simpatia e o apoio popular. Essa condição foi sempre ressaltada pelos revolucionários, inclusive no Brasil. “A gente humilde das caatingas ainda tinha Lampião como um homem honrado, respeitador e bom para os pobres... O povo era aliado de Lampião” – palavras de um ex-coiteiro em depoimento aos autores (pág. 316).

SURGIMENTO E TÉCNICAS

O surgimento do cangaço se explica com facilidade. Voltado para o litoral, onde se acumulava o grosso da população, o Estado brasileiro pouco se importava com o hinterland, e isso acontecia em todas as regiões do país. Entregue à própria sorte, o interior se transformava em território livre para as investidas de aventureiros de todos os tipos. Inteligentes como eram, não tardaram a intuir da necessidade de se juntarem em bandos organizados, com regras, chefias definidas, sub-grupos, estratégias e táticas próprias. Passavam de simples arruaceiros a profissionais especializados. A guerra móvel, similar às guerrilhas, as emboscadas, os ataques pelos flancos e pela retaguarda, os truques para furar cercos e despistar os rastros, unidos ao perfeito conhecimento do palco de ação, tudo isso deixava aparvalhadas as forças policiais, muitas vezes despreparadas para o combate, quando não mais interessadas nos lucros obtidos com a “indústria do cangaço”. A divisão em sub-grupos, desfechando ataques simultâneos em lugares diferentes, dava-lhes a aura de ubiqüidade e contribuía para o surgimento das lendas que cercavam os bandos chefiados pelos grandes nomes do cangaço. O medo que provocavam nas pessoas pacíficas facilitava suas tropelias. “Ninguém ignorava o pavor que causava por toda parte a presença de Lampião. Em geral, quem tinha a infelicidade de se encontrar com semelhante fera procurava o melhor meio de bem tratá-lo” – escrevem os ensaístas (pág. 225). Daí a razão pela qual foram tantas vezes recebidos com festas, banquetes e rapapés em inúmeros lugares, passeando com liberdade pelas cidades, organizando bailes e comilanças (**).

NEOCANGACEIROS

O ingresso no cangaço, uma vez consumado, quase sempre se tornava irreversível. Desde então a família do neocangaceiro não tinha mais sossego. Os motivos para entrar nesse “mundo da espingarda” variavam, embora os mais constantes fossem a prática de crimes que geravam inimizades e perseguições, não deixando ao infeliz outra saída. Muitos se iniciavam por pura e simples vocação, aspirando a uma vida superior à miséria em que vegetavam. A admiração pelos cangaceiros famosos, seus trajes vistosos, sua postura exibicionista e arrogante de seres que estavam acima do bem e do mal influíam na decisão, em especial de jovens, muitos dos quais se iniciaram cedo nas lides do banditismo. Após o ingresso, depois do batismo de fogo, recebiam um apelido, e o senso moral aos poucos se embotava, tornando-os capazes das mais frias atrocidades. Atrás dessas alcunhas muitos deles se anulavam como personalidades, apagando para sempre o passado. A consciência aguda de que o caminho trilhado não tinha volta parecia aumentar sua sede de sangue e a ganância pela riqueza em forma de ouro, jóias e dinheiro que pudessem transportar. Tudo indica que não confiavam em ninguém para depositário de seus teres.

APAGANDO O PASSADO: A ALCUNHA

A maioria dos cangaceiros recebia ou adotava uma alcunha, quase sempre relacionada com suas características pessoais, habilidades ou fatos biográficos e que serviam como luva. O apelido, apagando o verdadeiro nome, contribuía para despistar inimigos e perseguidores. Alguns, no entanto, lutavam bradando o próprio nome aos quatro ventos, desafiando o mundo e arrotando valentia. Poucos continuavam a ser conhecidos pelos próprios nomes. Entre os numerosos apelidos referidos no livro, anotei os seguintes: Bom Deveras, Jararaca. Pai Véio, Zé Sereno, Gavião, Corisco, Manoel Toalha, Moderno, Cajueiro, Fortaleza, Gato, Umbuzeiro, Colchete, Jurema, Tempestade, Azulão, Musquêro, Caracol. Tempero, Chico Chicote, Bronzeado, Casca Grossa, Mormaço, João Cocó, Pinga Fogo, Mergulhão, Chumbinho, Mão Foveira, Navieiro, Volta Seca etc. O apelido de Lampião se devia à rapidez com que atirava, dando a impressão de um lampião que se acendia.
É interessante anotar que, apesar das brutais condições em que viviam, muitos cangaceiros tiveram “carreiras” mais longas que os gangsters norte-americanos em geral, como Dillinger, Pierpont, Bonnie e Clide etc., cuja sobrevivência em atividade foi de poucos anos, acabando presos ou mortos. Vários cangaceiros famosos permaneceram em ação por anos a fio e alguns até se “aposentaram”, retirando-se para lugares distantes, em Goiás, Minas Gerais, no Maranhão, em São Paulo e até no Sul do país, como Antônio Massilon Leite, que teria migrado para o Rio Grande do Sul. Na nova querência mudavam de vida, desaparecendo no anonimato.

LEIS RÍGIDAS E IMPLACÁVEIS – DESTINO DAS VIÚVAS

O mundo cangaceiro tinha suas leis, rígidas e implacáveis. Assim, por exemplo, a humilhação, por mínima que fosse, exigia vingança, e ela acabava acontecendo, mais cedo ou mais tarde. O mesmo se diga das traições, fossem das mulheres aos companheiros ou de coiteiros, amigos ou conhecidos. A vindita viria, infalível e brutal. Lampião desaprovava as costumeiras surras em homens desarmados. “Não é vantagem para um homem; vantagem para um homem é falar alto para outro homem armado!” – pregava ele (pág. 204). Existia ainda o “padre-nosso de Lampião”, ensinado quando o novato entrava no bando: desrespeito a moça de família amiga se punia com a morte, como aconteceu com o cangaceiro Sabiá (pág. 329). Algumas regras, no entanto, poderiam ser mais elásticas, dependendo das necessidades e circunstâncias.

As mulheres que viviam no bando, cujos maridos ou companheiros morriam em combate deveriam ser sacrificadas para “queima de arquivo”, prática que se repetiu com mais freqüência nos últimos tempos. No início algumas “viúvas” foram devolvidas às famílias. Depois, avaliando o perigo que constituiria a queda delas em mãos policiais, foram eliminadas sem piedade. Conhecedoras das minúcias da vida do bando, elas o deixariam em permanente risco. Mediante tortura, com certeza tudo revelariam. Narram os autores algumas execuções dessas infelizes. Durante muito tempo foi vetada a presença de mulheres nos bandos.

MEDICINA SERTANEJA

Para os casos de doenças e ferimentos os cangaceiros dominavam ampla “medicina sertaneja”. Conheciam as propriedades de ervas e os efeitos de seus chás e todo um instrumental rústico de cuidados para estancar hemorragias, evitar infecções, combater a dor e debelar outros males. “A medicina cangaceira era a mesma do imenso sertão ao redor: chás que serviam para tudo, garrafadas, emplastros, pimenta e sal soprados nos ferimentos com canudos de mamoeiro, balas extraídas a ferro quente, remédios da homeopatia primitiva, encontradiços nas boticas dos lugarejos, rezadeiras, dentistas autodidatas, cachimbeiras, quando o menino não queria nascer” – dizem os autores (pág. 39). Alguns cangaceiros se destacaram como competentes “médicos”.Em casos de maior gravidade, parece que sempre surgia um meio de ser examinado por médicos de verdade.

LAMPIÃO ENTRA EM CENA

Foi nesse meio fervilhante de cangaceiros que a figura de Lampião se impôs, entrando em cena para reinar durante 22 anos de “carreira”. Quando o célebre Sinhô Pereira, cangaceiro temido, decidiu mudar de vida, seu sucessor natural, reconhecido a una voce, foi Lampião, já integrante do bando e então com 25 anos de idade. A estréia do novo chefe ocorria em 1922, ano emblemático da história nacional, e ele logo se destacaria pela inteligência, liderança inconteste, frieza e crueldade.
Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, nasceu em Serra Talhada (PE), em 7 de julho de 1897. Segundo a lenda, teria ingressado no cangaço para vingar a morte do pai, embora a verdade histórica revele o oposto, como mostram os ensaístas. Na realidade, o pai foi morto depois da entrada do filho no cangaço e justamente por esse motivo. A lenda, porém, se disseminou de tal forma que ainda hoje corre solta. Mais de 500 cangaceiros das mais variadas procedências, formações e temperamentos serviram sob seu comando ao longo desses anos. Com rara habilidade, conseguiu formar uma rede de “coiteiros” e “coronéis de barranco” que o apoiava de forma decisiva, fornecendo armas e munições em quantidade, além de mantimentos e proteção. Entre eles estava o célebre “coronel” Zé Pereira (Lima), chefe político de Princesa Isabel (PB) e que declarou a “independência” de seu município, instituindo a República de Princesa, de breve duração mas de repercussão nacional. Sobre ela o jornalista Joaquim Inojosa publicou um livro onde informava de sua participação no movimento sedicioso. A ligação de Lampião com Zé Pereira, no entanto, não se prolongou por muito tempo e se transformaram em inimigos rancorosos (***).

O CAPITÃO VIRGULINO

Em 1926 Lampião e seu grupo foram convidados a visitar Juazeiro do Norte, ocasião em que ele recebeu a patente de capitão e membros do bando receberam patentes de graduação inferior. Foram armados e municiados, passando a integrar os chamados “Batalhões Patrióticos” que deveriam combater a Coluna Prestes, embora Lampião nunca se defrontasse com a mesma. Numa atitude de incrível insensibilidade e reacionarismo, as autoridades preferiram se colocar ao lado dos maiores facínoras do sertão e contra os jovens idealistas que realizavam uma empreitada épica pela melhoria de nossos costumes político-administrativos. É verdade que esse ato custou caro, muito caro, tanto que os cangaceiros, agora armados até os dentes, com farta munição e armas modernas, se tornariam invencíveis, e o Padre Cícero Romão Batista morreu jurando não ser o autor da infeliz iniciativa, fato que tem provocado o gasto de muita tinta, sem uma conclusão definitiva. Para os ensaístas, no entanto, estão fora de dúvida a participação do “Padim” no episódio e sua bênção aos novéis “oficiais”.
No correr dos anos, entre vitórias e derrotas, Lampião perdeu os três irmãos cangaceiros – Antônio, Livino e Ezequiel. Foi em geral bem sucedido, ainda que tenha ficado manco em virtude de ferimento na perna direita. Entre seus ataques, na maioria positivos, sobressaiu-se um fracasso: a invasão de Mossoró (RN), maior cidade sertaneja da região, de onde se retirou para Pernambuco, cruzando três Estados e varando o mais árido da caatinga, perseguido por centenas de policiais de vários Estados. O malogro deixou profunda marca em sua alma de homem vaidoso e preocupado com a própria imagem. É verdade que ele realizou esse ataque à cidade potiguar algo contrariado. Suas incursões em regra visavam cidades onde apenas uma torre de igreja apontava para o céu, ao passo que Mossoró possuía quatro. . . As táticas de guerrilha, a chamada guerra móvel, os ataques pela retaguarda e pelos flancos, a divisão em sub-grupos, o despiste dos rastros, o perfeito conhecimento da região, a surpresa, as falsas fugas, os contra-ataques fulminantes, os informantes e a infiltração de “olheiros”, aliados à coragem sobre-humana e ao terror que provocavam permitiram carreira tão bem sucedida e longa.

PREMONIÇÃO DO FIM

Arguto como foi, Lampião pressentia que o progresso selaria o fim do cangaço. Transformou-se, por isso, em inimigo das estradas através das quais chegariam caminhões transportando numerosos “macacos” bem armados. Sempre que possível, procurava atrapalhar a construção de rodovias, amedrontando os trabalhadores e praticando violências contra alguns.

MARCA PESSOAL: CANGAÇO SEM ÉTICA

Lampião imprimiu marca pessoal no cangaço. Segundo os autores, com ele “muita coisa mudou no modus vivendi dos cangaceiros. Os punhais enormes, as bandoleiras enfeitadas com libras esterlinas, os chapéus enormes, ornados com estrelas e signo de Salomão, os dedos cheios de anéis, apurado gosto na confecção de luvas, lenços e embornais, vidros de perfumes baratos que eram usados em profusão para afastar o odor do suor e para agradar as mulheres que eram mimadas como princesas. Tudo isso trazia um pouco da marca pessoal de Lampião que não era um gênio somente no campo de batalha” (págs. 39/40). Tocava harmônica, realizava trabalhos em couro e “era metido a poeta”. Os cangaceiros foram exímios costureiros, atividade que exerciam com naturalidade.
 
Segundo os ensaístas, foi Lampião o iniciador da fase do “cangaço sem ética.” No seu reinado, dependendo da situação, valia tudo, inclusive o assassinato de mulheres, velhos e crianças, seqüestros, extorsões, torturas, castrações, estupros, saques e destruição de propriedades alheias. E de fato, os episódios relatados ao longo do livro, todos confirmados, são de arrepiar os cabelos. “Conotações de heroísmo”, “injustiça social” e a idéia de um “Robin Hood caboclo, que tirava dos ricos para dar aos pobres”, não passam de lendas sem base histórica – afirmam os autores (pág. 186). Pelo contrário, como rolo compressor, Lampião passava sobre tudo que se opusesse aos seus desejos.

A GROTA DO ANGICO E A TRAGÉDIA FINAL

Lampião foi morto na manhã do dia 28 de julho de 1938, na Grota do Angico (SE), aos 41 anos de idade. Nos últimos tempos, cercado e atacado por todos os lados, agia mais como “empresário do crime” que na linha de frente. O depoimento de Manoel Félix, último coiteiro, deixa a impressão de que o Rei do Cangaço estava cansado, descuidando da segurança e confiante em demasia. No local onde morreu só havia uma saída, circunstância que não aconselharia a permanência, ainda mais diante do alerta de outros cangaceiros sobre detalhe tão importante. Mas Lampião parecia ter baixado a guarda, atitude que lhe foi fatal, marcando a partida para o dia seguinte. Foi tarde demais.
Sua morte ecoou na caatinga e os sertanejos em geral não podiam crer que um “homem como aquele pudesse morrer assim” (pág. 363). Decorridos 66 anos de sua morte, a figura do Rei do Cangaço ainda intriga e fascina.  

A SECA DO JOÃO MIGUEL

Em 1931, acuado por Getúlio Vargas para dar fim ao cangaço, o interventor Juracy Magalhães urdiu um plano tão inacreditável quanto desumano: esvaziar os sertões, obrigando a população a migrar para as cidades, onde foi engrossar as favelas periféricas. As famílias foram instadas a apanhar o que pudessem, deixando tudo mais ao deus-dará. Esse plano insólito ficou conhecido como “seca do João Miguel”, recebendo o nome do oficial encarregado de sua execução. Entre dez e quinze mil sertanejos foram coagidos a abandonar terras, casas, roças e criações, transferindo-se para as cidades, onde muitos sobreviviam de esmolas. Imaginavam os mentores de tão estapafúrdio plano que esvaziando as caatingas, o cangaço morreria por ausência de apoio, mas o resultado foi o oposto: os sertanejos pobres voltaram miseráveis e o cangaço se banqueteou em liberdade com tudo que foi deixado (págs. 34 e 321).

O BANDO E O ESTADO-MAIOR
   
O estado-maior de Lampião sofreu inúmeras alterações. Muitos de seus integrantes ingressaram, saíram e retornaram; outros pertenceram a gerações diferentes, nem sempre se conheceram ou foram contemporâneos. Apesar dessas dificuldades, os autores rastrearam toda a história de Lampião e levantaram as biografias dos mais importantes. Em forma sintética, anotamos a seguir os elementos essenciais de cada um deles:
Antônio Ferreira (1895/1926). Irmão mais velho de Lampião. Homem sisudo, não ria e nem sequer sorria. Autêntica víbora. Morreu por acidente, numa brincadeira – um “sucesso”, na linguagem do cangaço.
Livino Ferreira, vulgo Vassoura (1896/1925). Também irmão do Rei do Cangaço. Tagarela e extrovertido, foi um indivíduo bruto e áspero no trato. Corajoso ao extremo, levava uma faca nos dentes na hora do ataque.
Antônio Matilde. Irmão bastardo do pai de Lampião. Esteve afastado do grupo e morreu em 1927.
Antônio Rosa, vulgo Antônio do Gelo (1897/1924). Alagoano. Valente e vaidoso. Foi morto pelas costas por Livino e Enéas.
Antônio Augusto Correia, vulgo Meia-Noite ou Bagaço. Alagoano. Valente e mau ao extremo, matou quando ainda era menino, Virou inimigo de Lampião. Morreu traído por um coiteiro.
Horácio Novaes, vulgo Horácio Grande (1891/ ? ). Misto de cangaceiro e policial; ora um, ora outro. Desapareceu para sempre sem deixar vestígios.
Sabino ou Sabino das Abóboras. Lugar-tenente de Lampião. Homem corajoso, violento e cruel ao extremo. Atarracado e feio, nada temia e praticou “um rosário de crimes.” Ferido, foi morto a seu próprio pedido e a sangue-frio, pelo cangaceiro Marguião (pág. 105).
Cícero Costa (de Lacerda - ? - 1924). Paraibano. Figura curiosa, de nível superior ao bando. Destemido e feroz na luta, matava com facilidade, embora se recusando a torturar, roubar e maltratar mulheres, idosos e crianças. Simpático, conquistava as pessoas com facilidade. Foi o “médico” do grupo, conhecendo os tratamentos e a farmacopéia do sertão. Parece que não foi sepultado, ficando seu corpo ao relento.
Os irmãos Marinheiros. Pernambucanos. Foram quatro, de gerações diferentes: Cassiano, José, André e Antônio. Os dois últimos abraçaram o cangaço a pretexto de vingar o assassinato dos irmãos. Entregavam-se à extorsão, ao rapto de moças e às ameaças. Fugiram para o Maranhão e desapareceram. “Nos sertões pernambucanos – ensinam os autores – diz-se marinheiro aquele cuja aparência física lembra os invasores holandeses que vieram pelo mar. Estatura elevada, cor branca, cabelos loiros, olhos azuis, características comuns a esses quatro irmãos bandoleiros” (pág. 137).
Mariano (Laurindo Granja – 1898/1937). Pernambucano. Fiel a Lampião, acompanhou-o tanto nos tempos bons como nos maus. Alegre, risonho, tocador de gaita. Não cometia atrocidades desnecessárias. Valente até o fim, morreu baleado e esfaqueado múltiplas vezes.
Os Marcelinos. Também irmãos: Manoel (Bom Deveras), João (Vinte e Dois), Raimundo (Lua Branca) e José, este último ladrão contumaz, fugiu para São Paulo. Cruzavam a Chapada do Araripe para o Ceará e Pernambuco, sempre acoitados por gente graúda. Vinte e Dois foi morto pela polícia e Lua Branca ferido e preso na mesma ocasião, assim como Manoel Toalha e Pedro Miranda, ambos do bando chefiado pelo primeiro. Também foram presos Joaquim e João Gomes, primos, acusados de coiteiros. No dia 5 de janeiro de 1928 os cinco foram levados ao lugar Alto do Leitão e sumariamente executados, depois de cavarem as próprias sepulturas (pág. 171).
Virgínio Fortunato da Silva (Moderno – 1903/1936). Cunhado de Lampião, nascido no Rio Grande do Norte. Educado, comedido, pouco falante. Foi o “capador oficial” do bando.
Ezequiel Ferreira (Ponto Fino – 1908/1931). Irmãos mais jovem de Lampião, morreu aos 23 anos de idade. Criou-se na malandragem de rua de Juazeiro do Norte (CE) e idolatrava o irmão, de quem foi a própria sombra. Tinha excelente pontaria e não foi sanguinário.
José Zeferino Andrelino dos Santos (Oliveira ou Alagoano - 1912 - ? ). Pernambucano. Cangaceiro-mirim, entrou no bando aos 14 anos, sendo considerado uma espécie de filho por Lampião. Muito malvado na juventude, ficou famoso pelas crueldades praticadas. Deixou o bando em 1928 e cumpriu pena de prisão. Em 1984 ainda vivia, quando foi entrevistado pelos autores, descrevendo o ambiente do cangaço e as chegadas do bando nas cidades daquela época. Participou da frustrada invasão de Mossoró (págs. 196 e 198).
Antônio Massilon Leite (Benevides). Nascido no Rio Grande do Norte, fôra pistoleiro profissional e já chegou ao Ceará com 26 mortes nas costas. Atirador exímio, foi um cangaceiro sofisticado, usando bússola na caatinga, andava sempre bem trajado e sabia dirigir veículos. Um dos idealizadores do assalto a Mossoró, dele participou, no dia 13 de junho de 1927, quarta-feira, por volta das 16:00h. Repelido pela população enfurecida, o bando se retirou para o Pajeú, numa marcha inacreditável através da caatinga. No ataque morreu o cangaceiro Colchete e Jararaca, ferido, foi preso e consta que teria sido sepultado vivo. Deixando o bando, Massilon se entregou a assaltar fazendas e parece que foi bem sucedido. Com o dinheiro, fugiu para o Rio Grande do Sul, onde teria mudado de nome e ingressado na polícia, chegando a oficial. Nos anos 50 foi visto no Nordeste, bem trajado e elegante, num caminhão novo, de sua propriedade, com motorista particular. Visitava parentes e amigos no Ceará e dizia residir em algum recanto do Brasil Central (págs. 110 e 235).
José Leite de Santana (Jararaca – 1901/1927). Nascido em Buíque (PE), foi soldado da polícia e do exército, tendo andado pelo Sul e participado da Revolução Paulista. Voltando à terra natal, formou o primeiro grupo e iniciou a “carreira”. Foi ferido e preso no assalto a Mossoró, onde acabou executado.
Antônio Francisco (Moreno). Pernambucano. Irmão de um dos matadores de Delmiro Gouveia. Em 1938, ao saber da morte de Lampião, fugiu para o Maranhão e nunca mais se soube dele.
Cristino Gomes da Silva Cleto (Corisco ou Diabo Louro – 1907/1940). Muito famoso, foi o derradeiro dos grandes chefes. Virou verdadeiro carrasco, embora às vezes revelasse um lado bom. Em virtude de ferimentos, ficou aleijado de ambos os braços, incapacitado para o manejo de armas longas. Nunca se entregou.
Os Engrácias. Família baiana, teve vários membros envolvidos no cangaço. Foram eles:
Antônio de Engrácia (1897/1930). Cangaceiro garboso, rival de Lampião, foi assassinado pelo próprio irmão, Cirilo. Era considerado um dos dez maiores cangaceiros existentes.
Cirilo de Engrácia (Véio Cirilo - 1890/1935). Com o assassinato do irmão, ficou marcado para sempre. O crime foi escondido pelo bando por muito tempo.
Manoel Moreno (Bentevi – 1905/1937). Sobrinho de Antônio e Cirilo. Preguiçoso e covarde, gostava de perfumes, danças e mulheres. Um bon vivant das caatingas.
Aleixo, vulgo Zé Baiano (  ? – 1936). Sobrinho de Antônio e Cirilo. Indivíduo perverso, sádico e tarado, estuprador sistemático. Marcava as pessoas a ferro e usava uma palmatória a que chamava “Boneca de laço e nó”, com a qual aplicava “bolos” nas mãos das pessoas.
José Ribeiro Filho (Zé Sereno – 1913/1981). Sobrinho de Antônio e Cirilo. Esteve com Lampião em Angicos. Conseguiu escapar ao massacre e fugiu para São Paulo, onde viveu recolhido, quieto e até respeitado pelos conhecidos.
Esses foram os Engrácias, célebres e temidos.
Mariano Barbosa da Silva (Azulão – 1911/1933). Baiano. Foi o terceiro com a mesma alcunha, mas não o último. Decepada, sua cabeça foi levada para o Instituto Nina Rodrigues, em Salvador (BA).
Ângelo Roque da Costa (Labareda ou Anjo Roque – 1899 - ?). Pernambucano. Entregou-se à polícia e ainda viveu muitos anos.
Luiz Pedro (Cordeiro – c. 1910/1938). Permaneceu cerca de quinze anos com Lampião. Em acidente, matou Antônio Ferreira, irmão do Rei do Cangaço, mas foi perdoado por este, reconhecendo que fôra um “sucesso”. Fiel extremado ao chefe, morreu com ele em Angicos.

FIGURAS SINGULARES

Resta uma palavra sobre três personagens envolvidos com o cangaço e que ficaram na história. O primeiro foi o Padre José Furtado de Lacerda, mais conhecido como Padre Lacerda, da Vila do Coité. Segundo os autores, ele “achava que a vontade de Deus vez por outra precisava da ajuda das armas para ser cumprida. Muito valente, andava sempre armado e cercado de homens de sua confiança” (pág. 124). Chegou a ser atacado por bandos de cangaceiros, travando-se violentos tiroteios que deixaram sua casa perfurada pelas balas. Antônio Teixeira Leite (Antônio da Piçarra – 1855 - ? ). Foi o mais conhecido coiteiro de Lampião no Cariri Cearense. Vivendo isolado em meio à caatinga, esse fazendeiro alegava que não teria como negar ajuda ao cangaceiro sob pena de implacáveis represálias. Entrevistado pelos autores, muito colaborou com eles. Odilon Flor, o Nazareno (nascido em Nazaré, hoje Carqueja), perseguidor implacável de Lampião e colaborador de quantos procuraram o cangaceiro, morreu frustrado pela ausência de reconhecimento de seu trabalho e pela traição da “volante” que eliminou o Rei do Cangaço (págs. 358/359).

COMPARAÇÃO IMPRÓPRIA

Por fim, uma palavra a respeito da confusão que tantas é feita entre Cangaço, Canudos e Contestado.Embora fossem revoluções populares arcaicas, denunciando estruturas injustas e omissão de qualquer assistência, Canudos e o Contestado foram movimentos messiânicos, características que o Cangaço não teve. Embora este último, em certa fase, contasse com o apoio do Padre Cícero Romão Batista ao grupo de Lampião, apenas isso não lhe confere índole religiosa ou mística. Foi o Cangaço uma espécie de banditismo organizado sem similar no país ou no mundo. Mas os três acontecimentos espelhavam o mal-estar social diante da miséria, da injustiça, do abandono e da incompreensão. Contasse o país com governantes mais sensíveis e todos eles, com seus horrores, poderiam ter sido evitados. Acabaram ficando como manchas indeléveis de nossa civilização.
  
(*) Segundo os dicionaristas, coiteiro é o indivíduo que dá asilo a bandidos ou os protege. Coito é o local onde se escondem.
(**) Em um de seus romances memorialistas, o escritor piauiense J. P. de Lima Cordão relata a tranqüilidade com que o cangaceiro Antônio Silvino passou vários dias numa pequena vila, revelando sentir-se em casa, com total segurança. O aparecimento repentino do cangaceiro, um dos “donos do sertão”, provocava medo e curiosidade. Labioso e vestido de forma aparatosa, destoante da pobreza geral, sua presença agitou a vila nos quatro dias em que lá esteve. Após sua partida, sobreveio o receio da “volante” que poderia estar no seu encalço. Elas podiam ser tão violentas quanto os cangaceiros (“Muquém”, Edição do Autor – Teresina – 1996). Analisei esse livro em “Fazer o Piauí”, B. Camboriú, Editora Minarete, 2000. 
(***) “República de Princesa – José Pereira x João Pessoa”, de Joaquim Inojosa, Rio de Janeiro, Civilização Brasileira/MEC, 1980; “A Revolta de Princesa – Poder Privado x Poder Instituído”, de Inês Caminha L. Rodrigues, S. Paulo, Editora Brasiliense, 1981; “Presença de Inojosa”, de Enéas Athanázio, ensaios, Blumenau, Fundação Casa Dr. Blumenau/Gráfica 43, 1985.  

B. Camboriú, 14 de dezembro de 2004
http://www.riototal.com.br/coojornal/eneasathanazio155.htm


Links dos artigos que você não os leu


http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/gingas-do-brasil-maria-bonita-rainha-do_25.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/gingas-do-brasil-maria-bonita-rainha-do.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/o-beneficio-da-leitura-na-formacao-do_25.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/joao-saturnino.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/brisa-lilas-poesia.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/amigos-mais-que-importantes-cronica.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/o-beneficio-da-leitura-na-formacao-do.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/as-cores-na-rampa-e-na-base-de.html 
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/padre-cicero-romao-batista.html      
http://blogdomendesemendes.blogspot.com/2012/01/certidao-de-nascimento-de-lampiao.html

Eduardo Coutinho ouve e grava o canto do povo

Paulo Henrique Silva - Repórter
cinema cineasta eduardo coutinho
"Colhemos de tudo, até canções próprias; só não tem funk, mas gostaria que tivesse", diz o cineasta
No Centro do Rio de Janeiro, Eduardo Coutinho entrevista 42 pessoas que relacionam a vida a determinadas músicas

FORTALEZA* – Falar de um filme que ainda não está pronto “dá um azar danado”, considera Eduardo Coutinho. Diretor de alguns dos mais importantes documentários brasileiros, casos de “Cabra Marcado para Morrer” e “Jogo de Cena”, um dos homenageados do festival Cine Ceará, ele quebra a regra e revela detalhes do projeto que define como “cante e conte”.
O realizador paulistano, de 78 anos, entrevistou 42 pessoas que relataram casos particulares relacionados a determinada música. Coutinho ainda não sabe o que será aproveitado no material final, mas adianta que tudo se resume a dois temas: amor e morte. “Tinham que saber cantar minimamente. Não com beleza, mas com força. Só o contar não interessava”.
O interesse por cantores anônimos é antigo, esboçado em vários filmes em que deixa vários de seus depoentes se manifestarem pela música. “Já cantaram até ‘My Way’, mas nunca me preocupei com direitos autorais. Eles cantam a capela, não teria porque pagar. Não é um fonograma. Além disso, meus filmes não dão dinheiro”, defende o realizador.
Coutinho não interferiu na escolha das músicas em seu novo filme. O que importava era a relação com a história pessoal. “Se me falassem que escolheram por uma razão estética, por causa do intervalo de quarta, eu caía fora. Se a música é tecnicamente extraordinária, não me interessa. Colhemos de tudo, até canções próprias. Só não tem funk, mas gostaria que tivesse”.
Boa parte das músicas é antiga, muitas delas de dor de corno. “Falam de um Brasil antigo”, entrega. Outra curiosidade: ninguém se arriscou a cantar músicas estrangeiras. 
Coutinho buscou ser o mais plural possível, entrevistando representantes de todas as classes sociais, recrutados no Largo da Carioca, no Centro do Rio de Janeiro. “Ali tem de tudo, da classe média à favela”.
Entre os longas, o novo projeto parece ser o de concepção mais simples. Em uma semana, no mês de fevereiro, Coutinho realizou todas as entrevistas, concentradas no mesmo estúdio onde filmou “Jogo de Cena”.
No trabalho anterior havia certo aparato técnico. Agora, o despojamento é total. “Queria um filme que fosse barato e que pudesse ser feito de forma imediata”, explica o veterano cineasta. Uma das razões é o desgaste com o envolvimento numa produção maior e sob encomenda, que exigiria atores e muitos técnicos. “Quando me falaram que precisaria de um diretor de arte, eu desisti. Era um filme sobre citações e saí fora faltando dois meses para as filmagens”.
Com cabelos grandes e muito magro – ele combate um enfisema pulmonar mas não larga o cigarro, Coutinho se viu impelido a falar do novo filme depois de constatar que a conversa com os jornalistas ficaria muito limitada: não poderia comentar os problemas gerados pelo penúltimo trabalho, “Um Dia na Vida”. A produção reúne imagens colhidas da programação de TV. “Nesse caso, sou proibido de falar por lei, por ser um filme clandestino, Coutinho não detém os direitos de exibição dos programas usados no documentário. Aliás, não é um filme, é um gesto, um conceito. Se não posso falar de nenhum dos dois, o que sobra? Minha infância? Também não quero falar disso”, ironiza.
Voltando à produção atual, com ou sem azar, os problemas aparecem, já na edição, e não se sabe ainda “para que lado (o longa) vai”. Coutinho define a montagem como imprevisível, “onde se descobre o filme após feito ou muitas vezes nem chegando a descobrir, conforme aconteceu com ‘Moscou” (documentário lançado em 2009 com o grupo de teatro Galpão).
Outro destaque no Cine Ceará, em Fortaleza – que prestou homenagem a Coutinho e ao ator Chico Diaz – é a história do casal de cangaceiros
Moreno e Durvinha, que se refugiou em Minas Gerais após a morte de Lampião. A saga é retratada pela primeira vez no documentário “Os Últimos Cangaceiros”, apresentado semana passada no centenário Theatro José de Alencar, durante a 21ª edição do festival.
Um dos filmes mais aguardados da programação, a produção de Wolney de Oliveira registra “a história de amor surgida em meio à selvageria”, conforme destaca
João de Souza Lima, historiador que trabalhou como consultor no longa-metragem e autor do livro “Moreno & Durvinha – Sangue, Amor e Fuga no Cangaço”.
Festival destaca saga de cangaceiros
Após acompanhar a exibição de “Os Últimos Cangaceiros” na capital cearense,
Nely Maria da Conceição não segura a emoção ao falar dos pais (Durvinha faleceu em 2008; Moreno, no ano passado), destacando, principalmente, a oportunidade de ter reencontrado o irmão, Inácio, que foi deixado com um padre em Pernambuco quando a dupla fugiu do sertão, andando por três meses até chegar a Montes Claros.
Os Últimos Cangaceiros” menciona esse encontro, ocorrido mais de 60 anos depois, jogando com o paradoxo entre pais procurados pela Justiça e o filho que se tornou policial.
O documentário tem narrativa leve e divertida, arrancando risadas da plateia com as lembranças de Moreno e Durvinha. Moreno, que morreu com 100 anos de idade, fala com simplicidade do tempo em que matou 21 pessoas, apesar de ter guardado seu passado a sete chaves por várias décadas – com medo de ser preso.
Nem mesmo os filhos sabiam da história. Boa parte da entrevista foi feita em Belo Horizonte, onde o cangaceiro foi “descoberto” pela mídia. O filme de Wolney Oliveira é o primeiro documentário sobre o cangaço e tem como ponto alto um farto material de arquivo, caso das imagens inéditas de outro casal de cangaceiros, Corisco e Dadá.
Do bando de Lampião, hoje resta apenas Aristeia, 98 anos, também presente ao lançamento de “Os Últimos Cangaceiros”.

(*) O repórter viajou a convite da organização do Cine Ceará

O Auto da Liberdade - Parte II - 20 de Setembro de 2010

Por: Geraldo Maia do Nascimento

O espetáculo “Auto da Liberdade”, que é encenado anualmente em Mossoró nos dias que precedem o trinta de setembro, é composto de quatro atos: 



a Libertação dos Escravos, a Revolta das Mulheres, a Defesa de Mossoró contra o bando de Lampião e o Primeiro Voto Feminino. O texto é de autoria do poeta Joaquim Crispiniano Neto.

 
               
Na primeira parte desta matéria tratamos de explicar como se deu a Libertação dos Escravos em Mossoró. Trataremos agora do episódio que ficou conhecido como a Revolta das Mulheres ou Motim das Mulheres de Mossoró. 

O Motim das Mulheres de Mossoró foi um movimento de protesto ocorrido em 30 de agosto de 1875, contra a obrigatoriedade do alistamento militar para os jovens. 

Corria o ano de 1875 e o país vivia uma fase de intensa vibração partidária. Vários movimentos populares estouravam no Brasil e o clima se agravou mais com a queda do Gabinete de 7 de março de 1871, presidido pelo Visconde do Rio Branco. Para substituir o Visconde, o Imperador convidou o Duque de Caxias para organizar o Ministério de 25 de junho. Ao assumir o Ministério, no entanto, Caxias deparou-se com uma medida extremamente impopular: o Decreto nº. 5.881 de 27 de janeiro de 1875, que aprovava o regulamento do recrutamento para o Exército e Armada. O objetivo do recrutamento obrigatório era de dotar o país de uma tropa de reserva treinada e não, como é anunciado por alguns órgãos da mídia, recrutar soldados para a Guerra do Paraguai, visto que a Guerra havia terminado desde 1870. Mas o recrutamento, que no momento era indispensável e lógico, exasperou o povo e constituiu elemento poderoso de irritação coletiva. E em quase todo o país estalaram tumultos provocados pela aplicação da lei do recrutamento.
               
No Rio Grande do Norte vários protestos populares surgiram contra a aplicação da tal lei. Em Arês, a 1º de agosto, homens e mulheres seguidos por um grupo de indígenas armados de faca e cacetes invadiram a Igreja Matriz e destruíram tudo que dizia respeito ao recrutamento como livros, papéis e editais. No mesmo dia, no município de Canguaretama, um grupo de homens e mulheres invadiram a Igreja onde estava sendo feito o alistamento, rasgando e queimando toda a documentação. Nessa luta, o capitão João Paulo Martins Nanninguer mandou dispersar o movimento à baioneta e ficaram feridas dezesseis pessoas. No município de Goianinha ocorreu movimento idêntico.
              
Em Mossoró, o movimento não passou em branco. Mais uma vez a fibra do povo mossoroense foi mostrada. Ninguém desejava que seus filhos fossem apanhados para o serviço militar, notadamente quando era sabido das intenções dos chefes políticos dominantes em darem preferência a filhos de adversários. Foi aí que um grupo de mulheres, inspiradas nos movimentos que estavam acontecendo no restante da Província, promoveram uma manifestação e conseqüente passeata pelas ruas da cidade, rasgando os editais afixados na Igreja de Santa Luzia como também livros e papeis relativos ao alistamento, encaminhado-se depois a redação do jornal O Mossoroense, onde destruíram cópias dos editais que ali estavam para serem publicados. Saindo dali, foram para a Praça da Liberdade, onde entraram em luta corporal com os soldados que haviam sido enviados para dominar a rebelião, tendo como resultado algumas mulheres feridas, só não assumindo conseqüências mais graves graças a interferência de outras pessoas que se encontravam no local.
               
O movimento contou com a presença de mais de 300 mulheres, que eram chefiadas por Ana Floriano, uma mulher alta, forte, de olhos azuis e cabelos louros, que vinha a ser a mãe do jornalista Jeremias da Rocha Nogueira, fundador do jornal O Mossoroense. Outras mulheres que se destacaram no movimento foram Maria Filgueira, esposa do Capitão Antônio Secundes Filgueira e Joaquina Maria de Góis, mãe do historiador Francisco Fausto de Souza.
               
A 31 de agosto a Câmara Municipal comunica ao Presidente da Província o fato ocorrido. Este, por sua vez, exigiu que fosse feito um inquérito para levantar a responsabilidade pelo movimento, pedindo urgência nas providências e oferecendo, inclusive, reforço policial se necessário fosse. A peça processual, no entanto, desapareceu do arquivo do Departamento da Segurança Pública, não sendo tomadas outras providências.
               

Em ofício de 4 de setembro do mesmo ano, o Juiz de Direito de Mossoró, Dr. José Antônio Rodrigues, narra sua versão dos fatos ao Presidente da Província, Dr. João Bernardo Galvão Alcoforado Júnior. Na versão do Juiz, o movimento contava com um grupo de 50 a 100 mulheres, capitaneadas por D. Maria Filgueira, mulher do Capitão Antônio Filgueira Secundes, 3º Suplente de Juiz Municipal e D. Maria de Tal, mãe do jornalista Jeremias da Rocha Nogueira, pretenso chefe liberal.
               
O que diferenciou o movimento de Mossoró com os dos demais municípios, foi o fato de aqui ter surgido entre as mulheres, não tendo sido registrado a presença de nenhum homem. Eram mães, mulheres, irmãs e noivas defendendo os seus filhos, maridos, irmãos e noivos. Foi mais um capítulo da luta do povo mossoroense na defesa dos seus direitos e da sua liberdade.

Todos os direitos reservados

É permitida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de
comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte e o autor.

Autor:
Jornalista Geraldo Maia do Nascimento

Fonte:

HOMENAGEM

Por: Rangel Alves da Costa

Alcino Alves Costa 

https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgoFjOMPyuw6SVbBQ68WJh9bI7rk_ByEupLaXaJ3Y0JSeuVxRWTIRcJSu4EKTYPzWjPs3dxkIhRTXKr9NfmLSgSUcMoe5enehPzBuOsjNCfsp4LdyoAsCbzYOEqEQIOKM08nQdCBaR04ac/s400/DSC01189.JPG

será homenageado no município de 

Imagem de N.Sra.da Glória-Foto:Paulo Noronha
Imagem de N.Sra.da Glória-Foto:Paulo Noronha

Nossa Senhora da Glória, no sertão Sergipano.



Extraído do blog ser tão/sertão

LAMPIÃO NO MUNICIPIO DE AURORA *

Por: Amarílio Gonçalves Tavares (*)
Em virtude da amizade com o Coronel Isaias Arruda, na verdade um dos grandes coiteiros de Lampião no Ceará, o rei do cangaço, como era chamado, esteve, mais de uma vez, no município de Aurora. Em suas incursões pelo município sul - cearense, o bandoleiro se acoitava na fazenda Ipueiras, de José Cardoso, cunhado de Isaias.
Uma dessas vezes foi nos primeiros dias de junho de 1927. Na fazenda Ipueiras, onde já se encontrava
Massilon Leite, que chefiava pequeno grupo de cangaceiros, Lampião foi incentivado a atacar a cidade norte-riograndense de Mossoró – Um plano que o bandoleiro poria em prática no dia 13 do citado mês.
Em razão do incentivo, Lampião adquiriu do coronel um alentado lote de munição de fuzil que, de mão beijada, Isaias havia recebido do governo Federal ( Artur Bernardes, quando este promoveu farta distribuição de armas a coronéis para alimentar o combate dos batalhões patrióticos ‘a coluna prestes(54)
Presente aquela negociação, que rendeu ao coronel Isaias a considerável quantia de trinta e cinco contos de réis, esteve o cangaceiro Massilon, que teve valiosa influência junto a Lampião, no sentido de atacar Mossoró, cujos preparativos tiveram lugar na fazenda ipueiras. Consta que Massilon Leite – associado a Lampião no sinistro empreendimento – tinha em mente assaltar a agência local do Banco do Brasil e sequestrar uma filha do coronel Rodolfo Fernandes.
O Bando de Lampião que chegou a Aurora era composto de uns cinquenta cangaceiros, dentre os quais Rouxinol, Jararaca e Severiano, os quais já se encontravam, há dias, na aludida fazenda acoitados por José Cardoso.
 De Aurora, Lampião levou José de Lúcio, José de Roque e José Cocô (José dos Santos chumbim), todos naturais da região de Antas, tendo sido incluídos no subgrupo de Massilon.
No dia 13 de junho de 1927, Lampião ataca a cidade de Mossoró, a mais importante do interior do Estado potiguar. ”Após quarenta minutos de fogo, já tendo tomado duas ruas, Lampião ordena a retirada. Fracassara o seu maior plano (55)
Após o frustrado ataque à cidade norte –riograndense, Lampião bate em retirada, entrando no Ceará pela cidade de Limoeiro, onde não é importunado. Ali fez dois reféns a resgate – pessoas idosas e de destaque social, e teve a petulância de, com seu grupo, posar para uma foto, no dia 16 daquele mês.
Ante a ameaça de invasão das cidades da zona Jaguaribana e já havendo um plano de combate ao famigerado bando, juntaram-se contingentes policiais de três estados – Ceará, Rio Grande do Norte e Paraíba – numa quixotesca campanha contra Lampião, tendo sido nomeado “comandante geral das forças em operações“ o oficial cearense, Moisés Leite de Figueiredo (Major).
No dia 16 de junho, a força paraibana havia seguido para Limoeiro, mas ao chegar ali, Lampião já tinha levantado acampamento. Prosseguindo em sua retirada pelo território cearense, com um grupo reduzido a trinta e poucos homens, em virtude da morte de dois dos mais temíveis cangaceiros – Jararaca e colchete – e das deserções que se seguiram ao malogrado ataque, inclusive a de Massilon Leite e seu sub-grupo, Lampião é perseguido por volantes, com as quais tava combates.
Dentre estes, o mais intenso foi o travado no dia 25 de junho, na Serra da Macambira, município de Riacho do Sangue, no qual Lampião, mais um vez, provou a sua invencibilidade. Enfrentando uma força de mais de trezentas praças, sob o comando exclusivo do tenente Manoel Firmo, este sendo auxiliado por nove tenentes – José Bezerra, Ózimo de Alencar, Luiz David, Veríssimo Alves, Antonio Pereira, Germano Sólon, Gomes de Matos, João Costa e Joaquim Moura, Lampião pôs-se em fuga incólume, deixando quatro soldados mortos. Seguram-se combates menores em cacimbas (Icó), Ribeiro, no vale do Bordão de Velho, e Ipueiras os dois últimos no município de Aurora, com o rei do cangaço levando a melhor.
No dia 28 de junho, Lampião contorna a serra do Pereiro, passando pelas serras vermelhas, Michaela e Bastiões- o Grupo marchava a pé, por veredas e nunca por estradas – tendo a tropa em seu encalço. É aí que Lampião resolve derivar para o lado do cariri e continuar a retirada em direção ao município de Aurora, onde esperava encontrar refúgio no valha Couto do seu “amigo” Isaias Arruda.
Em seu livro “ Lampião no Ceará, narra o major Moisés Leite Figueiredo que, no dia 1º de julho de 1927, Lampião com seu grupo estacionava no alto da serra de Várzea Grande no lugar olho d’água das éguas.
E que ali perto, no lugar Ribeiro, já se encontrava as forças do tenente Agripino Lima, José Guedes e Manoel Arruda – o primeiro, da polícia do rio grande do norte, e os dois últimos, da polícia paraibana, valendo salientar que tais contingentes totalizavam “cerca de duzentos homens, bem aparelhados, no dizer do major Moisés. A tropa que teve encontro com os bandoleiros foi a do tenente Arruda, empiquetada no sítio Ribeiro, onde aconteceu um fato tão misterioso, quanto engraçado.
Não obstante o lugar se achar “bem guarnecido”, ao clarear a barra, o grupo de bandoleiros, sem sofrer o menor revés, passou entre as trincheiras, nas quais os soldados dormiam, para só despertarem depois, com cerrada fuzilaria, quando os bandidos não estavam mais ao alcance da pontaria da polícia” O grupo ocultou-se no vale do Bordão de Velho.
Do local onde estava Lampião enviou dois cabras à casa de João Cabral, morador ali perto, convidando-o a vir a sua presença. João Cabral a tendeu e Lampião disse-lhe estar com fome e sede, pedindo alimento e água para o grupo, no qual foi atendido.
Marchando pelo pé da Serra da Várzea Grande, Lampião chega a fazenda Malhada Funda, onde faz alto, sendo recebido por Gregório Gonçalves, que, após saber com quem estava falando, perguntou a Lampião em eu podia servi-lo.
Este respondeu “só quero comida para minha rapaziada. Gregório Mandou matar o boi que estava no curral, e duas ou três ovelhas. Os cangaceiros estavam com tanta fome, que não esperaram. Comendo as carnes sapecadas. Os quartos de ovelha, eles colocaram nos bornais sobressalentes, junto com farinha e rapadura.
Ao retirar-se, Lampião levou João Teófilo como guia. Este saiu montado num burro que o bandoleiro havia tomado de um cidadão que estava comprando rapaduras. O bando saiu na direção sudeste do município. Lá muito adiante, o guia foi substituído por outro de nome David Silva, tendo lLmpião recomendado a João Teófilo pra só voltar quando escurecesse, e que não fosse pelo mesmo caminho.
Continuamos a narrativa, baseada no livro do major.
“em sua marcha, Lampião procurou a Serra do Coxá, na divisa do município de Aurora com o de Milagres, burlando a vigilância dos policiais, de tal modo que estes se afastavam do ponto em que estavam os bandidos, tomando o rumo de Boa Esperança, Serrote do Cachimbo, Riacho dos Cavalos, Ingazeiras e Milagres.
Como se vê, Lampião era um perito em estratégia Militar. Uma de suas táticas consistia em ludibriar a polícia que andava no seu encalço, como fez, quando procurou a Serra do Coxá. Deste modo, tornou-se inócua a providência do Major Moisés, designando o tenente Caminha para colocar piquetes nas estradas, uma vez que, por estas, não passaria o grupo de bandidos.
Enquanto Lampião ficava escondido na Serra do Coxá, o tenente Manoel Firmo seguia para o lado oposto, isto é com a sua tropa, passava de trem por Aurora, em demanda ao cariri, sem dar satisfações ao seu chefe, major Moisés, que naqueles dias se encontrava em nossa cidade, em tratamento de saúde. Com o tenente Manoel Firmo, viajavam os tenentes Luis Leite, Laurentino, Moura Germano, em passeio a Juazeiro e Crato, totalmente despreocupados com os bandidos.
Para piorar a situação do “comandante das tropas“ em operações”, chegavam em Aurora o contingente comandado pelo tenente Agripino de Lima, que conduzia trinta e quatro animais de montaria, tomados a fazendeiros de Icó, Peneiro e Jaguaribe.
Quando o Major pensava que o oficial vinha em seu auxilio, o tenente Agripino comunicava-lhe que resolvera abandonar a campanha e voltar para o Rio Grande do Norte. Diante disso, o Major Moisés apreendeu os referidos animais, entregando ao Sr. Vicente Leite de Macedo, com a recomendação de devolvê-los aos respectivos donos.
Além dos animais tomados a sertanejos, o Major Moisés constatou irregularidades na tropa do tenente Agripino, como a venda de munição feita por praças e muitas destas se entregando à embriaguez.
A atitude do tenente Manoel Firmo, viajando para Juazeiro e Crato, arrastando o grosso da tropa e quatro tenentes, deixou o comandante Moisés “num mato sem cachorro”.
O Major viu-se na contigência de pedir ajuda – imagine o leitor a quem?
Ao coronel Isaias Arruda, o mesmo que, tempos atrás, havia acoitado Lampião, mas que, agora, dava uma de perseguidor do bandoleiro, pondo oitenta e sete cabras à disposição do major Moises.
Se no combate travado com os bandidos, na Serra da Macambira, havia cerca de 400 praças, como se explica ter o major Moisés levado para Ipueiras apenas 15 soldados. Descoberto o paradeiro de Lampião no alto da Serra do Coxá, destacaram-se elementos de confiança para, aproximando-se do grupo, conhecerem melhor a sua posição, dentre eles Miguel Saraiva, tio de um dos bandoleiros e morador nas proximidades.
Foi então que o Major Moisés e Isaías Arruda conceberam um estratagema, que consistia em preparar um almoço para Lampião e seus cabras, na casa de José Cardoso, em Ipueiras, e juntos, abaterem o bandido  nas horas conveniente.
Miguel  Saraiva se faz acompanhar de oito homens que se apresentam a Lampião, fingirem que são perseguidos pela polícia, e para melhor comover o chefe do bandoleiros, lamentam e choram a sua desgraça, tentando com isso, infiltrar-se no bando.
“Alguns bandoleiros aceitaram a presença de novos companheiros, mas Lampião logo faz sentir que não acolhia em seu grupo pessoas que lhe fossem estranhas” os oito homens de Miguel Saraiva tinham recebido instruções para atacar os bandidos na hora em que o grupo” descansasse” a armas para almoçar.
Simultaneamente, os soldados e jagunços puseram-se discretamente em volta de casa, prontos para fechar o cerco aos bandidos, no momento oportuno. Mas o ardil fracassou, porque Lampião, sagaz, arisco e desconfiado, chegou a rejeitar o almoço oferecido por Miguel Saraiva. E colocou sua gente em pontos diversos e estratégicos.
Eis como o major Moisés descreveu o tiroteio,
“Conhecido o fracasso do estratagema, fomos impelidos a atacar os bandidos, com ímpeto, de sorte que, em pouco tempo, estavam debaixo de cerrada fuzilaria. A luta teve início pouco mais ou menos ‘às 12 horas do dia 7 de julho, tendo uma duração de mais de três horas; terminou infelizmente, porque os bandido caíram em fuga, e no campo deixaram dois mortos, um queimado, que recebeu vários ferimentos, e outro também morto na ocasião em que fugia”
Essa foi a história narrada pelo major Moisés no citado livro. Entretanto, existe outra versão para o episódio segundo nos contaram Róseo Ferreira e Vicente Ricante que, na época, moravam nas proximidades da fazenda Ipueiras, a coisa aconteceu assim.
O Major Moisés Leite e o Coronel Isaías Arruda combinaram um plano de acabar com Lampião, assim que este chegasse em Ipueiras, pois sabiam que o grupo vinha desmuniciado e bastante desfalcado, em conseqüência da derrota sofrida em Mossoró e das deserções que se seguiram ao frustrado ataque àquela cidade norte rio-grandense.
Lampião ficara na manga com a cabroeira. Convidado para almoçar na casa de José Cardoso, na citada fazenda Ipueiras, o rei do cangaço compareceu com alguns dos seus rapazes. Quando Miguel Saraiva chegou e pôs sobre a mesa o alguidar contendo o almoço envenenado, Lampião tirou do bornal uma colher de latão e meteu-a na comida. Quando puxou a colher, o bandido notou mudança de cor e deu alarme.
“ninguém come desta comida. Esta comida está envenenada! Nisto, Lampião e os seus cabras conseguem romper o cerco de um cordão de jagunços e soldados a paisana que se formara em volta da casa, e outro em volta da casa, e correm para a manga onde ficara a maior parte da cabroeira, sendo atacados pelo cabras de Isaías e soldados do major Moisés.
Ao mesmo tempo em que estrugiu a fuzilaria, os atacantes lançaram fogo na manga, por todos os lados do local em que estavam os cangaceiros. Lampião investiu várias vezes contra os atacantes, conseguindo, por fim, escapar por um corredor. Lampião perdeu dois cangaceiros, um queimado e ferido por ocasião do ataque. O outro, com ferimento no ouvido, ficou em Ipueiras, em tratamento, mas os coiteiros acabaram de matá-lo, tocando fogo no cadáver...
Ao escapar do cerco de Ipueiras, Lampião tomou o rumo da Serra do Góes, perto de São Pedro do Cariri, atual Caririaçu. Veja o leitor o Zig- zag feito por Lampião para confundir a polícia. No dia 7 de julho, saiu de Ipueiras, desceu pelo riacho do Pau Branco, atravessou o rio Salgado no lugar Barro Vermelho, passou pelos sítios Jatobá e Brandão, fazendo“ alto “ em vazantes.
Na Serra dos Quintos, fez um refém – o Sitiante Joaquim de Lira – para ensinar o caminho para a Serra do Góes, aonde chegou, no início da noite. Na manhã do dia 9, Lampião deixou a Serra do Góes e rumou para o município de Milagres, atravessando a via - férrea no lugar Morro Dourado.
O Major Moisés havia mandado tomar as ladeiras da Serra do Mãozinha e são Felipe, por onde poderia passar o bandoleiro. Mas Lampião, mais uma vez, conseguiu burlar a foça policial e penetrou no Estado da Paraíba, pela Serra de Santa Inês, no rumo de Conceição do Piancó, de onde prosseguiu em fuga para Pernambuco.
*54 Frederico Pernambucano de Melo, op. Cit. P 32
* TEXTO EXTRAÍDO DO LIVRO AURORA HISTÓRIA E FOLCLORE, AMARÍLIO GONÇALVES TAVARES P. DE 138 A 146 IOCE, 1993 - CAPÍTULO 15

A Cadeia Velha de Pombal

Verneck Abrantes (*)
A cidade de Pombal localiza-se no alto sertão da Paraíba, foi o primeiro núcleo populacional do interior sertanejo. Foi ela quem deu origem a outros núcleos habitacionais da região. Na velha cidade, entre outros marcos históricos, destaca-se a Velha Cadeia, que mantêm ainda suas linhas arquitetônicas, denunciando em nosso tempo, a introdução de um marco da era imperial no alto sertão paraibano. Desativada como presídio, a Velha Cadeia deveria ser o Museu do Cangaceiro, o que bem caracterizaria sua história, mas o projeto não foi adiante.
Alicerçada no ano de 1848, famosa porque concentrava presos perigosos do Estado e cangaceiros da década de 20 e 30 do século passado, a Velha Cadeia não abriga mais presos, mas uma instituição denominada de Casa da Cultura, necessitando de mais zelo e maior identificação com sua história.
Em suas celas de parede largas e piso de tijolos rústicos passaram muitos criminosos que marcaram época, a exemplo: Donária dos Anjos, que durante a seca de 1877, segundo a própria, “para não morrer de fome”, matou uma criança e comeu sua carne. O bandido “Rio Preto”, que se dizia, tinha um pacto com o diabo: “era curado de bala e faca, no seu corpo os punhais entortariam as pontas e as balas passariam de raspão”. Ferido à bala por vingança, “Rio Preto” morreu dentro da velha cadeia.
Outro preso famoso foi Chico Pereira, que após a morte de seu pai se fez um dos grandes chefes do cangaço no sertão da Paraíba. Os fanáticos Pretos da “Irmandade dos Espíritos da Luz”, chefiados por Gabriel Cândido de Carvalho, depois da prática de crimes, também tiveram sua participação na história da velha cadeia.
Mas entre muitos acontecimentos, um se destaca pela audácia: Jesuíno Brilhante, cangaceiro inteligente, com certa instrução educacional, foi protagonista da história, que se deu da seguinte forma: Lucas, irmão de Jesuíno, cometeu um crime em Catolé do Rocha, foi preso e remetido, havia tempo, para cadeia de Pombal, onde estavam mais de 50 presos da cidade e de outras vizinhanças. Como o julgamento estava demorando, Jesuíno tomou a decisão de libertar o irmão. Às duas horas da manhã de 19 de fevereiro de 1874, numa quinta feira, chovendo bastante, não havendo ronda noturna, Jesuíno Brilhante, seu irmão João Alves Filho, o cunhado Joaquim Monteiro e outros, perfazendo um total de oito cangaceiros, todos montados a cavalos, atacaram de surpresa a Velha Cadeia, que na época era guarnecida por um cabo, onze soldados da Guarda Nacional e um da Polícia. Despertando-os a tiros, dizendo em voz alta os nomes dos primeiros atacantes, destacados como os mais importantes do bando, dando viva a Nossa Senhora, os oitos cangaceiros conseguiram dominar todos os soldados. Enquanto isso, os presos acendiam velas e lamparinas para iluminar as celas. Os cangaceiros se apoderaram das armas e munições, distribuiriam com presos que, aos poucos, iam ganhando liberdade e ajudando no ataque. Arrebentaram cadeados, fechaduras, dobradiças, grades e saleiras com pedras, machados e outros instrumentos. Foi um verdadeiro levante, na maior algazarra.
Depois se retiraram gritando pelas ruas, quando já se tinham evadido 42 presos de justiça, ficando 12 que não quiseram fugir. Os fugitivos tomaram rumos diversos, não constando nos autos a captura de um só criminoso. Nunca tantos presos deveram tanto, a tão poucos bandoleiros.
Hoje, a Cadeia Velha, que resiste à passagem do tempo, é um marco da era imperial encravada no sertão da Paraíba, uma relíquia da memória pombalense, que faz parte do centro histórico da nossa querida cidade.
Então, quando estiver em Pombal, visite a Cadeia Velha – A Casa da Cultura – os seus passos serão os de muitos que ali passaram e fizeram história, infelizmente, de muitos crimes.
(*) Agrônomo, pesquisador e sócio da SBEC.