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sábado, 10 de agosto de 2019

SÍTIO HISTÓRICO EM JEREMOABO, BA - PUBLICADO EM 14 DE JANEIRO DE 2012 2012

As ruínas da Caritá do Barão 

Por: Biu Vicente

Fazenda Caritá - Barão de Jeremoabo
Foto de Biu Vicente

Em minhas andanças pelo Brasil algo que me trouxe uma profunda emoção foi olhar o enorme lago onde está sepultado o que restara da cidadela criada por Antonio Vicente Maciel e os seus seguidores que o chamavam de Conselheiro. Aquela imensidão de água, estancando a passagem do Rio São Francisco*, era a vitória definitiva sobre o sonho louco de quem se pusera em confronto com gente muito poderosa. Mas, ali, perto daquelas águas que esconderam a “Velha Canudos” foi erguido um monumento, uma enorme estátua do Conselheiro que, lá de cima, olha sobranceiro, vitorioso sobre os seus vencedores.

Mas, surpresa maior eu tive na visita que, em Jeremoabo, à Fazenda Caritá, local de nascimento de Cícero Dantas Martins, que é mais conhecido como Barão de Jeremoabo, uma das ilustres personalidades da Bahia imperial e das primeiras décadas da República. O Barão de Jeremoabo foi proprietário de imensos territórios que herdou de seu pai, administrador das terras da Casa da Torre, e fez crescer graças às suas habilidades de comerciante e empresário inovador. Ele inaugura o período das usinas de açúcar, em uma de suas fazendas. Nos dias atuais seus descendentes continuam atuando e influenciando os destinos da Bahia e do Brasil.

Barão de Jeremoabo
Wikpédia
Morto em 1903, o Barão tem notoriedade nos livros de História por sua participação na fase inicial da Guerra do Fim do Mundo, a Guerra de Canudos. Recente publicação das Cartas do Barão – homem de letras, estudos e comércio – se diz que Cícero Dantas Martins tentou convencer a Antonio Conselheiro desistir de seus projetos em organizar um povoado. 

O Barão teria auxiliado a idéia da organização da primeira tropa que acometeu os Conselheiristas. Claro que a atuação de um “desorganizador” da mão de obra na região criou instabilidade na Bahia dos latifúndios e na República dos Coronéis da “Guarda Nacional”, instituição que deveria ser extinta com a República, mas que se manteve no imaginário e cotidiano dos mais pobres. 

A surpresa que tive, entretanto é que nessa terra que nada guarda, nada conserva de sua história, também está deixando ser destruída o conjunto que forma a Fazenda Caritá: 3 casas de moradores, a Casa Grande e sua cozinha externa (com um dos primeiros serviços de água aquecida para o banho), o engenho de tração animal e a casa de banhos da família. Tudo isso está sendo reduzido a cinzas sob a proteção do INCRA e o silêncio do IPHAN. Esse conjunto nem mesmo está tombado pelo Patrimônio Histórico, ele está tombando.
 Engenho de Tração Animal na Fazenda Caritá 
Foto de Biu Vicente
É fácil entender que uma república de latifundiários não queira mostrar as ruínas das vidas arruinadas dos trabalhadores rurais, por isso Canudos está sob as águas de uma barragem, mas será que essa república se envergonha dos latifundiários do passado, e quer esconder no esquecimento os que destruíram Canudos para construir o Brasil de Hoje? 

Nós queremos nossa História. O INCRA não tem o direito de deixar virar cinzas um dos conjuntos arquitetônicos e residencial que explicam a nossa história. O IPHAN tem que ser acionado.

Pesquei no Biu Vicente


*Com o objetivo de ajudar nas informações, o leitor "P. J. L. N". lembra ao autor que o rio que abastece a barragem de Tucano, não é o São Francisco, e sim o Vasa Barriz. 

REVENDO - COMPANHEIROS INSEPARÁVEIS - PUBLICADO EM 13 DE OUTUBRO DE 2012

Faca, facão e punhal: Poder e vaidade no Cangaço

Por William White
(Com a exceção da primeira, as demais fotos ficaram por conta e risco do Lampião Aceso).

Um projeto da envergadura e abrangência deste catálogo sobre Facas Brasileiras precisa tratar, mesmo que em rápidas palavras, de um movimento  típico do Nordeste brasileiro que fez uso permanente e intensivo de diversos tipos de armas brancas: o cangaço. Cangaço  era o agrupamento de indivíduos em bandos de variados tamanhos, desde 3 ou 4 a mais de uma centena, em geral jovens oriundos da zona rural  que se juntavam para cometer crimes diversos, sempre motivados por três objetivos: vingar-se de alguém, proteger-se de alguma vingança ou simplesmente ter uma “profissão” rendosa.


Não se sabe exatamente com quem, onde ou quando esse tipo de atividade teve início. Entretanto, se a localizarmos nos Estados de Pernambuco e Bahia nas primeiras décadas do século 19 e, mais precisamente, de 1850  em diante, certamente estaremos muito próximos da realidade. Importante para os objetivos desta publicação é saber que seu apogeu ocorreu nas décadas de 1920 e 1930 do século XX,  período que coincidiu com o domínio absoluto do mais terrível  dos chefes cangaceiros: Virgulino Ferreira da Silva que, sob o vulgo de Lampião, aterrorizou sete estados do Nordeste brasileiro.

Lampião nasceu a 4 de junho de 1898 no Sítio Passagem das Pedras, município de Vila Bela, atual Serra Talhada, no Estado de Pernambuco. Desde muito cedo mostrou-se dono de inteligência anormalmente desenvolvida para os padrões da classe social a que pertencia.  Era almocreve por profissão, além de hábil produtor de arreios e roupas de couro, sanfoneiro, vaqueiro de primeira ordem, amansador de burros e sabia ler e escrever regularmente. Por motivos ainda hoje controversos, tornou-se cangaceiro com cerca de 16 anos juntamente com seus irmãos Antônio, Livino e, posteriormente, Ezequiel. 

Os irmãos Ferreira acabaram por unir forças com Sinhô Pereira, chefe do até então principal grupo de cangaço em atividade na área e que, ao abandonar a vida de bandoleiro por volta de junho de 1922, deixa seu bando sob o comando de Lampião que à época contava apenas 24 anos. Foi agraciado com a falsa patente de Capitão em 1926 por pressão de personalidades do Juazeiro do Norte (CE), entre eles o Deputado Federal Floro Bartolomeu e o próprio Padre Cícero Romão Batista com a intenção de que combatesse a Coluna Prestes, de passagem pela região.  Morreu na Grota de Angico, município de Porto da Folha (SE), atualmente pertencente ao município de Poço Redondo, em 28 de julho de 1938, aos 40 anos de idade e após 22 anos de atividade cangaceira ininterrupta.

Os bandos do cangaço lampiônico, se assim podemos chamar o período áureo desta atividade, eram prioritariamente compostos por jovens oriundos de algum latifúndio pertencente a um coronel-de-barranco, tremenda força política de então nas caatingas, onde exerciam a função de vaqueiros ou simples moradores e parceiros. Assim sendo, e por força das próprias atividades que desempenhavam, estes indivíduos desde a mais tenra idade se familiarizavam com o sangue de animais que abatiam e com as lâminas com que desempenhavam esta função. Era tudo muito mecânico, normal e rotineiro. A intimidade que tinham com facas e a indiferença pelo sangue e a morte eram fatores importantes quando entravam para um bando cangaceiro. 

Além deste aspecto, os jovens delinqüentes eram vistos com extrema admiração pelas moças de vilas e fazendas, pois que andavam sempre vestidos à sua maneira vistosa característica, endinheirados e exalavam poder já que muito raramente encontravam resistência em suas andanças e ataques. Parece inclusive ter ocorrido uma certa reordenação na hierarquia do poder sertanejo, já que de certa forma  o coronel latifundiário também foi cerceado em seu mandonismo absoluto pelo rifle insolente do cangaceiro, de maneira que a arma substituía a posse da terra na estrutura social da caatinga. O cangaço usava do sequestro a dinheiro, do fogo em pastos, casas e currais, da matança indiscriminada de rebanhos e de uma série de outras ameaças largamente cumpridas para obter recursos e manifestar seu efetivo poder não apenas em relação ao coronel, mas à população sertaneja em geral.

Alguns autores têm se ocupado em pesquisar a estética do cangaço apesar da escassa fonte de informações existente. Muita divergência surge desses trabalhos, mas há unanimidade quando se referem à vaidade do cangaceiro. E por muitos aspectos. A citada intimidade do homem em geral e do cangaceiro em particular com as armas brancas é histórica, ficando até a dúvida de que se seria mesmo o cão o melhor amigo do homem do cangaço. A estética de sua indumentária lembra algo de mouro trazido pelos portugueses durante o período colonial e particularizada ao sertão.

A marca registrada dessa composição, não há dúvida, é o grande chapéu de couro com a aba rebatida na frente e atrás, fortemente adornado com medalhas de santos, moedas de prata e ouro, signos de Salomão e outros penduricalhos. Apesar de haver um padrão relativamente bem definido de suas vestimentas e adornos, cada indivíduo do grupo tinha o direito, e o exercia com capricho, de manifestar sua vaidade como melhor entendesse. Isso ia do tipo de meia que usavam  à aplicação de enfeites nas alças dos mosquetões e fuzis, ao número e tipo de anéis que adornavam suas mãos, muitas vezes um em cada dedo - sendo alguns destes premiados com dois -, o comprimento dos cabelos e o trato de brilhantina e perfume que recebiam, os óculos de grau ou de sol,  a luneta e uma infinidade de outros quesitos com particular atenção dedicada às facas, facões e punhais.
Lambedeiras de Elétrico e Quinta-Feira. Abaixo: "Estoque" de Catingueira e Pajeuzeira de Avelino, 1909 Coleção de Frederico Pernambucano de Mello. 
Foto de Valentina Fildini. In Estrelas de Couro - A estética do Cangaço, pág 135.

Quanto à importância de cada lâmina carregada pelo cangaceiro pode ser dito que o facão era utilizado nas tarefas mais duras como o corte de galhos de árvores para montagem de suas barracas, o esquartejamento de bovinos e outros. No geral não chamavam muito a atenção com a honrosa exceção de um que Lampião portava e possuía cabo de prata lavrada com muito esmero e apresentando em sua porção final uma cabeça de águia esculpida. Mas por serem de feitio comum e carregados por poucos elementos do cangaço, eram praticamente escondidos sob a axila de seu proprietário,  de forma que permaneciam muito pouco visíveis. Ressalte-se aqui que mesmo feiosos e sem grande prestígio, tais facões acabaram, por ironia do destino, participando do ato final da epopéia cangaceira ao serem utilizados para decapitar os onze cangaceiros mortos na grota sergipana naquela garoenta madrugada do inverno de 1938. Dois anos antes, a 7 de junho de 1936, o cangaceiro José Baiano, violento chefe de um subgrupo, foi morto à traição juntamente com outros 3 companheiros e teve sua cabeça “separada do pescoço por sucessivos golpes de facão”,  conforme atesta a Certidão de Exumação emitida pela Secretaria de Segurança Pública de Sergipe.
Rasparam minha cabeça
Como quem raspa um leitão
Botaram água fervendo
Caía pêlo no chão
Eu berrava como um bode
Minha barba e meu bigode
Raparam com um facão     

Em vez da noiva enxerguei
De cartucheira na mão
Um grupo de cangaceiros
E o bandido Lampião
Pensei que estava sonhando
Quando acordei fui levando
Uma surra de facão¹
(...)
Facão curto de Lampião: Gavião guarnecido por cachorro, 1938. 
Coleção privada. In Estrelas de Couro - A estética do cangaço pág. 134.
Frederico Pernambucano de Melo.

A faca talvez tenha sido a lâmina de maior utilidade pois servia a muitos fins,  como matar, esfolar e retalhar pequenas criações, castrar animais e, vez por outra, homens, cortar couro e tecidos para a produção de arreios e roupas, retirar balas alojadas em seus corpos, descascar frutas, cortar queijo e o que mais fosse necessário. Estas facas apresentavam características muito diversas umas das outras e algumas eram verdadeiras obras de arte muitíssimo trabalhadas. Apresentavam lâminas de cerca de 20 a 30 cm com cabos caprichosamente executados por alguns cuteleiros que se tornaram famosos, casos da família Caroca na Paraíba e da família Pereira no Cariri cearense.

Eram cabos compostos por pequenos discos de materiais diversos como chifre bovino, caprino ou ovino, madeira, prata, cobre, níquel, alpaca, marfim, osso e eventualmente até ouro. No entanto, o uso deste metal estava longe de ser a regra. Comumente, para o uso cotidiano, as facas eram lâminas simples e com cabo de madeira ordinária, especialmente com o advento da industrialização por volta de 1930, fato que colaborou bastante para a extinção da cutelaria artística como era até então conhecida. Era mais importante que seu aço pegasse bom fio do que tivesse alto senso estético.  Estas também pouco apareciam na indumentária do cangaço. Quase sempre estavam guardadas no cós da calça, nas costas, ou na mesma posição do facão, ou seja, sob as axilas.
Porque na ponta da faca
Uma barriga não erro
E um ladrão que me rouba
Até o cabo eu enterro
Pule o que for mais valente
Para eu corrê-lo no ferro²

Dei uma volta na rua
Encontrei um camarada
Com uma faca de ponta
Feita de aço de espada
No momento que eu cheguei
Sem desejar encontrei
Um princípio de zoada³
(...)
Finalmente, e com notável destaque, havia o punhal. Utilizado apenas como arma perfurante, posto não possuir fio em nenhum dos lados, mas apenas a ponta extremamente aguçada própria para sangrar animais em geral, inclusive homens, como atestam inúmeros registros de diversos autores. Tratamento especial e diferenciado sempre foi dedicado aos punhais, estes sim, motivo de orgulho e vaidade de seus proprietários.

Eram sempre carregados de forma ostensiva, transversalmente ao abdome que lhes servia de perfeita moldura, e sustentados pelo cinturão de balas.

A vaidade de cada um se manifestava neles de diversas maneiras: pelo material com que era produzida sua lâmina, a composição de sua empunhadura e sua bainha, o cuteleiro que o confeccionou, seu comprimento e a habilidade que cada um possuía ao manejá-lo. Material para as lâminas era quase sempre importado: espadas quebradas, ferramentas agrícolas e especialmente pedaços de trilhos de ferrovias  e do sistema de vagonetes utilizados na indústria açucareira. A forja e montagem desses punhais eram feitas em locais denominados tendas, que nada mais eram que rústicas cutelarias bastante disseminadas pelo Nordeste, em especial nos Estados da Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Ceará, onde a movimentação de cangaceiros era intensa.

Sobre esta imagem o colecionador e especialista em cutelaria Dênis Artur Carvalho faz a seguinte observação: O cangaceiro Atividade está portando três armas brancas: Uma faca de ponta com cabo de embuá na cintura, um facão de cortar mato abaixo do braço e uma faca paulista à altura do peito. Eu nunca tinha visto nenhuma fotografia de cangaceiro portando uma faca típica da região de São Paulo. Preferiam a boa faca de ponta nordestina ou as famosas lâminas europeias principalmente alemãs. Abaixo, uma peça idêntica, de minha coleção:


Faca de ponta com empunhadura "Embuá" também da nossa coleção:

A estética e características gerais de forma, tipo de cabo, comprimento de lâmina e material e modelo da bainha era função da criatividade do cuteleiro e dos recursos de quem encomendava o produto. De maneira geral,  o punhal tinha forma bastante esguia, longa e fina, arrematado pela empunhadura de estilo muito semelhante ao utilizado pelas facas artesanais acima descritas. Mesmos materiais, mesmas formas. As bainhas também eram caprichosamente elaboradas, quase sempre por terceiros, podendo ser de couro ou metal. Quando metálicas, por vezes eram forradas de couro ou veludo e podiam possuir uma ou duas articulações, ao logo de seu comprimento, como delicadas dobradiças, de forma a facilitar o andar e o montar de quem as usasse.
Prestando mais atenção
Eu vi um grande punhal
Fabricado com três quinas
De um tamanho desigual
O cabo de ouro e prata
Nunca se viu então igual⁴
(...)
    
Conduzia o seu punhal
Passado na cartucheira
Com setenta e três centímetros
Respeito da cabroeira
Moedas de prata e ouro
Lhe enfeitavam a bandoleira
(...)
No cangaço parece não ter havido uma relação direta entre o tipo de punhal e faca utilizados e a hierarquia interna do grupo.  Tudo era exatamente uma questão de gosto, vaidade e dinheiro. Embora nem fosse de uso mais freqüente, os punhais longos exerciam especial fascínio entre os cangaceiros, sendo curioso reproduzir aqui parte do “Inventário dos objetos apreendidos, pertencentes ao famigerado “Lampeão”, produzido pelo Regimento Policial Militar de Maceió, em 26 de novembro de 1938:

FACA: de folha de aço, com 67 cm de dimensão, com cabo e terço de níquel, adornado o cabo com três anéis de ouro, notando-se na lâmina, uma mossa produzida naturalmente por bala; bainha toda de níquel,    com forro interno de couro, notando-se também na parte interna superior o estrago produzido por bala.

Sabe-se pela literatura a respeito do tema que aos 67 cm de lâmina são acrescidos 15 cm de cabo, perfazendo um comprimento total de 82 cm. Qual a utilidade prática de tamanho exagero? Talvez nenhuma, exceto manifestar o que vem sendo escarafunchado aqui: poder e vaidade. 

Muito embora este relato se refira aos despojos particulares de Lampião, outros membros do bando também possuíam punhais igualmente longos, o que é visível na famosa “foto das cabeças” e que viria reforçar a tese da inexistência de vínculo entre o comprimento dos punhais e a posição hierárquica do indivíduo no grupo.  
E Luís Pedro, rico e garboso...

...Findou caboclo

Para sangrar um homem ao estilo do cangaço, ou seja, fazendo o punhal penetrar pela fossa clavicular esquerda para atingir coração e pulmão não era necessário esse exagero de comprimento, coisa de 70 cm. 

O tamanho de punhal mais disseminado entre os cangaceiros era de aproximadamente 35 a 40 cm, incluída a empunhadura. Claro está que o fato de a arma ser de menor porte em nada atrapalhava a expressão da vaidade em sua confecção. Era carregada com o mesmo orgulho e tinha o mesmo poder especialmente frente a adversários civis.
"O rifle de ouro" também tinha sua lâmina. 
Coleção privada.

Vale ressaltar que muito provavelmente existia um aspecto psicológico, mórbido e doentio quando se considera o significado que o sangramento tinha, e tem, para o homem rústico do sertão nordestino. Ao usar sua arma esteticamente  mais expressiva para esse fim, o indivíduo manifestava, a um só tempo, sua vaidade em relação ao punhal,  e também um importante poder sobre a vítima, não apenas porque esta sempre se encontrava subjugada pelo grupo mas também porque sangrar era, e é, ato de extrema ofensa para quem o sofria,   extensiva a toda a família da vítima. Ou seja, para o sertanejo, o drama não estava em morrer,  mas sim em ser sangrado. Ofensa inadmissível, passível de vingança necessária e obrigatória e muitas vezes origem das famosas brigas de família. Sangrar era para porco, cabrito, boi – não para o homem.

Finalmente, é importante mencionar um vínculo havido entre a morte de Lampião, decretando o início do fim do cangaço, o poder e a vaidade que aqui se explicou. Após mais de vinte anos de atividade em circunstâncias quase sempre muito adversas, “morando debaixo do chapéu”, como certa vez disse o Rei do Cangaço, parece que a atividade já não exercia nele o mesmo fascínio de outros tempos. Sua mobilidade era bastante menor e sua área de ação estava mais ou menos restrita ao baixo rio São Francisco, ora em Alagoas, ora em Sergipe onde, até por influência das mulheres do bando, passaram a tomar muito mais cuidado com a higiene pessoal, fato demonstrado pela adoção de novos costumes tais como banhos frequentes, lavagem de roupas e um acesso mais rotineiro a melhores alimentos mandados buscar em feiras através de seus coiteiros. 

Esses fatos, acrescidos à onipresente sensação de impunidade, à extorsão praticada à larga contra as elites urbana e rural apenas via bilhetes, à confiança exacerbada em sua rede de coiteiros, à  cada vez maior delegação de autonomia aos chefes de subgrupos, à enorme quantia de dinheiro em espécie e ouro que acumulara e portava e à venalidade dócil e obediente dos militares responsáveis por sua captura parecem ter provocado o afloramento simultâneo de sua sensação de poder e vaidade pelo que já obtivera e não mais perderia. Lampião certamente tinha ciência de que sua morte não era conveniente a muitos caatingueiros que, de uma forma ou outra, dele dependiam para sobreviver ou auferir maiores ganhos. 

Inclua-se aí desde grandes latifundiários e militares até o mais simples morador que fazia e vendia queijos. Lampião sempre pagou regiamente pelos produtos que adquiria, fossem alpercatas, rapaduras ou mosquetões e sua munição.

Certa vez perguntaram ao Cel. José Lucena de Albuquerque Maranhão, foto ao lado, que quando sargento havia sido responsável pela morte do pai de Lampião:
Cel. Lucena, quem matou mesmo Lampião?
O dinheiro dele!
Nem só, Coronel, nem só!

¹ Macedo, Nertan. Lampião-Capitão Virgulino Ferreira. Rio de Janeiro: Editora Renes,1975. pp. 84-85.
² D’Almeida, Manoel, Os Cabras de Lampião – São Paulo, Ed. Prelúdio Ltda. 1970, pág 19
³ Macedo, Nertan, obra citada, pág.82
Macedo, Nertan, obra citada, pág. 57 - D’Almeida, Manoel, obra citada, pág.9

Disponível em: Coleção Orsini

Créditos para o amigo Ernane Cunha.


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AH! QUANDO ELA PASSA...

Por Francisco de Paula Melo Aguiar

Ah! Quando ela fala.
Passa em passo elegante.
Mole como um favo de mel.
Cheirando a chanel nº cinco.
Com o quadril bem bamboleando.
É por demais bonito...
Semelhante ao beijar-flor!
Em sua delicadeza.
Esta grande criatura.

Enviado pelo autor.

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APENAS REVENDO E PARA ARQUIVO DOS LEITORES - OPINIÃO - AS MUITAS VERSÕES DO CANGAÇO

Por Juliana Pereira
Foi publicado em 10 de janeiro de 2010 pelo http://lampiaoaceso.blogspot.com

Caros pesquisadores do Cangaço, não é minha intenção polemizar, mesmo em se tratando de cangaço, terreno bastante fértil para debates, controvérsias e discordâncias, porém, todos nós devemos ter em mente que não existem verdades absolutas, mas, simplesmente verdades. O que é uma verdade para mim, pode não ser para o outro e assim sucessivamente, pois, em se tratando de história como ciência, podemos falar de verdades históricas, ou seja, a verdade dos vencedores, dos vencidos e daqueles que tiram suas conclusões tendo como base as duas primeiras elencadas.

A história não é uma ciência exata, não podemos sair por aí arguindo nossos pensamentos como se fosse uma ideia absoluta do objeto pesquisado.

Esta semana que passou lemos em alguns blogs e no Jornal da Cidade de Sergipe, um excelente debate entre dois grandes pesquisadores do cangaço. De um lado o acadêmico Frederico Pernambucano de Mello, autor de vários trabalhos importantes sobre a temática em tela e, do outro lado, o sergipano Alcino Alves da Costa, um exímio conhecedor do fenômeno cangaço, em particular os seus dez últimos anos tendo Lampião como líder.

Alcino é de Poço Redondo, um irmão de sua mãe foi cangaceiro, além de ter crescido em meio à história viva do cangaço, pois se em Poço Redondo, ainda nos dias de hoje, o cangaço é assunto comum nas rodas de conversa, imagine na meninice e ao longo de sua vida, com um tio cangaceiro, o sogro sendo o velho “China do Poço” amigo de Lampião. Alcino também é autor de vários livros sobre o cangaço.

Se por um lado, um pesquisador tem como esteio de suas pesquisas o aparato acadêmico, tendo inclusive conversado como alguns sobreviventes, do outro lado temos um pesquisador que nasceu, cresceu e passou sua vida em meio a sobreviventes do cangaço como ex-cangaceiros, outros jurados de morte por cangaceiros, coiteiros e amigos de Lampião. Com isso, não estou medindo a competência dos pesquisadores, nem mesmo aceitando um pensamento em detrimento de outro, pois cabe a mim, assim como aos demais, aprender com estes dois mestres da historiografia cangaceira a arte do bom debate. Tanto um quanto outro são autoridades no assunto.

O bom do debate é perceber as diferentes versões acerca do mesmo objeto. Ao analisar as duas ou mais vertentes, individualmente tiramos nossas próprias conclusões.

Um exemplo disso é que, mesmo respeitando o trabalho e os anos de pesquisa de Frederico Pernambucano de Melo, não concordo quando ele disse “... que a valentia e a capacidade de urdir planos vinham na cabeceira dessa criteriologia de ascensão hierárquica no bando, da qual passou a fazer parte, de início timidamente, e depois como concausa cada vez mais relevante, especialmente no meado dos anos 30, a habilidade com as agulhas e as linhas, assim como o domínio da máquina Singer de mesa”.

Penso que ter habilidade em contornar situações delicadas e difíceis, capacidade de estratégia, facilidade em comandar adversidades comuns em um grupo de seres pensantes, dada a particularidade de cada um, ter pulso forte diante de eventuais divergências, fossem os critérios para ascensão hierárquica dentro do bando e não o manuseio da máquina de costura, mesmo porque, viviam e sobreviviam em meio a combates, no liame entre a vida e a morte.

Sendo assim, não creio que ter habilidade na arte de bordar e costurar fosse de suma importância para o chefe de um subgrupo. As máquinas de costura, na famosa foto das cabeças, não sinalizam que Lampião e/ou seus comandados gostavam de relaxar, tirar o estresse dos dias difíceis no manejo da máquina de costura, mas que usavam tal ferramenta para fazer seus pertences como bornais e roupas, deixando claro que não discordo dos bordados, nem da habilidade dos mesmos nesta arte.

Por falar nas ditas máquinas de costura, nota-se duas delas na famosa foto das cabeças. Sabemos que a máquina de dona Guilhermina, mãe de Durval e de Pedro de Cândido foi levada para o coito por Mané Félix e Vicente – este ainda com vida – e que a mesma iria servir para Sila e Maria Bonita fazerem a roupa do sobrinho de Lampião que ali havia chegado com a finalidade de acompanhar o tio. Em momento algum se falou que quem iria “costurar” a roupa do rapazinho seria Lampião e, ainda, por que com uma máquina no coito, Maria Bonita (ou mesmo Lampião), mandou buscar a da senhora proprietária da fazenda Angico?

Ainda sobre as questões levantados pelo pesquisador Frederico ao falar do divórcio cultural entre o litoral e o sertão, concordo plenamente com ele. Houve realmente uma falha no processo de colonização, processo este que sentimos o ranço ainda nos dias de hoje. Porém, não digo que este fato não tenha reflexo no surgimento do cangaço, mas, em nada tem a ver com o cangaço da geração lampeonica, pois, sem sombra de dúvida, trata-se de uma insurgência nascida de uma particularidade estendendo-se para um campo mais amplo, porém não atingindo os ideais da divisão geopolítica e cultural. Seria forçoso demais pensar o contrário.

Quanto ao simplismo dos marxistas em considerar o cangaço filho exclusivo da luta de classes envolvendo coronéis e cangaceiros, também concordo que até então estes fenômenos, em especial o cangaço, era tratado de forma mais simplista. Existe uma complexidade bem mais faraônica envolvendo todo este período.

Lampião era bem quisto por alguns coronéis, pois se sabe que em meio à medição de força e poder entre os donos dos sertões nordestinos, Lampião foi um veículo utilizado por uns em desfavor de outros. Claro, quando digo utilizado, não estou dizendo que Lampião foi um fantoche nas mãos deste ou daquele coronel, mas que todos ganhavam, porque no acerto entre Lampião e o coronel, cada um tinha como objetivo a satisfação dos seus intentos.

Dizer que: “... o cangaço sai à luz como uma espécie de conspiração tácita sertaneja, irmanando coronéis e cangaceiros na luta surda contra inimigo comum: o poder litorâneo, fonte de toda repressão.” Não é nem forçoso, mas é absurdo mesmo.

Controvérsias à parte, sabemos que realmente Lampião sabia manusear a máquina de costura, bem como bordar. Percebemos que atrás daquela fera, muitas vez insana, havia um indivíduo capaz de sutilezas como costurar, mesmo em um universo tão machista. Quanto a ser um sucesso ou não, bem, sabemos que trabalhar com oralidade é complicado, dada a subjetividade de conceitos e ao fato de a memória ser seletiva. Tanto é verdade que temos depoimentos de sobreviventes que caíram em total descrédito por conta do surrealismo em demasia.

Um exemplo claro de um depoimento deste é o de Barreira ao então pesquisador Frederico. Pelo visto, a memória dele é tão seletiva que esqueceu que Lampião tinha um feeling apurado, tanto que mesmo sem saber que ele seria um traidor execrável, já não gostava dele.
No mais, parabenizo os dois pesquisadores, por serem grandes mestres e nos darem um exemplo tão bom sobre um debate, donde se pode discordar do posicionamento do outro sendo respeitoso e sem perder a admiração mútua.

Sou uma admiradora dos dois mestres e muito tenho aprendido com ambos. Sou uma iniciante nesta seara tão complexa e, por vezes, tão árida de se transitar, mas não podemos e nem devemos desanimar, pois, se as veredas percorridas pelos cangaceiros e volantes não foram nada fáceis, não vamos querer um campo de rosas como terreno para pesquisar.

Se todos colaborassem de alguma forma para com as pesquisas, estaríamos muito mais avançados e não teríamos o que vez por outra temos. Pessoas que usam suas pesquisas como holofotes, sem se preocupar com o futuro do conhecimento, dada a imensidão de teses mirabolantes defendidas com objetivo único de serem mercadológicas.

Saudações Canganceiras

Juliana Pereira é Pesquisadora, sócia da SBEC.
Quixadá / CE


http://blogdomendesemendes.blogspot.com

RAPTADA PELO BANDO DE LAMPIÃO, ELA PASSOU JUVENTUDE NO CANGAÇO


COM 96 ANOS E MORADORA DE CAMPINAS, DULCE RELEMBRA DOR DE VIDA NÔMADE NA CAATINGA

Leonencio Nossa, enviado especial
29 de julho de 2019

CAMPINAS  - É o trauma de uma violência sofrida há mais de oito décadas por uma mulher que torna bem vivo o tempo do cangaço numa pequena casa do Jardim Márcia, na periferia de Campinas. Na cidade muito longe do sertão – pelo menos na geografia – mora Dulce Menezes dos Santos, de 96 anos, violentada na adolescência por um integrante do grupo de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, arrancada da família e levada para a vida nômade na caatinga.


Aos 96 anos, Dulce conta agressões que sofreu no tempo do cangaço Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O começo de tarde paulista é frio para a senhora de corpo franzino e cabelos compridos, que acordou da rápida sesta. Ela chega à sala para a conversa com a equipe do Estado. Antes mesmo de sentar no sofá, comenta: “O sonho da gente não esquenta mais, não”. O lamento vem junto com um leve sorriso. A filha caçula, Martha, diz: “Tá faltando carne entre esses ossinhos, mãe”.

Dulce se ajeita no sofá, com ajuda da filha. Martha conta que a mãe sempre evitou visitas e não esconde incômodo com janelas e portas abertas – por onde entram o frio e também a violência. Antes de toda pergunta, solta uma frase que repetirá a cada resposta dada e a cada interrupção na longa conversa. “Infelizmente aconteceu isso contra minha vontade. Não fui porque quis ir.”

Era filha de trabalhadores de uma fazenda de algodão em Porto da Folha, Sergipe. Tinha quatro anos quando um besouro mordeu a mãe, Maria, que não resistiu. O pai, Mané João, dizem, morreu de saudade seis anos depois. A menina foi morar com a irmã Mocinha, em Piranhas, Alagoas, depois na fazenda de outra irmã, Julia, e do marido dela, João Felix. 

O lugar servia de rancho de cangaceiros que adentravam o sertão. Ela estranhou os homens de roupas de tecido grosso, cor de folha seca, cintos pregados de moedas, chapéus de couro de aba para trás e com estrelas bordadas e bornais floridos. E bem armados. Um dos que frequentavam a fazenda era o cangaceiro João Alves da Silva, o Criança. Ao ver aquela menina num canto, acabrunhada, negociou a compra dela com João Felix por um bornal de joias.

Criança avisou a João Felix que levaria Dulce numa festa que seria organizada pelo amigo cangaceiro Zé Sereno, numa fazenda vizinha. João Felix levou a mulher, Julia, e a cunhada. Criança não esperou para se aproximar da menina, que estava na casa da fazenda. Dulce já se assustou quando o cangaceiro entrou. “Tu vai ali comigo, Dulce.”

Ele a puxou pelo braço, arrastando para fora. “Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo.” Do lado de fora, a jogou no chão. Entre pedregulhos e espinhos, Dulce foi violentada e os convidados assistiram em silêncio. O cangaceiro passou a noite vigiando a “mercadoria”. A música continuava e o som da sanfona e do triângulo sufocava os soluços de Dulce. Arrependido, João Felix temia que Criança, ao fim da festa, levasse Dulce embora. “Num vou desperdiçar bala em tu não, homem”, disse o cangaceiro, com desprezo, segundo Dulce. “Esse cara me carregou.”

Beira do rio

 Naquele tempo, Dulce flertava com Pedro Vaqueiro, garoto de Piranhas. Eles brincavam na beira do São Francisco. “Eu era novinha, de 13 para 14 anos, uma criança”, lembra. A violência vai e volta no relato de Dulce. “Fui a pulso, arrastada, se não morria. O apelido dele era Criança (o nome do agressor sai mais forte na voz dela). Deus queria que eu estivesse aqui agora, conversando com vocês”, conta. “Com parabellum (pistola) na mão. E com medo de morrer, acompanhei.”

A notícia do rapto chegou a Piranhas. Pedro Vaqueiro se desesperou. Dizem que ficou desnorteado, sem rumo. Saiu de casa, desapareceu, relata Martha. A história daqueles dias está num livro escrito pelo professor baiano Sebastião Pereira Ruas, que foi casado com Martha. Dulce, a boneca cangaceira de Deus foi escrito na forma de novela típica dos velhos contadores. O texto simples traz luz ao debate sobre a violência contra a mulher no cangaço. A venda é para ajudar Dulce.

Era filha de trabalhadores de uma fazenda de algodão em Porto da Folha, Sergipe. Tinha quatro anos quando um besouro mordeu a mãe, Maria, que não resistiu. O pai, Mané João, dizem, morreu de saudade seis anos depois. A menina foi morar com a irmã Mocinha, em Piranhas, Alagoas, depois na fazenda de outra irmã, Julia, e do marido dela, João Felix. 

O lugar servia de rancho de cangaceiros que adentravam o sertão. Ela estranhou os homens de roupas de tecido grosso, cor de folha seca, cintos pregados de moedas, chapéus de couro de aba para trás e com estrelas bordadas e bornais floridos. E bem armados. Um dos que frequentavam a fazenda era o cangaceiro João Alves da Silva, o Criança. Ao ver aquela menina num canto, acabrunhada, negociou a compra dela com João Felix por um bornal de joias.

Criança avisou a João Felix que levaria Dulce numa festa que seria organizada pelo amigo cangaceiro Zé Sereno, numa fazenda vizinha. João Felix levou a mulher, Julia, e a cunhada. Criança não esperou para se aproximar da menina, que estava na casa da fazenda. Dulce já se assustou quando o cangaceiro entrou. “Tu vai ali comigo, Dulce.”

Ele a puxou pelo braço, arrastando para fora. “Cala a boca, se não te sangro agorinha mesmo.” Do lado de fora, a jogou no chão. Entre pedregulhos e espinhos, Dulce foi violentada e os convidados assistiram em silêncio. O cangaceiro passou a noite vigiando a “mercadoria”. A música continuava e o som da sanfona e do triângulo sufocava os soluços de Dulce. Arrependido, João Felix temia que Criança, ao fim da festa, levasse Dulce embora. “Num vou desperdiçar bala em tu não, homem”, disse o cangaceiro, com desprezo, segundo Dulce. “Esse cara me carregou.”

Líder e parte do bando foram mortos em um ataque em 1938 Foto: ARQUIVO ESTADÃO

Massacre

Em 27 de julho de 1938, Dulce estava num acampamento na Grota do Angico, Sergipe. Ali, Lampião reuniu diversos subgrupos que agiam sob seu controle na caatinga, em roubos, saques, achaques e agiotagens. Foi quando Dulce, adolescente, esteve mais perto de Maria Gomes de Oliveira, de 27 anos, a mulher de Lampião, que ficou conhecida por Maria Bonita. “Era boa pessoa a Maria. Ficamos poucos dias juntas. Lampião tinha uma turma, Criança tinha outra, Balão tinha outra. Se vivesse tudo junto, a polícia descobria pelo rastro. Agora, nesse dia estava todo mundo junto. Tinha de acontecer, graças a Deus.”

À noite, Maria chamou Sila e Dulce para conversar. Na conversa, elas viram, na caatinga escura, uma luzinha amarela, que piscava longe. Chegaram a pensar que era vaga-lume. Foram dormir sem falar para os homens sobre a luminosidade.

Pela manhã, Dulce levantou com os gritos de Criança. Uma volante – grupos de policiais formados para combater cangaceiros– tinha cercado o grupo. Em meio a tiros, ela ouviu a voz de Maria Bonita, baleada, diante do corpo de Lampião. Dulce, Sila e Enedina correram. Um tiro de fuzil acertou a cabeça de Enedina, miolos respingaram em Dulce, que conseguiu escapar juntamente com Criança e outros 21 cangaceiros.

“No combate em que mataram Lampião e Maria Bonita, eu estava. Nenhuma bala pegou em mim. Morreu um bocado. Já esqueci quantos morreram”, conta – 11 cangaceiros e um soldado morreram. “Era tiro demais. Gente caindo, entrando pelas pernas, passando em cima de cabeças. Escapou quem tinha de escapar, porque nunca vi tanto tiro na vida, meu filho.” A notícia da emboscada chegou rápido a Piranhas. Parentes de Dulce foram ver se a cabeça da menina estava em exposição na escadaria da prefeitura.

O historiador João de Sousa Lima, de Paulo Afonso, na Bahia, desenvolve um trabalho para localizar sobreviventes do cangaço, em especial mulheres. Os relatos delas mostram que a história de crueldade do bando de Lampião ou das volantes encobriu a da violência contra mulheres do grupo. Uma semana antes do massacre de Angicos, Cristina foi assassinada por querer trocar de companheiro. Também foram mortas de forma trágica pelo próprio grupo Lídia, Lili e Rosinha.
Mulher de prefeito

Embrenhado na caatinga, o grupo sobrevivente de Angicos, decidiu se entregar à polícia. “Aí acabou”, diz Dulce. O ditador Getúlio Vargas concedeu anistia aos cangaceiros. Criança e Dulce, nesse tempo, tiveram dois filhos. Foram trabalhar na fazenda de João Anastácio Filho, o Jacó, na região de Jordânia, Vale do Jequitinhonha, em Minas.

O livro destaca que Jacó era influente. Casado, decidiu se aproximar de Dulce. Pôs Criança para atuar como tropeiro e, assim, começou a afastá-lo da fazenda. Depois de uma longa viagem, Criança foi alertado por companheiros que era melhor ir embora. Ele levou os dois filhos. Do casamento com Jacó, Dulce teve outros 18 filhos. Anos depois, ele foi eleito prefeito de Jordânia, hoje com 10 mil habitantes. “Foi o tempo que fui feliz. Por enquanto estou aqui, até a hora que Deus me levar. Graças a Deus nunca maltratei ninguém”, diz. “Agora essa turma do Lampião, meu Deus do céu, quando queria pegar mulher, se não fosse, eles matavam.”

Com a morte de Jacó, Dulce foi morar com a filha Martha em Campinas. A cidade grande também seria de privações. Viu filho e netos serem assassinados. Ela volta a falar do sertão e do cangaço. “Acabou. O Norte está sossegado, não está?”

Serviço:
DULCE, A BONECA CANGACEIRA DE DEUS
Autor: Sebastião Pereira Ruas
Editora: Lexia, 227 PÁGINAS
Preço: R$ 45
O livro é vendido por Martha Menezes pelo telefone (19) 98872-6588


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TEMOS A HONRA DE APRESENTAR SUSANA GORETTI – COAUTORA DE AMOR & AMORE - 5° ANTOLOGIA BILÍNGUE “ITALIANO & PORTUGUÊS” DA A.C.I.MA.



Susana Goretti Lima Leite é mossoroense, escritora, advogada, professora e pesquisadora sobre a civilização da seca. Educadora do Museu do Sertão de Mossoró/RN. Cofundadora da Faculdade do Vale do Jaguaribe/CE e da Academia Feminina de Letras e Artes Mossoroense. 

Membro da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, da Divine Académie des Lettres Arts et Culture, do Conselho Internacional dos Acadêmicos de Ciências, Letras e Artes e da Academia Apodiense de Letras. Organizadora e coautora da obra Benedito Vasconcelos Mendes – Um projeto, vários desafios. Coautora do livro Biobibliografias: Acadêmicas da Aflam e da Coletânea Bilíngue Ceará em Scène, entre outros.

A.C.I.MA. Conectando Mentes & Culturas!
Contato A.C.I.MA. E-mail: associazionemandala@hotmail.com


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REVENDO E PARA ARQUIVO - NOTA DE FALECIMENTO MORREU ARLINDO GRANDE: EX COITEIRO DE LAMPIÃO

Informação e fotos: João de Sousa Lima

Faleceu nessa madrugada de 10 de setembro de 2012  Arlindo Grande, o maior vaqueiro da região de Paulo Afonso e um dos grandes coiteiros de Lampião.

Arlindo residia no povoado Várzea, entrada do Raso da Catarina e foi nessa localidade que ele conheceu Lampião e seu grupo, era um menino de 7 anos deparou-se com Lampião, na estrada. Este lhe pediu que subisse na lomba do seu cavalo e o levasse até sua casa. Lá o ri do cangaço conheceu seu Avô João da Varje e seus pais Quinca e Aristéia e apartir deste encontro a sua residência passou a servir de coito e era sempre um dos lugares preferidos pelos cangaceiros para realizarem os famosos bailes.

O velho Arlindo lembrava com saudade que Lampião vinha semanalmente para descansar. "Toda vez que ele chegava tinha festa: Matava-se animais e o Cangaceiro que gostava de forró, logo organizava o baile". 

Ele foi casado com dona Nina, irmã do cangaceiro "Bananeira". Em toda região ele ficou mais conhecido como o maior vaqueiro de todos os tempos. Em sua luta com o gado nunca deixou de trazer os animais perdidos dentro do Raso da Catarina, era exímio cavaleiro e entre as caatingas manejava com maestria suas montarias.



 Nossos confrades: Felipe Marques, Marcos Passos em ocasião de uma visita a Arlindo na Várzea. Pai e filho residentes em Macaé, RJ.


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