Seguidores

sexta-feira, 22 de julho de 2022

DAS 3 MAIORES BATALHAS NO FOGO DO SERROTE PRETO

 Por Valdir José Nogueira de Moura.


Corria o ano de 1925, em fins do mês de março daquele ano, a cidade de Vila Bela, no sertão de Pernambuco, presenciava um intenso movimento de forças volantes, sob o comando do coronel João Nunes, que havia chegado aquela cidade do Pajeú no dia 23, com numerosa força policial deste Estado, incluindo mais dois Estados, da Paraíba e Alagoas, num total de 200 homens, cujo objetivo era proceder combate ostensivo ao terror impetrado na zona sertaneja pelo banditismo.

 João Nunes

No dia seguinte da sua chegada, o coronel João Nunes distribuiu essa numerosa força em vários contingentes que seguiram no encalço de Lampião, sob o comando dos capitães José Caetano, José Lucena, tenentes, Muniz de Andrade, Pedro Malta, Hygino e Clementino.

O coronel João Nunes ficou com os tenentes João Gomes e o belmontense Sinhozinho Alencar, este como seu secretário e aquele por se achar doente.

Durante a sua estadia em Vila Bela, foi o coronel João Nunes muito visitado no Paço do Conselho Municipal, onde ficou hospedado. A notícia da sua chegada ao Pajeú deixou a princípio a população local muito esperançosa, e muito confiante nas medidas que haviam sido tomadas pelos governos dos três Estados nordestinos, ora coligados para o extermínio do bando de Lampião. Entretanto, a chegada da força policial à Vila Bela gerou comentários nas rodas de amigos, nas calçadas, nas budegas, na feira...diziam alguns sertanejos, com suas astutas experiências que não seria ainda daquela vez que Lampião, seria pilhado.

 Lampião com a visão além do alcance.

Cangaceiro dos mais terríveis que já deu o sertão de Pernambuco, o “dito-cujo” era de uma audácia sem nome. Prova-o a última façanha ocorrida em fevereiro de 1925 no “Serrote Preto”.

Sabendo da aproximação de uma força policial composta de 75 homens sob o comando de três bravos oficiais, 2 da Paraíba, e 1 de Pernambuco, tenentes Francisco Oliveira, Joaquim Adauto e João Gomes; em vez de fugirem, os cangaceiros os esperou, apesar da inferioridade numérica de seus 24 comparsas. E os esperou com uma sorte tal, que além de deixar o campo juncado de cadáveres inimigos, ainda conseguiu fazer o devido saque.

Assim é que, dias depois, de rota batida para o Pajeú passou o cangaceiro por Vila Bela conduzindo grande quantidade de armas e munições, apanhadas no conflito do “Serrote Preto”.





 Fotos de achados, fruto de uma pesquisa de campo  em Serrote Preto
do escritor Lourinaldo Telles

Como nas coisas mais sérias da vida, há sempre um lado cômico e engraçado até, dizem que Lampião prometeu não mais matar soldados, mas sim, somente oficiais, isto por ter encontrado no bolso do oficial morto 2 contos de réis, enquanto que, no bolso de um soldado, apenas 300 réis.

Lampião tinha no seu cangaço dois irmãos: Levino e Antônio Ferreira, e que nos encontros com a polícia formavam sempre três grupos, com retaguardas etc. No combate do “Serrote Preto”, foi a retaguarda de Levino que desbaratou a polícia, causando-lhe 12 mortes, inclusive dois oficiais e vários feridos.

http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Serrote%20Preto

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

O REI CANGACEIRO E A PRINCESA DOS TABULEIROS LAMPIÃO EM CAPELA, SE

 Por José Bezerra Lima Irmão

Lampião esteve em Capela (SE) duas vezes. A primeira foi em novembro de 1929. A visita foi pacífica. A segunda foi em outubro de 1930, e aí o pau comeu, e ele desistiu de entrar na cidade. Transcrevo, a seguir, trechos do meu livro Lampião – a Raposa das Caatingas, em que faço a descrição desses episódios. 

Lampião ia encontrar-se com Eronides de Carvalho, oficial do Exército que viria a ser governador de Sergipe. Primeira passagem por Dores Refeito daquela provação, Lampião desceu para Sergipe, passando novamente por Carira na manhã do dia 24 de novembro de 1929, um domingo. Demorou algumas horas no povoado, fez compras nas bodegas de Zé Martins e Balbino e rompeu na direção da Cotinguiba.

Na tarde da segunda-feira, dia 25, acompanhado de 14 cangaceiros, o Capitão Virgulino chegou a Nossa Senhora das Dores, dirigindo-se diretamente à delegacia de polícia. O delegado recebeu pacificamente os visitantes. Lampião mandou cortar o fio do telégrafo, para evitar que fossem alertadas as autoridades de outras localidades. Mandou avisar ao povo que tivesse calma, pois não faria mal a ninguém.


Pediu ao intendente (prefeito), Manoel Leônidas do Bonfim, que fizesse uma coleta de dinheiro com os moradores ricos da cidade. O delegado ajudou o intendente a fazer a arrecadação. Conseguiram juntar quatro contos e quinhentos mil-réis. Os cangaceiros deram uma volta pela cidade, respeitosamente, fizeram compras, comeram, beberam, pagando tudo. Circulou o boato de que Lampião ia pernoitar em Dores e pretendia promover um baile. Os pais de família ficaram alarmados. O escrivão, conceituado cidadão chamado Petronílio de Menezes Cotias, temendo por suas cinco filhas jovens, foi falar pessoalmente com o Capitão Virgulino.

O cangaceiro tranquilizou-o:
– Nun se avexe não, seu Cutia... Cuma eu já diche pro delegado, ninguém pricisa se preocupá cum nada. Tou aqui de passage. Vim a Segipe foi pra fazê amigos.

Ao anoitecer, tomou emprestados 4 automóveis e rumou para Capela, distante cerca de 3 léguas. Lampião viajou na fubica do comerciante e industrial Otacílio Menezes – dirigida pelo próprio Otacílio. No caminho, foram conversando prazenteiramente, como velhos conhecidos. No banco traseiro iam Ezequiel e Virgínio, sempre atentos.   Lampião visita Capela, a Princesa dos Tabuleiros Já chegando a Capela, num sítio denominado Sobradinho, de seu Xixiu, Lampião mandou parar o automóvel e enviou Otacílio à cidade para avisar ao intendente que queria conversar com ele. O intendente, Antão Correia de Andrade, recebeu o recado por volta das 7 horas da noite. Consultou o delegado, para saber se era possível resistir.

O delegado foi claro:
– Tá doido, Correinha?! Nem me fale uma coisa dessa! Eu só tou cum um cabo e três sordado, purque os outo foro cum o tenente Elesbão procurá uns bandido no sertão. Além disso, esses sordado nun sabe brigá, só serve pra prendê e dá pisa im cabra safado...
– Tá bem – concordou o intendente. – Já qui nun tenho cumo dexá de atendê o pidido do Home, vou buscá-lo. Dê orde pra qui os sordado nun se meta.

Não foi preciso dar a ordem, pois a essa altura o destacamento já tinha dado no pé. Uma hora depois, o Capitão Virgulino Ferreira, com o intendente à sua esquerda e tendo atrás de si sua estranha comitiva, entrou tranquilamente na cidade. Por onde passava, acenava para o povo, assegurando que não iria fazer mal a ninguém:

– É Lampião qui tá chegano... Amano, gozano e quereno bem...

Na Esquina do Padre, onde ficava a casa paroquial, os cangaceiros dividiram-se em dois grupos: uns foram com Arvoredo montar guarda no posto do telefone na Rua Pé de Banco e os outros acompanharam Lampião, que pediu ao intendente para levá-lo à agência do telégrafo. Como o telegrafista tinha ido ao cinema, Lampião deixou um cabra vigiando a agência e foi procurar o operador do telégrafo no Cine-Teatro Capela.

Cine-Teatro Capela

Naquela época os filmes eram “mudos”, e por isso durante a exibição alguns músicos tocavam modinhas para entreter a assistência. Em Capela a orquestra era um piano, uma rabeca e uma sanfona. Ouvia-se a valsa Abismo de Rosas. Quando os cangaceiros entraram no cinema, houve um rebuliço medonho. Os músicos pararam de tocar. As luzes acenderam-se. Interrompeu-se a projeção do filme. O cangaceiro Virgínio, vulgo Moderno, cunhado de Lampião, mandou que todos ficassem quietos, avisando que ninguém podia sair. Algumas pessoas conseguiram escapulir, entre elas o juiz, Dr. Otávio Teles de Almeida, que, esgueirando-se de quatro pés entre as cadeiras, alcançou uma portinhola que havia por detrás da tela, pulou o muro do cinema e foi se esconder no convento das freiras. Depois que foi localizado o telegrafista, Lampião mandou que apagassem as luzes e continuassem a passar a fita.

O filme era O Anjo das Ruas. Lampião não viu graça nenhuma naquilo e saiu do cinema. Preferia tratar de negócios. Lá fora, chamou Moderno e mandou que fosse procurar o delegado de polícia. Perguntou ao telegrafista: – Cuma é o seu nome, cabrinha? – Zózimo Lima – respondeu o rapaz.

– Quero falá ũas coisa cum você, Zosmo. Cunvessa de home pra home. Venha cá. Afastou-se para o lado, e por algum tempo conversou a sós com o telegrafista. Zózimo Lima nunca revelou o que Lampião queria. Apenas contava que Lampião lhe recomendou que não desse notícia dele. Essa explicação não convence, pois se fosse para isso não precisava falar reservadamente.

É provável que Lampião tenha pedido a Zózimo a relação dos homens ricos de Capela. Daí a pouco, Moderno retornou com o delegado, major Pedro Rocha, um homem de mais de 80 anos, remanescente da Guarda Nacional. Estava um pouco trêmulo, mas esforçava-se para se manter altivo. Lampião, respeitosamente, apertou a mão dele, tranquilizando-o:

– Fique sem sobrosso, colega. Nun vai tê arteração. O respeitável major engoliu em seco. Nunca lhe passara pela cabeça ser “colega” de um cangaceiro.

Lampião chamou o intendente: – Seu Antão, tou sabeno qui o sinhô é irmão do chefe de puliça de Segipe.
O intendente confirmou:
– É verdade, Capitão. Sou irmão do chefe de polícia estadual, Dr. Heribaldo Dantas Vieira.
– Será qui eu posso falá cum ele no telefone?
– Se o sinhô qué... – concordou o intendente.

Foram ao posto telefônico, que continuava sob a vigilância de Arvoredo. Lampião não conseguiu telefonar para o chefe de polícia porque a ligação para Aracaju dependia de conexões com postos telefônicos de outras cidades, que àquela hora já tinham encerrado os trabalhos.

Mesmo assim, Lampião deu 50 mil-réis de gorjeta à telefonista, dona Emília Sousa, e fez um pedido: – Me faça um favô, moça: amanhã, telefone pro Doutô Heribardo Viera e diga qui eu nun tenho nada contra ele, quiria falá cum ele só pra dizê qui me trate bem, cumo tou tratano o irmão dele. Sabendo que estava para chegar um trem procedente da capital, Lampião foi à estação ferroviária, na Rua São Pedro, aguardar a chegada do comboio. Por precaução, levou também o intendente, o delegado e o telegrafista. Não custou muito, ouviu-se o apito da locomotiva.

Quando o trem parou, soltando uma fumaça espessa que enegreceu tudo, alguns passageiros começaram a descer, sendo imediatamente abordados pelos cangaceiros. Outros, percebendo o que estava acontecendo, entraram em desespero e começaram a pular pelas janelas, do outro lado da plataforma, num desvario indescritível. Um dos que desembarcaram normalmente era um soldado chamado Gilberto Santos. Lampião segurou-o pela túnica, arrebatou-lhe o fuzil e perguntou:

– Macaco, você é de onde? Baiano ou segipano?
– Sou de Araca...caju... – respondeu o soldado, tremendo.
– Tu é de sorte, visse? Se tu fosse da puliça da Bahia eu ia tirar o teu couro agora mermo, cê nun ia dá nem um pio!

Examinou o fuzil do soldado com ares de entendido, tirou as balas e devolveu-lhe a arma, dizendo:
– Home, esse fuzi seu é mais véio do qui a Lua... Andá cum isso aí é o mermo qui andá cum um cacete... Vá simbora.

O soldado ia saindo, quando Lampião o chamou de volta:
– Você, assim cum essa farda, pode se incontrá cum meus minino e vão querê fazê argũa brincadera. – Chamou um cangaceiro e ordenou:
– Acumpãe esse macaco até o quarté.


Os cangaceiros tinham prendido o chefe da estação. Virgulino ordenou que lhe fosse entregue a renda. Conforme fazia nas localidades por onde andava, o Capitão avisou ao intendente que ele devia conseguir alguma contribuição dos homens ricos da cidade. Pediu inicialmente 20 contos de réis. Em face das ponderações do intendente, que explicou estar a região atravessando três anos de seca, sendo difícil juntar tanto dinheiro, Lampião reduziu a exigência para 6 contos, dizendo que sabia o que representam as secas, pois era filho do sertão de Pernambuco.

O próprio delegado de polícia, Pedro Rocha, foi encarregado de fazer a coleta entre os moradores de maiores posses. Quando o delegado chegou com o dinheiro arrecadado – só conseguira 5 contos –, Lampião mandou que fosse entregue a Moderno. O cangaceiro contou as notas por alto e meteu o pacote no bornal. Depois dos negócios, era chegada a hora de se divertir. Sempre acompanhado do telegrafista, por recear que ele tivesse algum meio de se comunicar com outras localidades, apesar do adiantado da hora, Lampião deu um giro pela cidade. Pediu que abrissem algumas lojas, pois os meninos queriam fazer compras. E de fato os cangaceiros compraram muitas coisas, inclusive joias, nas casas dos ourives Alfredo Assis e Euclides Silva.

Na Casa Stella, estabelecimento comercial de Jackson Alves de Carvalho, na Praça do Mercado, Lampião viu uma capa de chuva de gabardina e um parabelo. O parabelo era de uso pessoal do comerciante. A capa de borracha, também – o avô de Jackson criara um rapaz que se tornou suboficial da Marinha, e a capa era um presente que Jackson recebera do “tio”.

Lampião disse que ia levar a capa e o parabelo. Perguntou quanto devia. – Nada não, Capitão, eu... – Não sinhô, seu Jaque – contrapôs o cangaceiro –, a um home de sua marca nun se dá prijuízo. – Meteu a mão no bolso, tirou 500 mil-réis: – Tou lhe pagano. O comerciante, em agradecimento, presenteou o cangaceiro com um livrinho intitulado Vida de Jesus, da escritora adventista norte-americana Ellen G. White, apondo na folha de rosto a seguinte dedicatória: “Ao intrépido forasteiro Capitão Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião, com um abraço de Jackson Alves de Carvalho. Capela, 25 de novembro de 1929”.

Noutra loja, Lampião comprou uma lanterna de pilhas. Pagou sem pechinchar. Do mesmo modo que acontecera em Carira e meu ip Poço Redondo, passado o susto inicial, aos poucos foi-se espalhando a notícia de que não havia perigo, Lampião não ofendia ninguém. Então muita gente foi chegando para ver de perto o Rei do Cangaço. Por onde Lampião e seus cabras passavam eram acompanhados por muitos moradores da cidade. Custava acreditar que aqueles eram os tão temidos cangaceiros de tantas histórias tenebrosas que corriam de boca em boca nos sertões. Na parede do salão de sinuca de Manoel Pestinha, na Praça do Mercado, Lampião escreveu com o bastonete de giz de marcar os pontos do jogo:
“Capela – 25-11-29 Salvi Eu capm. Virgulino Ferreira Lampeão Deixo Esta Lça. para o officiá qui aqui parçar em minha priciguição, apois tenho gosto que Voceis me prisigam. Discurpe as letra qui sou um bandido cumo voceis me chama pois eu não mereço. Bandido e voceis que andam robando e deflorando as famia aleia porem eu não tenho este custume todos me desculpe a gente a quem me odiar. Aceite Lça. do meu irmão Ezequiel Vurgo Ponto Fino e de meu cunhado Virginio Vurgo Moderno.”  
Até o vigário de Capela, cônego José da Mota Cabral, conhecido como Padre Juca, veio falar com Lampião. Alguns cangaceiros pediram-lhe a bênção. O padre aconselhou-os a deixar a vida de crime. Lampião pediu ao telegrafista para levá-lo a uma pensão, pois os meninos estavam com fome. O telegrafista levou-os à Pensão Comercial, de dona Irinéia, uma senhora gorda, baixa, conversadeira. Enquanto preparava a comida, dona Irinéia não calava a boca: – Ói, seu Capitão, eu tenho galinha, frango, porco, carne de porco, galinha, frango, porco... Lampião impacientou-se: – Mĩa sinhora, se acalme!... Desse jeito vai até passá a mĩa fome!... Foi o telegrafista quem provou a comida antes que o grupo se servisse, pois Lampião receava que pusessem veneno nos alimentos. Não satisfeito com essa precaução, o cangaceiro mergulhou uma colher de prata na comida, meio que considerava seguro para detectar a presença de veneno.

Depois do jantar, os cangaceiros passaram perfume no corpo e foram passear de automóvel. Por volta da meia-noite, dirigiram-se para o cabaré, que chamavam de “distrito”, na Rua Coelho Campos, e ali foram se revezando: enquanto uns montavam guarda, os outros se divertiam com as mulheres. Lampião levou para o quarto uma mulata chamada Enedina. Ela quis ajudá-lo a despir-se. Lampião disse: – Nun pegue im nada. O cangaceiro encostou o fuzil na parede, e logo estava pronto para a função – de roupa e tudo, não tirou nem as alpercatas. Durante o procedimento, Moderno ficou na esquina, a uns 10 metros, e Arvoredo foi vigiar o fundo da casa. Enedina gostou do chamego. Perguntou: – O sinhô tem mulé? – Não – respondeu Virgulino. – Home qui veve nesta vida nun pode tê pensão. Enedina ficou rica – ganhou 70 mil-réis! Às 3 horas da madrugada, Lampião soprou o apito para reunir o grupo.

Os cangaceiros entraram nos automóveis que tinham sido requisitados em Dores. Lampião apertou a mão do intendente, acenou para o delegado e os demais, e disse: – Adeus! Nun aperto a mão de todos pra nun gastá... Satisfeito com o próprio gracejo, entrou no carro. O intendente não acreditava que estivesse livre do problema. Na fazenda Pedras, Lampião mandou parar os veículos. Despediu-se de Otacílio: – Vamo ficá aqui, seu Otacilo. Tou ino pra Aquidabã. Até mais vê, e munto obrigado. Quando os automóveis se foram, o bando tomou o rumo de Canhoba. No dia seguinte, o chefe de polícia de Sergipe fez seguir para Capela em trem especial um contingente de 50 praças sob o comando do coronel Severino Gonçalves.

A segunda passagem Tiroteio em Capela 

Lampião sentia-se tapeado pelos sergipanos. Até então, em suas incursões por Sergipe ele se limitara a pedir dinheiro, montarias e certos favores. Não permitia que seus homens maltratassem ninguém.

Na primeira vez em que esteve em Capela, foi recebido pelo prefeito (intendente), conversou com o padre, teve até tempo de namorar certa criatura, mas foi só dar as costas todo mundo virou valentão. Nos jornais ele era chamado de tudo o que havia de ruim. Estava disposto a dar uma lição naquela terrinha de gente ingrata. No início da tarde do dia 15 de outubro de 1930, o bando passou pelo povoado Outeiro, onde o fazendeiro Alvino Ferreira e sua família foram submetidos a maus-tratos, sendo por fim incendiado o seu paiol de algodão. Por volta das 3 horas, Lampião chegou à fazenda de Félix da Mota Cabral, nos arredores de Capela. O fazendeiro era irmão do vigário, José da Mota Cabral (Padre Juca). No momento, Félix Cabral estava vendendo gado a uns marchantes. Os cangaceiros apoderaram-se dos cavalos dos marchantes.

Dali, parte do bando seguiu para a fazenda Lavagem, e Lampião desviou-se com os demais para o engenho Tabocal, de seu Ioiô, levando Félix como guia. Os cangaceiros submeteram os moradores a vexames, tomaram dinheiro de quem tinha, aplicaram bolos de palmatória em uma garota. A mocinha apegou-se a Félix Cabral: – Seu Félis, pur Nossa Sinhora, nun dexe esse home me batê!... Seu Félix disse:  – Mĩa fia, eu nun posso fazê nada... eu tamém tou preso... As cenas de maus-tratos repetiram-se na fazenda Pedras, do velho José Cabral. No caminho, os cangaceiros capturaram Jucundino Calasans, do engenho Recurso, e levaram-no como refém, juntamente com José Xavier de Andrade e Renato Sousa. Lampião tomou emprestado um automóvel e rumou para a cidade, com a cabroeira atrás, a cavalo. Pretendia entrar em Capela em grande estilo, como da vez anterior.

Chegando perto, na localidade Lá Vem Um, mandou parar o veículo, a fim de esperar os cangaceiros, e despachou um mensageiro, com a incumbência de informar às autoridades sua intenção de entrar pacificamente na cidade. Mandou dizer que estava com 50 homens – na verdade eram somente 18.


Os moradores entraram em pânico. Tinha-se notícia do que acontecera em Queimadas, logo após a passagem do bando por Capela no ano anterior. Encontravam-se em Capela uns soldados vindos de Vila Nova (atual Neópolis), em diligência relacionada com a Revolução de Outubro. Em Sergipe, a “revolução” era uma coisa mais ou menos fictícia, pois, a rigor, ninguém sabia do que se tratava, e não havia luta, apenas perseguição a adversários. O sossego da tropa acabou quando estourou a notícia de que Lampião estava para chegar. Apesar do apelo da população, o comandante contrapôs que estava ali para reprimir revoltosos, e não para lutar com cangaceiros. Num abrir e fechar de olhos, os milicos sumiram. Dois soldados do destacamento local estavam na casa do médico Odilon Machado.

Encorajados pelo major Honorino Leal e por um viajante comercial que estava de passagem por Capela, chamado Josias Mota, que dizia ser aposentado da Marinha, os soldados disseram que estavam dispostos a impedir a entrada dos cangaceiros, desde que contassem com o apoio dos civis. Josias e o major mandaram chamar todos os homens que tivessem armas em casa. Despacharam de volta o mensageiro: podia dizer a Lampião que se quisesse entrar, entrasse, mas seria recebido à bala. Lampião não se mostrou surpreso com a resposta e apenas disse: – Ah, entonce, se é assim qui quere... Félix Cabral, temendo o pior, prontificou-se a ir conversar com o intendente, com o delegado, com o padre. – Coroné, o sinhô vai mais nun vorta... – desconfiou Virgulino.

– Sou home de palava, Capitão! – respondeu Félix. – Se lhe digo qui vou e vorto, vou e vorto! – Apois vá. Mais fique sabeno, coroné: se o sinhô nun vortá, eu vou nas suas fazenda, mato seu gado e toco fogo nas suas cana, arraso tudo!... Félix Cabral montou no burro e foi à cidade. Quando começou a expor suas razões, Josias Mota nem quis ouvir o resto: – Seu Félix, o sinhô mi discurpe, mais o sinhô tá preso. Nun sabe qui é crime sê coitero? Félix se exaltou: – Eu, preso?! Quem você pensa qui é?! Vim só dá um recado, e já qui nun quere acordo, vou vortá e dizê a resposta!... – Ah, nun vai não... – Vou, eu dei mĩa palava qui vortava, e vou cumpri! – Cum bandido ninguém sustenta palava, seu Félix!

Enquanto isso, os boatos corriam soltos na cidade – o coronel Félix Cabral estava preso! Era coiteiro! Amigo de Lampião de longa data! Lampião ia invadir a cidade para soltar o amigo! Capela ia pegar fogo! O mundo ia se acabar! Àquela época era raro o homem que não tivesse uma arma. Todo fazendeiro tinha um ou vários rifles, revólveres, garruchas. Os pobres tinham pelo menos uma espingarda de caça. Naquele momento terrível, com a notícia de que a cidade estava cercada pelos cangaceiros, o medo virou coragem, até as mulheres se armaram. Josias Mota organizou a defesa. Pôs atiradores nos telhados e até na torre da igreja de Nossa Senhora da Purificação.

Enquanto esperavam a volta de Félix Cabral, os cangaceiros esvaziaram o estoque de bebidas de uma bodega no Lá Vem Um. Como desconfiassem de veneno nas bebidas, o dono do boteco era obrigado a beber primeiro sempre que abria uma nova garrafa. Resultado: foi o primeiro a ficar bêbado.

E nada de Félix voltar. Lampião decidiu:

 – Nóis vamo dá uns tiro, qui é pra eles nun dizê qui nóis saiu sem brigá, cum medo. Volta Seca e Pretão ficaram tomando conta dos cavalos e do automóvel, e os demais se dirigiram à cidade. Quando os cangaceiros apontaram, estourou a fuzilaria. Além dos tiros vindos da cidade, vinham também tiros da retaguarda, como se os moradores pretendessem cercar o bando. Atiravam até da torre da igreja.

Os cangaceiros espalharam-se em quatro grupos e começaram a atirar também. Seus alvos principais eram o fundo da casa de Antão Correia e o oitão da casa do médico Odilon Machado. Uma bala entrou ninguém sabe por onde e furou o piano, que Odilon tinha comprado por uma fortuna. Os reféns aproveitaram o pandemônio e fugiram. Já estava anoitecendo, e Lampião percebeu que aquele ataque não fazia sentido.

Dois cangaceiros estavam feridos: Gato e Beija-Flor. Para completar a confusão, os cangaceiros que tinham ficado na retaguarda tomando conta dos animais não reconheceram os companheiros e abriram fogo contra eles, sendo preciso pôr os chapéus na boca dos fuzis e levantá-los acima das ramagens para serem identificados. Os moradores ouviram um apito, e num segundo os cangaceiros sumiram.

Custava acreditar que o pesadelo havia passado. Adroaldo Campos (Dudu da Capela), o rábula da cidade, que andava de muletas por ser aleijado, pegou a corda do badalo do sino e anunciou as Ave-Marias. Nunca o povo de Capela agradeceu com tanto fervor o amparo de Nossa Senhora da Purificação."

Imagens pescadas no acervo de Junior Gomes - Sergipe em Fotos

http://lampiaoaceso.blogspot.com/search/label/Capela

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

23 DE AGOSTO DE 1927, NO “O IMPARCIAL”

Do acervo de Rubens Antônio

O RASTRO DE LAMPEÃO

Um depoimento vivo e palpitante do guia do terrível faccinora
As ameaças do bandido

FORTALEZA, 2 (Impacial) – Pelo Correio – A passagem de Lampeão pelo territorio cearense constitue algo de interessante e, ao mesmo tempo, impressionante. A respeito, publicou o jornal “O Ceará” uma carta do sr. José Gonçalves da Silva, que serviu de guia do terrivel faccinora, e que encarra algumas novidades. Damos a seguir o depoimento vivo e palpitante:
“Lampeão chegou á minha casa por volta das duas horas da tarde, muito vexado, para continuar a viagem dizendo que ia descansar em Pernambuco, pois desde que saiu de Parahyba, pois desde que saiu de Mossoró, em virtude de não conhecer o terreno, não havia descansado.
Disse que nunca viu força tão atrevida.
Ia muito sujo e tinha companheiros que havia um mez que não mudavam a roupa, a qual era de kaki novo, mas toda rasgada de pontas de páos.
Sobre o fogo do logar “Felicidade”, disse:
“Brigamos um bucadim, quatro horas mais ou menos, vendo a hora de me vê pegado.
Mas felizmente tinha um lado tomado pela força da Parahyba, que tomado pela força de Pernambuco, que muito bem conheço a dispuzição della.
“Arroxei séro e fugi facilmente, todo caipóra argum dus mininos
Sobre o combate de Missão Velha, disse:
“Neste fogo num dei um só tiro.
“Izaia fez a boa com nós.
“Mandou nós pra uma manga aonde demoramos oito dia, e no fim deste tempo elle mandou deixá a cumida como de custume. Mas, desta feita, uma mosca assentou na nossa ureia e os mininos arretiraram uns buracos e disseram! Os cumida travoza dus diabos!
“Eu mandei que elles deixassem a cumida, que a cuspissem e dei a cada uma uma canéca de garapa de rapadura, elles nada tiveram.
“Eu tinha cumbinado cum Izaia prá quando eu uvisse um tiro ir recebê a munição qui elle mi premetera.
“Dei o tiro e ante de ir mandei um dos mininos assubi num pau e vê o que havia.
“O rapaz assubiu e adispois mi disse: Seu capitão tão é tocando fogo é noc ercado.
“Mandei, então, que todos se apreparasse prá sahi, ainda tinha um lado du cercado ainda verde mas era um cipual medanho qui nos deu trabaião pá rompê.
“Antão me puz de parte e elles começaro a atirá e a gritá:
“Viva meu padim Cirço.
“Ah diabos! Antão, meu padim nus havia de mandá nos atacá, quando eu não faço nada cum o Ceará?!
“Izaia não soube nem envenená a cumida, purque botou veneno de mais que deu prá nós conhecê.
“Mais este Izaia me paga, inté as pédras se encontram.
“Nós vae aqui cuma uns mizeraves, mas um dia eu dou um conhecimento nesta gente.
Perguntado porque não deixava a vida de bandoleiro, respondeu:
“Quá! Não é pussive, não. Sou muito conhecido em toda a parte e não tenho aonde me escondê.
“Voiu vivendo assum inté quando Deus fôr servido.
Quando “Lampeão” com seu grupo passou para o territorio pernmbucano disse:
“Mininos, agóra, podem vadiá qui isnamos pizando no qui é nosso”.
Começaram a cantar o “Côco” e a “Mulher rendeira”.
Havia no local muita pedra. Então, Lampeão disse o seguinte: “Si tudo isso fosse bala eu matava era soldado cuma avoante na bebida”.
Deu a entender que nada tinha feito no Ceará, mas por causa de Izaias se via obrigado a fazer, e era logo.
“Lampeão” trazia quatro rifles e dois fuzis de sobrecellencia.
Alguém, por ultimo, lhe dissera:
Realmente, capitão, o senhor tem comido é fogo!
Ao que elle respondeu:”Eu nunca mi vi tão apertado cuma agora no Ceará”

http://cangaconabahia.blogspot.com/2012/12/23-de-agosto-de-1927-no-o-imparcial.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

 


12 DE MAIO DE 1928

Acervo Rubens Antonio

12 de maio de 1928, no “Diario de Noticias”:

Lampeão!

Reduzido o grupo a 9 homens, o sertão pernambucano respira agora a liberdade.

RECIFE, 11 – Argos – Commerciantes, autoridades e conselheiros de Villabella telegrapharam á imprensa, dizendo que realmente o sertão respira, hoje, livremente, por estar o grupo de Lampeão reduzido apenas a nove homens e internado nas caatingas, fugindo de todos e de tudo.

O povo sertanejo dá graças a Deus por haver o sr. Estacio Coimbra, inspirado nos mais nobres sentimentos, promovido a cruzada do saneamento moral do sertão, em boa hora confiada ao major Theophanes Torres, cuja actuação proveitosa e efficiente na campanha contra o banditismo só desconhecem inimigos pessoaes.

http://cangaconabahia.blogspot.com/2011/12/12-de-maio-de-1928.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

SERTÃO DAS FERRAMENTAS

Clerisvaldo B. Chagas, 22 de julho de 2022

Escrito Símbolo do Sertão Alagoano

Crônica: 2.738

Como o Brasil é cheio de gírias, temos visto aqui no Sertão o nojo pelo sujeito manhoso, enganador, “cabra peste” que está sendo chamado de “picareta”, principalmente o tipo de político que se encaixa acima. Mas, por que chamam o indivíduo de picareta que é apenas uma das ferramentas usadas nas construções e na Agricultura? Talvez seja porque a picareta tenha duas extremidades de uso que servem para cavar a terra e arrancar pedregulhos também. Uma extremidade é pontuda, a outra é chata para o uso conforme a necessidade. A gíria pegou pelo Brasil inteiro e a ferramenta da roça ganhou notoriedade negativa. Foi não foi, você se depara com um picareta na política, na repartição, na vizinhança... Nas ruas.

PÃO DE AÇÚCAR (FOTO: ALAGOAS NA NET).

E como estamos falando em ferramentas, utilizamos ainda no campo a faca, o facão, a foice, o machado, a enxada, o enxadeco, o livião...  O cavador. Algumas dessas palavras o dicionário nem registra, ferramentas, algumas delas, variam de pronúncia conforme a região brasileira. Essas ferramentas que ainda possuem o valor do ouro em nossa agricultura sertaneja nordestina, chegavam ao Sertão alagoano transportadas para os nossos ancestrais, primeiramente em navios vindos de Salvador ou do Recife que entravam pela foz do rio São Francisco e subiam até Pão de Açúcar que era o grande porto da época. Ali, frotas de carros de boi (até 20 carros) e tropas de burros desciam de várias partes do Sertão para o desembarque dos navios e também a fim de transportarem essas ferramentas para outros núcleos sertanejos, mas também abasteciam os navios com nossos produtos: couro, peles, carne-de-sol, madeira e muito mais.

Estradas para a Capital ainda não havia e todo percurso era feito pelo mar e Rio São Francisco. Mas as ferramentas não deixaram de aparecer nos armazéns que vendiam de tudo: ferramentas, charque. Bacalhau, arame farpado, querosene, munições e muitas outras coisas. Nessa época não se chamava ninguém de picareta. O sujeito ruim, manhoso, não confiável, era tido como cabra-de-peia, cabra de aió, cabra safado...

E assim o Brasil continua com suas gírias, criando várias em uma só e continuadas gerações. E se você é agricultor, vai dizer:

Coitada da picareta!

 http://clerisvaldobchagas.blogspot.com/2022/07/sertaodas-ferramentas-clerisvaldob.html

http://blogdomendesemendes.blogspot.com