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quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

Eduardo Coutinho ouve e grava o canto do povo

Paulo Henrique Silva - Repórter
cinema cineasta eduardo coutinho
"Colhemos de tudo, até canções próprias; só não tem funk, mas gostaria que tivesse", diz o cineasta
No Centro do Rio de Janeiro, Eduardo Coutinho entrevista 42 pessoas que relacionam a vida a determinadas músicas

FORTALEZA* – Falar de um filme que ainda não está pronto “dá um azar danado”, considera Eduardo Coutinho. Diretor de alguns dos mais importantes documentários brasileiros, casos de “Cabra Marcado para Morrer” e “Jogo de Cena”, um dos homenageados do festival Cine Ceará, ele quebra a regra e revela detalhes do projeto que define como “cante e conte”.
O realizador paulistano, de 78 anos, entrevistou 42 pessoas que relataram casos particulares relacionados a determinada música. Coutinho ainda não sabe o que será aproveitado no material final, mas adianta que tudo se resume a dois temas: amor e morte. “Tinham que saber cantar minimamente. Não com beleza, mas com força. Só o contar não interessava”.
O interesse por cantores anônimos é antigo, esboçado em vários filmes em que deixa vários de seus depoentes se manifestarem pela música. “Já cantaram até ‘My Way’, mas nunca me preocupei com direitos autorais. Eles cantam a capela, não teria porque pagar. Não é um fonograma. Além disso, meus filmes não dão dinheiro”, defende o realizador.
Coutinho não interferiu na escolha das músicas em seu novo filme. O que importava era a relação com a história pessoal. “Se me falassem que escolheram por uma razão estética, por causa do intervalo de quarta, eu caía fora. Se a música é tecnicamente extraordinária, não me interessa. Colhemos de tudo, até canções próprias. Só não tem funk, mas gostaria que tivesse”.
Boa parte das músicas é antiga, muitas delas de dor de corno. “Falam de um Brasil antigo”, entrega. Outra curiosidade: ninguém se arriscou a cantar músicas estrangeiras. 
Coutinho buscou ser o mais plural possível, entrevistando representantes de todas as classes sociais, recrutados no Largo da Carioca, no Centro do Rio de Janeiro. “Ali tem de tudo, da classe média à favela”.
Entre os longas, o novo projeto parece ser o de concepção mais simples. Em uma semana, no mês de fevereiro, Coutinho realizou todas as entrevistas, concentradas no mesmo estúdio onde filmou “Jogo de Cena”.
No trabalho anterior havia certo aparato técnico. Agora, o despojamento é total. “Queria um filme que fosse barato e que pudesse ser feito de forma imediata”, explica o veterano cineasta. Uma das razões é o desgaste com o envolvimento numa produção maior e sob encomenda, que exigiria atores e muitos técnicos. “Quando me falaram que precisaria de um diretor de arte, eu desisti. Era um filme sobre citações e saí fora faltando dois meses para as filmagens”.
Com cabelos grandes e muito magro – ele combate um enfisema pulmonar mas não larga o cigarro, Coutinho se viu impelido a falar do novo filme depois de constatar que a conversa com os jornalistas ficaria muito limitada: não poderia comentar os problemas gerados pelo penúltimo trabalho, “Um Dia na Vida”. A produção reúne imagens colhidas da programação de TV. “Nesse caso, sou proibido de falar por lei, por ser um filme clandestino, Coutinho não detém os direitos de exibição dos programas usados no documentário. Aliás, não é um filme, é um gesto, um conceito. Se não posso falar de nenhum dos dois, o que sobra? Minha infância? Também não quero falar disso”, ironiza.
Voltando à produção atual, com ou sem azar, os problemas aparecem, já na edição, e não se sabe ainda “para que lado (o longa) vai”. Coutinho define a montagem como imprevisível, “onde se descobre o filme após feito ou muitas vezes nem chegando a descobrir, conforme aconteceu com ‘Moscou” (documentário lançado em 2009 com o grupo de teatro Galpão).
Outro destaque no Cine Ceará, em Fortaleza – que prestou homenagem a Coutinho e ao ator Chico Diaz – é a história do casal de cangaceiros
Moreno e Durvinha, que se refugiou em Minas Gerais após a morte de Lampião. A saga é retratada pela primeira vez no documentário “Os Últimos Cangaceiros”, apresentado semana passada no centenário Theatro José de Alencar, durante a 21ª edição do festival.
Um dos filmes mais aguardados da programação, a produção de Wolney de Oliveira registra “a história de amor surgida em meio à selvageria”, conforme destaca
João de Souza Lima, historiador que trabalhou como consultor no longa-metragem e autor do livro “Moreno & Durvinha – Sangue, Amor e Fuga no Cangaço”.
Festival destaca saga de cangaceiros
Após acompanhar a exibição de “Os Últimos Cangaceiros” na capital cearense,
Nely Maria da Conceição não segura a emoção ao falar dos pais (Durvinha faleceu em 2008; Moreno, no ano passado), destacando, principalmente, a oportunidade de ter reencontrado o irmão, Inácio, que foi deixado com um padre em Pernambuco quando a dupla fugiu do sertão, andando por três meses até chegar a Montes Claros.
Os Últimos Cangaceiros” menciona esse encontro, ocorrido mais de 60 anos depois, jogando com o paradoxo entre pais procurados pela Justiça e o filho que se tornou policial.
O documentário tem narrativa leve e divertida, arrancando risadas da plateia com as lembranças de Moreno e Durvinha. Moreno, que morreu com 100 anos de idade, fala com simplicidade do tempo em que matou 21 pessoas, apesar de ter guardado seu passado a sete chaves por várias décadas – com medo de ser preso.
Nem mesmo os filhos sabiam da história. Boa parte da entrevista foi feita em Belo Horizonte, onde o cangaceiro foi “descoberto” pela mídia. O filme de Wolney Oliveira é o primeiro documentário sobre o cangaço e tem como ponto alto um farto material de arquivo, caso das imagens inéditas de outro casal de cangaceiros, Corisco e Dadá.
Do bando de Lampião, hoje resta apenas Aristeia, 98 anos, também presente ao lançamento de “Os Últimos Cangaceiros”.

(*) O repórter viajou a convite da organização do Cine Ceará

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