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segunda-feira, 16 de maio de 2011

Jararaca - o infeliz cangaceiro

Por: José Mendes Pereira


           A história sobre a tentativa de invasão a maior cidade Potiguar, "Mossoró", no dia 13 de Junho de 1927, pelo ainda não tão famoso, Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi contada por vários escritores, pesquisadores e historiadores do nordeste brasileiro.

Bando de Lampião
Foto do Blog: "Tok de História"

            Apesar de ter sido considerado como grande estrategista, quando dominava o seu respeitado bando de cangaceiros, mas mesmo assim Lampião bobeou, em mandar um bilhete para o então prefeito Rodolfo Fernandes, comunicando-lhe a sua entrada em Mossoró. Se ele tivesse entrado sem comunicar que estava disposto a fazer a invasão à cidade, teria levado o que ele mais desejava: dinheiro, ouro...

 
Prefeito de Mossoró

           Como não chegou as suas mãos confirmação da quantia solicitada, ao meio dia e meia Lampião escreveu o segundo bilhete. Novamente incumbiu o capanga para que o levasse até a casa do prefeito. E desta vez já com ameaças, caso não lhe fosse atendido o segundo bilhete, não demoraria fazer a invasão, e não se responsabilizaria pelos estragos.

Foto do Palácio da Resistência em Mossoró

            Mas Rodolfo Fernandes amante de Mossoró e zeloso com a sua patente de "coronel", achando que Lampião era quem deveria fazer continência ao passar por ele, já que era apenas capitão, e vendo que o bandido estava disposto a bagunçar a sua amada cidade, disse que não enviaria quantia nenhuma para bandidos, principalmente Lampião que levava a vida roubando dos outros.
            Não arriscaria afirmar que ele não levava as minguadas reservas da  Prefeitura, mas não pensasse que ele iria ficar nas esquinas de braços cruzados, só olhando ele colocar em seu bornal o que não era seu, ou entregar o ouro na bandeja aos bandidos.
           Como não foi enviado a quantia solicitada, Lampião e seu bando deram início ao combate, vingando o desrespeito do prefeito, por não atender a sua solicitação.

O cangaceiro Jararaca

            Como o prefeito  estava preparado para defender a cidade, vendo que não teria sucesso no combate, Lampião se considerou vencido, saindo às carreiras em busca do Estado do Ceará, deixando para trás o cangaceiro Colchete, já morto, e o afamado Jararaca baleado, que se perdera do seu bando.
             No dia seguinte, Jararaca foi preso e levado para a cadeia pública de Mossoró, que não levando sorte, foi covardemente assassinado pelas autoridades.
 
 José Mendes Pereira

Como morre um cangaceiro

           Antes de ser executado, Jararaca riu com as lembranças de sua vida ao lado de Lampião
Leia o que disse  Xico Sá, sobre o que escreveu o jornalista Lauro da Escóssia, na entrevista que fez com o cangaceiro Jararaca


              Um dia depois do combate, quando o povo de Mossoró ainda temia o possível retorno de Lampião sequioso por vingança, um dos principais cangaceiros do bando, Jararaca, foi capturado se arrastando por um matagal. O que se deu a seguir foi um roteiro tragicômico, conforme a narrativa de Lauro da Escóssia, então repórter do jornal O Mossoroense.       
             O nome do pernambucano Jararaca era José Leite de Santana. Ele tinha apenas 22 anos  nos registros policiais, contudo, aparece com 26. Mesmo com um rombo de bala no peito, conseguiu gargalhar durante uma entrevista na cadeia.
            O cabra de Lampião dizia que era por causa das lembranças divertidas do cangaço. Entre as memórias que ouviu do preso, Lauro da Escóssia descreve o dia em que Lampião teria invadido a festa de casamento de um inimigo e, com seu próprio punhal, sangrado o noivo. Já a noiva teria sido estuprada na caatinga pelos cabras do bando.
             Segundo o relato de Jararaca, Virgulino também ordenou que os convidados de um baile tirassem as roupas e dançassem um xaxado completamente nus.

Vera Ferreira - Neta de Lampião e Maria Bonita

            Vera Ferreira, neta de Lampião, que hoje cuida das memórias do avô em Aracaju, Sergipe, vê muito folclore nesse tipo de história. Nega, a partir das suas pesquisas, que o cangaceiro tenha ordenado ou praticado estupros (ela é co-autora do livro independente De Virgolino a Lampião, que escreveu com o pesquisador Amaury Corrêa, dono de um dos maiores acervos sobre o rei do cangaço, em São Paulo).

Antonio Amaury

           Fato é que, na cadeia, Jararaca virou atração pública na cidade potiguar. Quando já apresentava alguma melhora do ferimento, mesmo sem ser medicado, ouviu que seria transferido para a capital, Natal. Era mentira.
           Alta noite, da quinta para a sexta-feira, levaram Jararaca para o cemitério, onde já estava aberta sua cova, relata Escóssia. Pressentindo a armação, Jararaca diz: "Sei que vou morrer. Vão ver como morre um cangaceiro!".

Capitão Abdon Nunes

            O capitão Abdon Nunes, que comandava a polícia em Mossoró, relatou dias depois os momentos finais do capanga de Lampião: "Foi-lhe dada uma coronhada e uma punhalada mortal. O bandido deu um grande urro e caiu na cova, empurrado. Os soldados cobriram-lhe o corpo com areia".
             Pelas circunstâncias da morte, o túmulo de Jararaca virou local de romaria. Até hoje as pessoas rezam e fazem promessas com pedidos ao cangaceiro executado. Na terra do Sol, Deus e o Diabo ainda andam juntos.

Túmulo do cangaceiro Jararaca
Foto do acervo Ivanildo Alves da Silveira
           Mas me parece que o cangaceiro Jararaca está perdendo a sua santidade. Como eu sou um cativo visitante daquele túmulo, não tenho visto mais velas acesas e nem tão pouco, restos de parafinas.
            Não é de se admirar, nos dois últimos anos foram sepultados dentro da capela de São Sebastião, no próprio Cemitério onde estar o Jararaca, duas grandes ovelhas de Deus, o Monsenhor Américo Vespúcio Simonetti, que dirigia a Diocese de Mossoró, e as três emissoras, "Rural". 

Monsenhor Américo Vespúcio Simonetti
Ex-diretor da Diocese de Mossoró

           Também foi sepultado nela, o Padre Guido, pároco da Igreja de São José, e diretor do Abrigo Diamantino Câmara.

Padre Guido
Ex-pároco da Igreja de São José

           Eu acredito que por ele ter visto a chegada destas duas ovelhas de Deus, anda se escondendo dos fiéis, para que eles não descubram a sua falsa santidade.  

Marcas da Passagem de Lampião pelo RN

Por: Rostand Medeiros
Rostand Medeiros e Manoel Severo
 
A História da Capela de São Sebastião
 
            Recentemente tive a oportunidade de concluir um amplo trabalho de catalogação sobre o que ficou em termos de memória e de patrimônio histórico, relativo à passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande do Norte, entre os dias 10 e 14 de junho de 1927, cujo principal objetivo era o ataque à cidade de Mossoró 
            Apoiado pelo SEBRAE-RN, este trabalho é parte integrante do "Território Sertão Apodi - Nas Pegadas de Lampião", onde o âmago deste projeto está focado na ideia do desenvolvimento territorial de diversos municípios potiguares. Sua fonte de inspiração gravita na estética do cangaço e do sertão, onde o projeto busca criar novos produtos e oportunidades de negócios com base na ideia de "culturalização" da economia, do turismo e do artesanato, ou seja, usar a cultura para agregar valor aos negócios e as atividades econômicas. Como é normal por parte do SEBRAE-RN, busca igualmente desenvolver a região por meio do estímulo ao empreendedorismo, à capacitação, à qualificação e à gestão dos negócios, sempre valorizando as vocações e atividades já existentes no território.


            No meu caso específico, a minha participação neste projeto foi buscar de todas as formas percorrer o mesmo caminho originalmente palmilhado por estes cangaceiros. Para traçar esta rota, além das obras escritas sobre a história da passagem do bando de Lampião pelo Rio Grande de Norte, fiz uso de materiais históricos existentes nos arquivos do Rio Grande do Norte Paraíba e de Pernambuco. 
 

O rei Lampião

            Outro recurso para traçar esta rota foi a utilização de mapas elaborados pelo Exército Brasileiro na década de 1960, em escala de 1:100.000, que tinham como principal valor, apontarem as velhas rotas entre as propriedades rurais. Buscamos as informações existentes neste material mais antigo, com a utilização de sistema G.P.S - Global Position Systen. Isso tudo sem desprezar as informações das populações destas localidades, que parecem já terem nascido com um G.P.S. embutido na cabeça, mesmo em muitos casos ainda utilizando como medida de distância a velha e boa "légua". Após esta fase, partimos para os contatos com órgãos municipais, em busca de apoio e iniciamos o trabalho de campo.
             Após seis meses, foram percorridos, entre idas e vindas, mais de 4.000 quilômetros, onde visitamos 82 sítios, fazendas, comunidades e cidades. Foram entrevistadas 123 pessoas e obtidas mais de 2.185 fotografias. Em grande parte deste trajeto, a motocicleta se mostrou um aliado muito mais eficiente para se alcançar estes distantes locais.
             Os resultados foram extremamente satisfatórios. Apontamos em nosso relatório para o SEBRAE-RN a existência do patrimônio histórico (casas atacadas, locais de combates, etc.), de locais utilizados em prol da memória relativa a estes fatos e os apontamentos transmitidos pelos descendentes daqueles que vivenciaram estes episódios, tentando conhecer o que ficou da passagem de Lampião.
             Um dos aspectos mais interessantes não aponta apenas para os relatos de lutas, resistências, arroubos de valentia, covardias, ou sobre o alívio em relação à fuga dos cangaceiros. Foi possível encontrar em alguns locais, interessantes situações originadas pelo medo da passagem de Lampião, que geraram manifestações que se perpetuam até hoje.


             Comento especificamente sobre uma ermida encontrada no alto de um promontório denominado Serra da Veneza, próximo ao sítio Garrota Morta, na fronteira entre os municípios de Antônio Martins e Pilões. Nesta elevação granítica, que segundo o mapa da SUDENE chega a atingir a altitude de 555 metros, existe uma capela edificada em razão do medo provocado pela passagem do bando.


           Primeiramente havíamos recebido uma informação que este pequeno templo fora erguida pelo fazendeiro Manoel Barreto Leite, conhecido na região como "Seu Leite", proprietário de um sítio conhecido como Veneza e localizado próximo a esta serra. Esta informação dava conta que todos os anos, a família do proprietário rural mandava rezar uma missa como forma de marcar mais um aniversário da libertação de Barreto do julgo do bando. Tanto a construção da capela como a missa rezada anualmente eram parte de uma promessa que devia ser cumprida pela família Leite.


            Na tarde do dia 11 de Junho de 1927, um sábado, quando empreendia uma viagem, na altura do sítio Corredor, a cerca de dez quilômetros de sua propriedade, o fazendeiro Manoel Barreto Leite, foi capturado pela fração do bando comandado por Sabino. Sua libertação foi orçada em cinquenta contos de réis. O mesmo só foi libertado em Limoeiro, atual Limoeiro do Norte, no Ceará, após a derrota do bando em Mossoró.

O cangaceiro Sabino Gomes

            Manoel Leite era um homem conhecido na região, que possuía bons recursos financeiros e extremamente respeitado, por esta razão a existência da capelinha branca no alto da serra homônima de sua propriedade, ficou associada a uma promessa feita pelo fazendeiro sequestrado.
             Mas conforme seguíamos o trajeto, ao perguntarmos sobre este caso, percebemos o desconhecimento das pessoas da região em relação a esta versão. Buscamos apurar os fatos e no sítio Garrota Morta localizado nas proximidades desta serra, encontramos uma senhora chamada Maria Eugenia de Oliveira (Foto) que esclareceu a verdade sobre esta capela.
             Esta senhora, pequena na estatura, mas é forte, voluntariosa, possui uma voz firme e olha direto no olho do interlocutor. Maria Eugenia é daquelas de ficar em casa vendo novelas, já está na faixa dos cinquenta anos, mas todo santo dia trabalha voluntariamente como animadora da congregação católica local. Participando ainda como catequista e ministra da eucaristia. Há alguns anos atrás, por sua própria iniciativa, em meio a este trabalho religioso ela iniciou uma pesquisa histórica com as pessoas mais idosas da sua região, onde apurou entre outras coisas a origem dos nomes dos logradouros, as histórias relativas as famílias da região e os fatos históricos mais representativos do lugar. Mesmo anotando estas informações em um caderno simples, através de sua louvável e comovente iniciativa, foi possível conseguir as informações sobre a origem desta capela.

Maria Eugenia

            Segundo Maria Eugenia foram as idosas moradoras conhecidas como "Francisca do Uru" e "Francisca da Garrota Morta", que lhe narraram os fatos que a comunidade local considera um verdadeiro milagre.
             Na noite de 10 de Junho de 1927, quando Lampião e seu bando se  aproximavam da fazenda Caricé, a cerca de oito quilômetros da Garrota Morta, em meio às terríveis notícias, três fazendeiros da região procuraram refúgio junto às rochas da base desta elevação. Essas famílias eram comandadas respectivamente por Manoel Joaquim de Queiroz, proprietário do sítio Garrota Morta, Vicente Antônio, do sítio Cardoso e Francisco Félix, que habitava na pequena zona urbana que formava a Vila de Boa Esperança, atual cidade de Antônio Martins.
             Durante o período que lá permaneceram, as três famílias não se encontraram e sequer se viram em nenhum momento. Em meio a aflição, estes homens solicitaram junto ao mesmo santo, São Sebastião, que os protegessem contra a ação dos cangaceiros.
             No dia posterior o bando chegou próximo a Serra da Veneza. Os cangaceiros ainda palmilharam algumas casas edificadas dentro dos limites da propriedade Garrota Morta, mas não chegaram próximo aos esconderijos no pé da serra.
              Em meio ao sentimento de alívio que crescia, as três famílias que não se viam choravam de alegria e rezavam agradecendo. O mais interessante, segundo Maria Eugenia, mesmo sem existir nenhuma espécie de combinação, os três homens elegeram a mesma penitência; galgar a Serra da Veneza, erguer um oratório e ali depositar uma imagem em honra a São Sebastião.
             Logo os fazendeiros e seus familiares foram a Vila de Boa Esperança, a treze quilômetros da serra. Como muitos moradores da região, eles foram agradecer na capela do lugarejo, edificada em honra a Santo Antônio, o fato de nada de pior haver ocorrido. Neste local os três homens se encontraram, eram amigos, e logo debatiam sobre os fatos vividos. Para surpresa de todos os presentes, compreenderam que havia ocorrido uma interseção divina com relação a eles terem tido as mesmas ideias e os mesmos pensamentos.
             Em pouco tempo eles adquiriam conjuntamente uma pequena imagem de São Sebastião e logo galgavam a Serra da Veneza, para unidos edificarem um pequeno oratório. A ação dos três fazendeiros e as estranhas coincidências chamaram a atenção das pessoas na região. Outros penitentes passaram a subir a serra para pagar promessas. Mais algum tempo a comunidade da Garrota Morta já organizava uma singela procissão e não demorou muito para que o pároco local também viesse participar. Com o passar do tempo começou a ocorrer a participação de pessoas de outros municípios.
              Em 1948, vinte e um anos após a passagem de Lampião e seu bando e do pretenso milagre, treze famílias da comunidade ergueram treze cruzes, formando uma via sacra entre a base da serra e o local do oratório. Cada uma destas cruzes tinha dois metros de altura e continha uma placa da família doadora. Percebendo o crescimento desta manifestação, conjuntamente estas pessoas deram início a construção da atual capela, em meio a uma intensa confraternização.
              A capela foi construída em um ponto mais abaixo em relação à posição original do antigo oratório. Uma nova imagem de São Sebastião foi levada em procissão e se uniu a que ali havia sido colocada primeiramente.


             Atualmente a participação popular só cresce. A cada dia 20 de Janeiro, inúmeros ex-votos são colocados como pagamento de promessas, velas são acesas e fiéis de vários municípios vêm participar subindo a serra. Em meio a um intenso foguetório, sempre as primeiras horas da manhã, um público que atualmente gira entre 400 e 500 pessoas, comparece ao sítio Garrota Morta e com a tradicional fé característica do nordestino, sobrem a serra.
            O sítio Garrota Morta está localizado na área territorial do município de Antônio Martins, as margens da estrada que liga as cidades de Pilões e Serrinha dos Pintos. O dia da nossa visita a região estava particularmente quente, em meio a uma região já bem quente. Além do mais eram uma hora da tarde e nosso tempo era curto. Mas sei que vou voltar e subir esta serra.


Rostand Medeiros é escritor historiógrafo e pesquisador do cangaço. rostandmedeiros@gmail.com


Extraído do blog: "Lampião Aceso", do amigo Kiko Monteiro