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quarta-feira, 17 de julho de 2019

QUEM NÃO GOSTA DE LER HISTÓRIAS SOBRE SINHÔ PEREIRA E LUIZ PADRE?


Por Marcos Oliveira Damasceno

De acordo com a maioria dos autores sobre o tema, a expressão “cangaço” deriva-se de “canga”, peça de madeira colocada sobre o pescoço dos bois de carga. Os cangaceiros usavam verdadeiras cangas no pescoço para o transporte de utensílios pessoais.

O Cabeleira

O cangaço ocorreu em vários momentos da história nordestina. Primeiro com o valente José Gomes, de alcunha “Cabeleira”. Este aterrorizava as terras do Estado do Pernambuco, por volta de 1775. 


Anos depois, o cangaço foi protagonizado por Jesuíno Alves de Melo Calado, apelidado de “Jesuíno Brilhante”. Nasceu em 1844 e faleceu em 1879. Era natural do Estado do Rio Grande do Norte. Este saqueava os comboios do governo, roubava alimentos e distribuía entre a população pobre das redondezas. Depois foi a vez de Antônio Silvino. Nasceu em 1875 e faleceu em 1944. Tinha o apelido de “Rifle de Ouro”. Era pernambucano.


Iniciou-se o cangaço como volante. Em 1914. O mentor e líder era Sebastião Pereira da Silva, conhecido como Sinhô Pereira. Foi o comandante de Lampião. Nasceu em Serra Talhada-PE, a 20 de janeiro de 1896. Apelidado “Demônio do Sertão” pelos populares, por ser um rei nas estratégias de guerrilhas pela caatinga. 


Por várias vezes foi cercado pela polícia, e conseguia escapar. Era um homem do bem, embora justiceiro popular, pela via da violência. A época era assim, a justiça era feita pelas próprias mãos.


Era sobrinho neto do coronel Andrelino Pereira da Silva, o Barão do Pajeú, primeiro intendente (prefeito) da Vila Bela (Estado do Pernambuco). Também sobrinho do Padre Pereira e filho de Manuel Pereira da Silva. A tradicional família “Pereira”. A entrada do jovem Sebastião para o cangaço teve início em rixas e mortes entre “Os Pereiras” e “Os Carvalhos”. No livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, de autoria de Nertan Macedo, publicado em 1980, a descrição:

- Manoel Pereira da Silva era irmão do Barão do Pajeú, e pai de outro Manoel – Manoel Pereira da Silva Jacobina (Padre Pereira). Manoel (pai) sempre sonhou em ver o filho padre. Mandou-o, como era de uso no tempo, estudar no Seminário de Olinda. Manoel permaneceu algum tempo de batina, derramado sobre o seu latim, mas terminou voltando para o Sertão, sem ser ordenado. Restou a Manoel o apelido de Padre Pereira.

Padre Pereira era do bem, mas por assumir a liderança política “dos Pereiras” passou a ser o mais odiado “pelos Carvalhos” (família rival). Aos 72 anos de idade, foi vítima de uma emboscada e atingido por um tiro do jagunço Luís de França, a mando da família rival. Seu filho Luís Pereira da Silva Jacobina, apelidado Luís Padre, tinha 17 anos de idade na ocasião da morte do seu pai. A esposa do Padre Pereira, Dona Chiquinha, exigiu (por questão de honra) a vingança da morte do marido. Luís Padre muito novo, não estava preparado para a missão. Pediu ajuda ao primo Né Pereira (ou Né Dadu), irmão de Sinhô Pereira. Foram escolhidos Joaquim Nogueira de Carvalho e Eustáquio Bernardino de Carvalho para serem assassinados. Assim ocorreu.

Dias depois, Né Pereira foi assassinado “pelos Carvalhos”. Aí entra na história Sinhô Pereira, que se juntou ao primo Luís Padre, no desejo de vingar a morte do seu irmão e do seu tio. Logo os dois jovens (Luís Padre com 24 anos e Sinhô Pereira com 20 anos), mataram Luís de França, assassino de Padre Pereira. E com espírito de guerra, formaram um grupo de jagunços que passou a ser volante, andando com cangas para levar utensílios. Daí o apelido cangaceiros. Guerrearam por muitos anos.

Sinhô Pereira e Luiz Padre

Em 1918, Sinhô Pereira e Luís Padre resolveram recomeçar a vida e deixaram o cangaço. Alguns historiadores afirmam que eles haviam atendido a um pedido de Padre Cícero, enviado numa carta endereçada ao Sinhô Pereira, em que o sacerdote pedia que os primos deixassem a região, que vivia em clima de guerra e de medo. O sacerdote cearense ao receber a resposta favorável, enviou outra carta para Padre Castro, no município de Pedro II (Estado do Piauí), pedindo ao vigário que recebesse os dois jovens e encaminhasse-os para o Maranhão, para as terras do Barão de Santa Filomena (Estado do Piauí) e do Marquês de Paranaguá (Estado do Piauí). Mas os primos escolheram o Estado de Goiás. Do município de José do Belmonte-PE vieram em direção ao Estado do Piauí. Em Simões-PI, a caminho de Pedro II-PI, foram perseguidos e mudaram de rumo. Por questões de estratégia militar se separaram. Montados a cavalos, acompanhados de seis cangaceiros.

Luís Padre ficou com dois cangaceiros e rumou Uruçuí-PI (hoje município). Já Sinhô Pereira ficou com quatro cangaceiros (“Cacheado”, “Coqueiro”, “Raimundo Morais” e “Gato”), rumou Corrente-PI. Passou por São Raimundo Nonato-PI e chegou a Caracol - PI. O próximo destino seria Parnaguá-PI. Mas foi cercado pela polícia do Piauí, em Caracol – PI. Isso em dezembro de 1918. A força policial era comandada pelo tenente Zeca Rubens. Um contingente de 20 soldados, e ainda mais de 40 populares. Sinhô Pereira, tido por alguns como “arquiduque do sertão”, e por outros o rei das guerrilhas na caatinga, mesmo com um grupo de cinco pessoas conseguiu escapar. Suas táticas de guerrilha funcionaram.

Retornou para sua terra (no Pernambuco). Desistiu da viagem para o Estado de Goiás. Alegava que eles teriam um longo trecho pelo Estado do Piauí até chegar o destino final.

Com pouca munição, com alguns dias de fome e de sede, era melhor retornar. Próximo a Remanso - BA encontraram abrigo, água e comida. Seguiu o futuro comandante de Lampião para sua terra. Chegou por lá em março de 1920. Em passagem por Serra Talhada-PE esteve com Lampião e seus irmãos Antônio e Livino. Mais tarde, outro irmão entrou para o cangaço: Ezequiel. Muitas ligações entre Lampião e Sinhô Pereira: eram vizinhos; a mãe de Lampião era afilhada do pai de Sinhô Pereira; o pai de Lampião era afilhado do Padre Pereira, tio de Sinhô Pereira; as famílias eram amigas; e com comuns inimigos: “Os Saturninos” e José Lucena.

Zé Lucena e Zé Saturnino

Em Gilbués-PI (hoje município), vindo de Uruçuí-PI, Luís Padre soube do ataque ao primo. Mas seguiu pelo cerrado piauiense rumo ao Estado de Goiás. Passou em Santa Filomena-PI (hoje município). Já havia adotado um nome fajuto: José Piauí. Anos depois, já em Goiás, Luís Padre comunicou ao Sinhô Pereira o lugar onde estava. Seguro e sossegado. O cangaço na região Nordeste estava cada vez mais difícil. Sinhô Pereira resolveu ir onde estava seu primo, e comunicou ao grupo. Lampião disse que ficaria. Muitos cangaceiros ficaram com o futuro rei do cangaço, que assumiu o comando do grupo. Ao despedir-se de Lampião, disse-lhe: “Vou deixar umas brasas acesas por aí. Trate de apagá-las”.

Sinhô Pereira deixou o cangaço (definitivamente) a 08 de agosto de 1922, e foi para Minas Gerais. Anos depois se mudou para Goiás. Deu suas justificativas ao Nertan Macedo, autor do livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, que esteve na sua casa em Minas Gerais, em 1975.


- Depois que houve outro combate na fazenda Tabuleiro, de Neco Alves, na Paraíba, fronteira com Pernambuco. De longe avistamos uns homens. Pensamos que fossem nossos companheiros. Lampião ia à frente, com Livino e “Meia Noite” (cangaceiro). Os soldados atiraram. Lampião perdeu o chapéu, ao pular para se livrar das balas. Ao voltar para apanhá-lo tomou dois tiros, um na virilha e outro acima do peito. Na hora ele saiu andando, mas não aguentou e caiu. Livino e “Meia Noite” (cangaceiro) o arrastaram até um lugar seguro. Mandei chamar o Dr. Mota, amigo da minha família, para examinar Lampião. Disse: “Nunca vi tanta sorte. Por um triz a bala pegava a bexiga e a espinha.” Fizemos um rancho, onde ficamos até Lampião poder andar. Depois do combate em que Lampião saiu ferido eu resolvi me retirar daquela vida. Saí mais por causa do reumatismo, que me atacava tanto. Tinha dia que eu não conseguia nem caminhar. Isso por causa das longas noites passadas ao relento, na friagem do sertão.

Décadas depois, Sinhô Pereira foi descoberto em Lagoa Grande, povoado de Presidente Olegário-MG, sendo dono de uma farmácia. Com nome fajuto de Chico Maranhão. O coronel Farnesi Dias Maciel foi quem deu abrigo e proteção ao ex-cangaceiro, naqueles confins de Minas Gerais. Era irmão do falecido Presidente Olegário (ex-governador mineiro), homenageado com o nome do município.

Maura Eustáquia de Oliveira escreve no Jornal “O Globo” sobre Sinhô Pereira, nos anos 70:

- De Serra Talhada, no sertão de Pernambuco, até Lagoa Grande, no sertão de Minas Gerais, há mais de mil quilômetros de distância. Mas uma distância muito maior separa o cangaceiro Sebastião Pereira, que Serra Talhada temeu em torno de 1916, do farmacêutico Chico Maranhão, que Lagoa Grande respeita e venera desde 1923.

Sebastião Pereira, ou Sinhô Pereira como era conhecido no cangaço, é sobrinho do Barão do Pajeú, um dos mais influentes políticos pernambucanos do início do século. Aderiu ao cangaço para vingar a morte de um irmão na rixa entre as famílias do sertão e “para levar justiça a um povo que só conhecia a lei da força”. Um dia recebeu entre seus homens o jovem Virgulino Ferreira – que mais tarde seria o temido Lampião – a quem ensinou todos os segredos da guerrilha da caatinga e depois fez ele seu lugar-tenente. Quando resolveu abandonar a vida de cangaceiro, convidou seu compadre para sair junto. Mas Lampião preferiu a caatinga.

Ao escritor Nertan Macedo o ex-cangaceiro disse em 1975, ao recebê-lo em sua casa, sobre a vida no cangaço:

- Era um tempo ruim. Não tinha sossego. Era só desgraça, seca e miséria. Raro o dia, na caatinga, que podíamos nos dar ao luxo de uma xícara de café. Tinha vez de nós rompermos até 12 léguas (72 km) num dia. Um estirão danado. Nessas ocasiões, a gente mal parava pra comer e descansar. Travessias fortes, perambulando de um lado para outro. Enfrentava inimigos fortes e poderosos, ainda sofria dias e dias de fome e sede. Eis a vida no cangaço. Quase todos do grupo tinham menos de 25 anos (de idade)

Em 1920, mês de junho, Virgulino Ferreira, vulgo Lampião, entra para o cangaço a convite de Sinhô Pereira. Foi seu comandante. Segundo ele próprio, sua entrada foi motivada pelo desejo de vingar a morte do seu pai. O líder Sinhô Pereira admirava-o pela sua valentia e por suas técnicas de guerras (era bom nisso). E Lampião, sempre que necessário, demonstrava idolatria ao comandante e até depois de sua saída fez tributo ao seu mestre, dizendo da sua admiração por ele. O mestre-comandante de Lampião, conta sua vida no livro “Sinhô Pereira: o comandante de Lampião”, de autoria de Nertan Macedo:

- Lampião era de uma família humilde. Ele nasceu a umas três léguas (18 km) de São Francisco, onde eu morava e seu pai fazia a feira e batizava os filhos. Conheci Lampião desde menino. Ele e seus irmãos eram independentes e muito trabalhadores. A questão dele foi de terra. Saturnino, pai de Zé Saturnino, queria tomar um pedaço de terra da fazenda Serra Vermelha, de Zé Ferreira, pai de Lampião. Houve uns tiros entre eles. Morreu um dos jagunços de Zé Saturnino, e Zé Ferreira saiu ferido. Aí “Os Ferreiras” se retiraram para Matinha de Água Branca, em Alagoas, onde ficaram sob a proteção do coronel Ulisses Lunas, em 1917. Eles estavam até destituídos de questão, quietos, trabalhando, quando em 1920 foram procurados por Antônio Matilde, casado com uma parenta deles, para juntos perseguirem Zé Saturnino. Antônio Matilde tinha um grupo de homens. Houve algumas lutas, morreu um sobrinho de Antônio Matilde e Casimiro Honório, tio de Zé Saturnino. Depois disso, Antônio Matilde desapareceu, deixando “Os Ferreiras” encrencados também com a polícia. Essa encrenca foi que provocou a morte de Zé Ferreira, pai de Lampião.

Jozé Ferreira e Maria Lopes pais de Lampião - http://meneleu.blogspot.com/2014/10/a-morte-do-pai-e-da-mae-de-lampiao.html

- Depois da morte de Casimiro Honório, o tenente José Lucena saiu em perseguição a Antônio Matilde. Soube que Zé Ferreira estava na casa de um “Fragoso”, foi lá e matou o velho. Antes havia matado Luís Fragoso, filho do dono da casa. Dona Maria José, mãe de Lampião, morreu 19 dias depois de desgosto. Depois da morte de Zé Ferreira, Lampião e irmãos juntaram-se com os irmãos Porcino, Antônio, Manuel e Pedro. Mas foi por poucos dias. Então, saíram atrás de José Lucena. Tiveram um encontro com um policial num lugar por nome Espírito Santo, fronteira de Pernambuco com Alagoas. Morreu gente de parte a parte. O cabo (policial) foi confundido com José Lucena e recebeu 12 tiros. A força (policial) era muito grande. Eles não eram nem a metade. Aí eles fugiram, achando que tinham matado José Lucena.

Pegando o gancho, farei aqui uma leitura do cangaço; numa visão social. Lampião fez história no cangaço tornando-se numa lenda. Seu nome está memorizado na memória coletiva e no panteão da imortalidade.

Segundo fontes bibliográficas, os três brasileiros mais biografados – todos com mais de 3000 livros escritos sobre eles - são: Padre Cícero, Lampião e Luiz Gonzaga. Todos nordestinos. Lampião, no caso aqui, foi a referência de mobilização para todos esses grandes líderes existentes da arena da justiça social. Certa vez, o então deputado federal Francisco Julião, representante das Ligas Camponesas e militante político pela reforma agrária, declarou: “Lampião foi o primeiro homem do Nordeste a batalhar contra o latifúndio e a arbitrariedade”. Assim como muitos outros personagens da História, foi injustiçado pela visão elitista. Os fatos históricos perderam lugar para as lendas.

O fato, é que Lampião era um jovem normal e tranquilo que trabalhava para Delmiro Gouveia, grande empresário da época. Sua revolta deu início a partir do dia em que seu pai (José Ferreira) foi assassinado (em 1920) pelo sargento de polícia José Lucena, por causa de um litígio com o vizinho José Saturnino. Naquela época a honra andava lado a lado com a vingança. Recorrer a quem? À justiça dos homens, muitas vezes manipulada pelo próprio coronelismo político? Não existia democracia. Nem diplomacia. Agir pela via da violência não era um erro de causa, era o meio mais sensato para o fim da dignidade moral.

Lampião foi um idealista, um revolucionário primitivo, insurgente contra a opressão do latifúndio e a injustiça do sertão nordestino. Um “Robin Hood”. Um justiceiro popular. Ele sempre foi um homem justo, que comungava de valores de respeito e de relacionamento social. Seu problema não era com o povo, nunca o perseguiu. E sim, com os coronéis rurais (posseiros das terras), líderes políticos e comerciantes que exploravam o povo com a carestia. Protestou contra todas as mazelas sociais existentes na região Nordeste. Ensinou o povo a se indignar, a mobilizar-se; ensinou-nos a importância da luta.

Sua imagem revolucionária começou a se desenhar em 1935, ainda vivo, quando a Aliança Nacional Libertadora – ANL citou-o como um de seus inspiradores políticos. Já nos anos 20 era a referência para essa linha de atuação pela justiça social. E provavelmente nos anos 10 o cangaço já representava o principal exemplo de mobilização social. Existiram erros de causa por parte do cangaço. Isso é inegável. Mas diante da grande obra da causa cívica e do mérito da história desses brasileiros cangaceiros, são insignificantes.

Sobre a referência social de Lampião, o historiador norte-americano Billy Jayner Chandler escreveu:

- Os ingleses vibram com os feitos de Robin Hood. Os norte-americanos contam as aventuras de Jesse James. Os mexicanos, as façanhas de Pancho Villa. E os brasileiros, as de Lampião.

O cangaço foi importante e notório na luta pela liberdade e dignidade do povo sertanejo do Brasil. Deu significativa contribuição para um país mais desenvolvido e menos desigual socialmente. Vamos nos situar na região.

Imagine a população sem renda que lhe oferecesse as mínimas condições de sobrevivência... Um povo que fazia parte apenas da estatística nacional brasileira como integrante da população. A exclusão social era total. Esses atores sociais foram ardentes defensores da causa da justiça, e os principais intérpretes das aspirações das massas. Foram líderes sociais. Heróis do povo brasileiro.

Marcos Oliveira Damasceno, 30 anos, escritor. Natural de Dom Inocêncio – PI. Doutorado em Filosofia Política. Diretor-Presidente da Produtora Sertão.


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O VELHO AMIGO ZEQUIAS E SUAS VERDADES EM PALAVRAS TRONCHAS

*Rangel Alves da Costa

É. De vez em quando bate uma saudade danada. A gente que sempre tá juntinho pra um dedo de prosa, mas não tem jeito. O que resta é somente a saudade.
Velho amigo, amigo velho, bom dia, boa tarde, boa noite. Não sei se agora debaixo de lua ou de sol, mas sei que diante da face de Deus sertanejo.
Desde muito que o tamarineiro não ouve nosso proseado ao entardecer. Debaixo daquele sombreado e nossa voz matuta falando da vida e da sina, do tempo e do destino, dizendo sobre a planta e o bicho.
Nosso amigo Zequias enviou-me missiva outro dia. Cartinha rabiscada por algum parente, certamente, vez que nosso bom homem só aprendeu a ler no livro do tempo e escrever por cima da terra. Mas não há ninguém mais culto por todo o sertão. Um verdadeiro mestre no ofício da sobrevivência.
Fiquei muito triste com o que relatou, e por isso mesmo preciso que me confirme o tamanho da dor retratada. E quem dera apenas uma dor de passagem, assim como um espinho na sola do pé, mas um sofrimento duradouro e difícil de ser combatido. Eis, amigo, que a dor descrita se espalha e aflige o sertão inteiro.
Queria não acreditar no amigo Zequias, mas impossível diante da lucidez de suas palavras tronchas. Acaso seja mesmo verdade o que descreve, então o nosso sertão parece estar com os dias contados, bem perto do fim.
Mas não imagine que o sertão irá sumir debaixo do chão, mas é outra terra que vai acabar encobrindo o nosso rincão. E de tudo aquilo que desde muito aprendemos a amar e cativar, muito pouco restará como sombras da pujança de um dia, de nossas raízes e nossos antepassados.
Acredito no Zequias, mesmo me estraçalhando por dentro não posso deixar de acreditar. Mas parece coisa do outro mundo. Faz pouco tempo que peguei a estrada e tudo por aí já parece transformado em outro mundo. Pelo que disse, só mesmo a lua e o sol sertanejo continuam vindo e voltando como antigamente, sendo no dia a dia o que sempre foram. Mas o resto.


Dói-me acreditar, velho amigo, que até o autêntico matuto, o verdadeiro caboclo sertanejo, está se deixando conduzir pela modernidade. Disso ninguém foge, sei bem disso, mas também não se deve renegar sua condição nem relegar ao esquecimento a cultura sertaneja, sua história e suas tradições.
Fiquei sabendo que quase ninguém mais se dá o trabalho de ir buscar o animal no cercado, colocar sela e fazer montaria. Cavalo, burro, jegue e jumento estão sendo praticamente abandonados quando se trata de pegar estrada e ir de canto a outro. Não se ouve mais relincho pelas veredas, não se descansa mais debaixo de umbuzeiro, pois tudo agora no lombo da motocicleta.
Zequias me disse tudo, e coisas realmente de espantar. Disse que por aí tem gente que tange vaca em cima da moto, que entra na mataria montado na máquina e que sequer se lembra de matar a fome e a sede do jumentinho esquecido nos descampados do mundo. Mas não pode faltar de jeito nenhum a comida gordurosa da motocicleta.
Então, velho amigo, então eu fico aqui me perguntando se não chegará o dia de vaquejada sem cavalo, de pega de boi sem cavalo, de corrida de mourão sem o animal. E seria a visão mais triste avistar uma cavalhada sem aqueles cavalos enfeitados e os honrados cavalheiros empunhando suas lanças com majestade indescritível.
Zequias falou-me de tudo, ou quase tudo. Relatou-me que o sertão está cada vez mais quente e os riachinhos cada vez mais secos. E também que quase não há mais mataria, não se avista mais aquelas árvores portentosas se sobressaindo ao lado das catingueiras e tufos espinhentos.
Segundo ele, nem ao amanhecer nem ao entardecer se ouve mais um só canto passarinheiro. Sumiram as rolinhas fogo-pagô, os canários, os cabeças, os azulões, os coleirinhos, as sabiás. Ninguém avista mais uma seriema, uma nambu ou codorna. Até o preá, que é bicho mais da terra que qualquer outro, sumiu de vez daquele chão.
Também pudera amigo, não poderia ser diferente. Onde não há mato não pode haver bicho, onde não há planta na beira de riacho não há como a água se segurar, onde só há devastação tudo dizimado estará.
A verdade, amigo, é que passarinho precisa da copa das árvores para fazer seu ninho, precisa de galhagens para pousar depois do voo, precisa das flores para se alimentar. E como pode sobreviver num lugar que praticamente virou deserto? O mesmo se diga com os outros bichos que precisam dos tufos de mato, da fonte para matar a sede, da natureza para sobreviver.
Zequias me disse muito mais, mas vou ficando por aqui. Quem dera chegar por aí e ainda poder ouvir um aboio, uma toada dolente, uma cantoria matuta. Sei que o fole silencia mais que abre o berreiro e também que quase não há mais salão de arrasta-pé. E os pífanos de noites de leilão emudeceram de vez. Tudo de fazer chorar.
Falei demais, não sei, porém falaria muito mais se essa saudade no meu peito não chuvarasse nos olhos. E agora choro, uma tempestade. Ainda assim sinto no rosto o sol em chamas do meu sertão. Mas qualquer dia ainda terei sua lua.

Escritor
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O ATAQUE DE SINHÔ PEREIRA AS FAZENDAS PIRANHAS E UMBURANAS, DOS CARVALHOS.

Por Luiz Ferraz Filho

Clássica foto de Sinhô Pereira e Luis Padre

Geograficamente falando, no inicio do século XX não havia possibilidade nenhuma de frequentar a léndaria Vila de São Francisco (antigo distrito de Villa Bella - Serra Talhada-PE), sem passar nas terras das familias Pereira ou Carvalho. E foi exatamente nesse epicentro das antigas questões que estive visitando. A vila era na época um arruado de comercio pujante. Muitas habitantes frequentavam o povoado que crescia rapidamente as margens do Rio Pajeú. 

Qualquer sertanejo da Vila de São Francisco que desejasse visitar a cidade de Serra Talhada pela estrada velha, teria que passar nas fazendas Barra do Exu, Caldeirão, Escadinha, Varzea do Ú, Piranhas, Três Irmãos, Surubim e Umburanas, todas redutos de familiares dos "Alves de Carvalho". Esse grande número de habitantes fez prosperar essas localidades e conseguentemente da famosa vila , fundada na metade do século XIX por Francisco Pereira da Silva, patriarca dos "Pereiras".

Região rica, tal como todo o solo encontrado nas fazendas do oeste serratalhadense, a Fazenda Umburanas surgiu atraves de um dote recebido pelo fazendeiro Manoel Alves de Carvalho (filho de Jacinta Maria de Carvalho e João Barbosa de Barros - o Janjão da Quixabeira) pelo casamento com a prima Joana Alves de Carvalho, herdeira desta parte de terra que pertencia ao seu pai, o coronel José Alves da Fonseca Barros, que morava do outro lado do Rio Pajeú na Fazenda Barra do Exu. 

Marca de bala na Umburanas...

Deste quartel-general dos "Carvalhos das Umburanas", nasceram os celebres irmãos Jacinto Alves de Carvalho (Sindário), Enoque Alves de Carvalho, José Alves de Carvalho (Zé da Umburana) e Antônio Alves de Carvalho (Antônio da Umburana), e posteriomente os outros irmãos Isabel (Yaya), João de Cecilia (falecido jovem), Aderson Carvalho, Enedina e Adalgisa (Dadá). Foi lá, nesta fazenda, que esses celebres irmãos enfrentaram a questão com os primos Sinhô Pereira e Luis Padre.

Aparentados do major João Alves Nogueira, da Fazenda Serra Vermelha, e de Antônio Clementino de Carvalho (Antônio Quelé), que na época já enfretavam questão com Manoel Pereira da Silva Filho (Né Pereira), era somente questão de tempo e de proposito para que os irmãos Carvalhos (vizinhos da vila São Francisco, onde morava os Pereiras) aderissem a essa questão familiar. E o estopim foi justamente o assassinato de Né Pereira, em outubro de 1916, na Fazenda Serrinha, cerca de 6km da Fazenda Umburanas, dos Carvalhos.

Né Pereira, assassinado em outubro de 1916 pelo jagunço Zé Grande, que levou e entregou o chapéu e o punhal para os familiares dos Carvalhos.

O crime foi cometido pelo ex-presidiario Zé Grande (natural de Palmeira dos Indios-AL), que segundo os Pereiras, era ex-jagunço dos Carvalhos e havia fugido da cadeia para em sigilo incorpora-se ao bando de Né Pereira com a intenção de assassina-lo traiçoeiramente. Após matar Né Pereira quando ele tirava um conchilo, Zé Grande levou o chápeu e o punhal do morto para entregar aos Carvalhos, na Fazenda Umburanas, como prova do crime cometido. Revoltado, Sebastião Pereira e Silva (Sinhô Pereira - irmão de Né Pereira) entra na vida do cangaço ao lado do primo Luis Padre, que teve o pai assassinado em 1907, na Fazenda Poço da Cerca, cerca de 6km para as Umburanas.

Casa velha da Fazenda Umburanas, antiga propriedade de 
Manoel Alves de Carvalho e filhos. 
Francisco Batista da Silva (Chico Julio), 67 anos, morador antigo das fazendas Umburanas e Piranhas relembrando alguns episodio e mostrando as casas 
que foram incendiadas.

Localizada no epicentro da questão "Carvalho" e "Pereira", o comercio da Vila de São Francisco regredia devido a infestação de bandos armados. Em julho de 1917, Sinhô Pereira e Luis Padre, juntamente com mais 23 jagunços, resolveram fazer sua maior vingança com os "Carvalhos", cercando e atacando as Fazendas Piranhas e Umburanas. 

Os proprietarios Lucas Alves de Barros (da Fazenda Piranhas), Antônio Alves de Carvalho (da Fazenda Umburanas) e Jacinto Alves de Carvalho (da Fazenda Varzea do Ú) resistiram ao ataque, juntamente com os Pedros - jagunços e moradores da familia - em um combate épico que durou duas horas. O cabra Manuel Paixão, do bando de Sinhô Pereira, morreu ferido na calçada quando tentava entrar na casa velha da fazenda. "Tomamos a casa do Lucas, que fugiu para a casa de Agnelo (Alves de Barros - irmão de Lucas das Piranhas), bem perto. Depois chegaram mais jagunços, amigos dele. O combate durou quase duas horas. Manuel Paixão e outros três ficaram feridos. Um foi preciso a gente carregar. Era Antônio Grande. Por isso, tivemos que nos retirar. Dizem que morreu um deles e dois ou três ficaram feridos", revelou Sinhô Pereira, em entrevista nos anos 70.

Sindário Carvalho, que juntamente com os irmãos Zé e Antônio das Umburanas, resistiu ao ataque de Sinhô Pereira e Luis Padre as fazendas Piranhas e Umburanas
Casa velha da Fazenda Piranhas, propriedade de Lucas Alves de Barros e filhos.
Escombros da casa de Antonio Alves de Carvalho (Antonio da Umburanas), morto em um duelo com Sinho Pereira. 

Furioso, Sinhô Pereira pôs fogo nos roçados e nas cercas das fazendas, como também, queimou 13 ou 14 casas de moradores e agricultores que trabalham na terras dos Carvalhos, situadas bem próximas uma das outras. Depois, Sinhô Pereira, ainda matou algumas criações, cortando o couro para não ser aproveitado, e "arrombou" os pequenos açudes para os peixes morreram sem água. "A casa grande das Umburanas foi incendiada, como (também) as (casas) das Piranhas, e a minha casa nesta fazenda. Atualmente ali não reside ninguém", falou o fazendeiro João Lucas de Barros (filho de Lucas das Piranhas), em entrevista nos anos 70. 

Após esse ataque de Sinhô Pereira, os Carvalhos abandonaram suas moradas e vieram residir em Serra Talhada (PE), onde devido a influência com a politica da época, se aliaram aos militares e iniciaram uma tenaz perseguição ao bando de Sinhô Pereira e Luis Padre. Iniciava assim a fase mais obscura de uma guerra de vindictas familiares que culminaram na morte de Antônio das Umburanas e a ida de Sinhô e Luis Padre para o sudeste brasileiro. "A impunidade em Vila Bela (Serra Talhada) teve o auge em minha juventude", lamentou Sinhô Pereira, em entrevista meio século depois dos acontecimentos. 

Luiz Ferraz Filho, pesquisador - Serra Talhada,PE
(FONTE): (FERRAZ, Luis Wilson de Sá - Vila Bela, os Pereiras e outras historias) - (LORENA, Luiz - Serra Talhada: 250 anos de historia) - (MACEDO, Nertan - Sinhô Pereira, o comandante de Lampião) -  (AMORIM, Oswaldo - Entrevista de Sinhô Pereira ao Jornal do Brasil em fev.1969) - (FEITOSA, Helvécio Neves - Pajeú em Chamas: O Cangaço e os Pereiras)


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SINHÔ PEREIRA EM JUAZEIRO DO NORTE-CE


Infelizmente o site não apresenta a data em que Sinhô Pereira esteve no Juazeiro do Norte. Mas acredito que outros estudiosos do Padre Cícero Romão Batista têm a data.

https://www.facebook.com/OCangacoNaLiteratura/photos/sinh%C3%B4-pereira-em-juazeiro-do-norte-ce/1142221035929045/

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PADRE CÍCERO, DO MILAGRE AO PAPA



Para o povo, ele sempre foi santo, o padrinho dos pobres. Para a Igreja, a figura de Padre Cícero Romão Batista (1844-1934) oscilou em um curioso movimento pendular. No início, seu trabalho de evangelização popular mereceu total reverência; depois, ele foi atacado como um farsante que deveria ser impedido de celebrar missas e até excomungado. Passados mais de 80 anos desde a morte do religioso que se tornou político, a Santa Sé, em Roma, propõe uma reconciliação com o padre cuja devoção popular ainda hoje atrai romarias para Juazeiro do Norte, no Ceará. Compreender quem foi de fato esse homem, a dimensão de sua obra, as perseguições que sofreu e, principalmente, o lugar que ele merece na história e na Igreja, se tornou um chamado para a irmã Annette Dumoulin, religiosa, psicóloga e pesquisadora nascida na Bélgica que há mais de 40 anos se dedica ao legado do protetor dos despossuídos e aos romeiros de Juazeiro. Em “Padre Cícero – Santo do Povo, Santo da Igreja” (Paulinas), ela apresenta um estudo inédito e esclarecedor, baseado em documentos pouco conhecidos que permitem um novo entendimento da obra do injustiçado “padim Ciço”.

Sangue na hóstia

Nascido no Vale do Cariri, região considera- da um oásis em contraste com o árido sertão cearense, Cícero Romão Batista ficou órfão de pai aos 18 anos e precisou de favores do padrinho de Crisma para poder estudar no seminário da Prainha, em Fortaleza, onde foi ordenado sacerdote em 1870. Em Juazeiro, o jovem Padre Cícero passou a celebrar a Eucaristia aos domingos, na capela de Nossa Senhora das Dores. Foi lá que, em 1º de março de 1889, durante a confissão da beata Maria de Araújo, a hóstia verteu sangue. Seria um “milagre eucarístico”? No entender de Padre Cícero e de quem presenciou o fenômeno, sem dúvida. A sentença da Igreja, porém, foi outra: “Os pretensos milagres e outros fatos que se dizem de Maria de Araújo são falsos e manifestamente supersticiosos (…) e devem ser por todos reprovados e condenados”. Até os panos manchados de sangue, que haviam sido guardados como relíquias, tiveram de ser recolhidos e queimados por ordem do Santo Ofício.

Os desdobramentos desse fato dividiram o povo e a Igreja. De um lado, romarias passaram a ser cada vez mais comuns a Juazeiro. De Roma, contudo, partiu o decreto de excomunhão de Padre Cícero. O religioso seguiu sua vocação pastoral e em defesa dos pobres dentro e fora do sacerdócio. Entrou para a política e foi o primeiro prefeito de Juazeiro, quando o município se emancipou. Embora preserve a aura de santo no imaginário popular, a Igreja o manteve bem longe dessa condição por mais de 80 anos.

Apenas em 2001 uma comissão de estudos teve acesso aos arquivos relacionados aos mistérios de Juazeiro. Depois de cinco anos de pesquisa, o Vaticano recebeu os documentos compilados pela comissão, acompanhados de uma petição assinada por 254 bispos favoráveis à reabilitação de Padre Cícero. Ela foi finalmente concedida pelo Papa Francisco em 2015, para quem “O afeto popular que cerca a figura do Padre Cícero pode constituir um alicerce forte para a solidificação da fé católica no ânimo do povo nordestino”. Seja ou não canonizado pela Igreja, o Padre Cícero encontra-se agora legitimado pelo Papa Francisco.

O calvário de Padre Cícero

1889 – Durante a comunhão da beata Maria de Araújo, na Igreja de Nossa Senhora das Dores de Juazeiro do Norte (CE), a hóstia verte sangue. O suposto milagre começa a atrair romeiros.

1894 – A Santa Sé, em Roma, considera que houve fraude e reprova os fatos em Juazeiro como “gravíssima e detestável irreverência e ímpio abuso à Santíssima Eucaristia”.

1897 – Padre Cícero recebe a portaria de excomunhão caso não se retire de Juazeiro.

1898 – Depois de apresentar sua defesa em Roma, Padre Cícero recebe uma nova sentença: é absolvido das censuras, mas fica proibido de falar ou escrever sobre o “milagre da hóstia”.

1922 – Pedido de reabilitação de Padre Cícero é negado pelo Papa Leão XIII.

2001 – Uma comissão é criada para estudar os arquivos relativos aos fatos de Juazeiro.

2006– O resultado da análise é entregue ao Santo Ofício com uma petição assinada por 254 bispos para a reabilitação de Padre Cícero.

2015 – O Secretário de Estado do Vaticano assina a carta de “reconciliação histórica da Igreja com o Padre Cícero”.


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PADRE CÍCERO: DE SANTO ELEITO PELO POVO A PREFEITO DE JUAZEIRO DO NORTE


Para Juazeiro do Norte, no Ceará, a figura de Padre Cícero Romão Batista, ou Padim Ciço, como é conhecido popularmente, é considerada a mais importante da cidade, arrastando até hoje milhares de fieis que o consideram santo, apesar de a Igreja Católica nunca o ter canonizado. Para a população local, Padre Cícero, que nasceu em Crato, no Ceará, no dia 24 de março de 1844, foi o maior benfeitor de Juazeiro, sendo o nome mais emblemático da região por ter milagres associados a ele.

Segundo registros históricos, foi ele quem trouxe para a cidade a Ordem dos Salesianos; construiu as capelas do Socorro, de São Vicente, de São Miguel e a Igreja de Nossa Senhora das Dores. Como amante das artes, Padre Cícero incentivou o artesanato artístico e utilitário como fonte de renda. Além disso, estimulou a expansão da agricultura, introduzindo o plantio de novas culturas, e contribuiu para instalação de escolas, como a conhecida Escola Normal Rural e o Orfanato Jesus Maria José.

Como explica o professor e pesquisador Abraão Batista, um dos fundadores do Centro de Cultura Popular Mestre Noza, Padre Cícero foi, e ainda é, um fenômeno social. “Ele foi um grande assistente social, optando sempre pelas minorias abandonadas e esquecidas. Padre Cícero não cobrava pelos casamentos, missas, batizados e velórios que realizava. Divergiu da metodologia da Igreja Católica, pois não cobrava nada. Nas horas vagas, depois das missas e dos afazeres oficiais da Igreja, ele montava em um cavalo e saía pelas redondezas da cidade, aconselhando e ensinando as pessoas a como fazerem remédios caseiros, orientando os casais quando brigavam, entre outras coisas. Por isso, era também chamado de "Padre Cícero, o Conselheiro”, conta Abraão.

No dia 1º de março de 1889, um fenômeno incomum transformou a rotina de Juazeiro do Norte e a vida de Padre Cícero. Ao participar de uma comunhão realizada por ele na capela de Nossa Senhora das Dores, uma beata, chamada Maria de Araújo, passou por uma experiência considerada por todos na cidade como um milagre. Ao receber a hóstia consagrada, ela teria se transformado em sangue em sua boca. O fenômeno se repetiu por várias vezes em outras comunhões.

“Como o caso aconteceu no Nordeste, em Juazeiro do Norte, a Igreja não valorizou. Ao contrário, procurou abafar o acontecido. Mesmo assim, os fenômenos atraíram olhares para o interior do Nordeste e a cidade de Juazeiro começou a crescer. Ou seja, enquanto a Igreja oficial procurava abafar o fenômeno, a popularidade de Padre Cícero crescia junto à população”, destaca o professor.

A notícia sobre os possíveis milagres chegou até o bispo D. Joaquim José Vieira, de Fortaleza, que ficou irritado com o assunto. Para explicar o caso, Padre Cícero foi convocado para dar esclarecimentos no Palácio Episcopal, em Fortaleza. Pelo fato de alguns segmentos da Igreja não aceitarem a ideia do milagre ter realmente ocorrido, foi instalada uma Comissão de Inquérito composta por dois sacerdotes, que deram parecer favorável ao Padre Cícero.

“Chegando o laudo favorável da inquisição, o bispo de Fortaleza, irritado, encomendou nova comissão, que condenou Padre Cícero, começando uma verdadeira perseguição a ele. Além disso, os romeiros eram tidos como fanáticos”, conta Abraão. Devido à posição contrária do bispo, foi criado um tumulto, agravado ainda mais quando o Relatório do Inquérito foi encaminhado à Santa Sé, em Roma, que confirmou a decisão tomada pelo bispo. Com o parecer, Padre Cícero sofreu uma grande punição: a suspensão da ordem.

Devido ao impedimento de exercer sua vocação religiosa, Padre Cícero se engajou na política. Após a independência de Juazeiro da cidade de Crato, em 22 de julho de 1911, Padre Cícero foi nomeado prefeito da cidade. Além disso, ocupou a vice-presidência do Ceará. Padre Cícero morreu no dia 20 de julho de 1934, aos 90 anos. Após a sua morte, Juazeiro prosperou e a devoção ao padre tornou-se ainda maior. Todo ano, no Dia de Finados, uma grande multidão de romeiros, oriunda de vários lugares do Nordeste, visita o túmulo de Padre Cícero, na Capela do Socorro, em Juazeiro.


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PADRE CÍCERO ROMÃO BATISTA DE JUAZEIRO DO NORTE-CE


Cícero Romão Batista (Crato24 de março de 1844 — Juazeiro do Norte20 de julho de 1934) foi um sacerdote católico brasileiro. Na devoção popular, é conhecido como Padre Cícero ou Padim Ciço.[1] Carismático, obteve grande prestígio e influência sobre a vida social, política e religiosa do Ceará bem como do Nordeste.

Em março de 2001, foi escolhido "O Cearense do Século" em votação promovida pela TV Verdes Mares em parceria com a Rede Globo de televisão.[2]

Em julho de 2012, foi eleito um dos "100 maiores brasileiros de todos os tempos" em concurso realizado pelo SBT com a BBC.[3]



Proprietário de terras, de gado e de diversos imóveis, Cícero fazia parte da sociedade e política conservadora do sertão do Cariri. Sempre teve o médico Floro Bartolomeu como o seu braço direito, e integrava o sistema político cearense que ficou sob o controle da família Accioli durante mais de 2 décadas.


Nascido no interior do Ceará, por parte paterna possuía predominante ascendência portuguesa. Seu pai, Joaquim Romão Batista, era filho de Romão José Batista e Angélica Romana Batista. Seus avós paternos foram Francisca Pereira de Oliveira e o português Antonio José Batista e Melo, além de ser bisneto por parte de Francisca do português José Pereira Lima Aço.[4] Sua mãe foi Joaquina Ferreira Gastão, que depois mudou seu nome para Joaquina Vicência Romana, sendo conhecida como dona Quinô. Era filha do baiano José Ferreira Gastão e neta de Manoel Ferreira Gastão e Antônia Maria de Sousa, ambos baianos que emigraram para o Crato.[5] Ainda aos 6 anos, começou a estudar com o professor Rufino de Alcântara Montezuma.

Um fato importante marcou a sua infância: o voto de castidade feito aos 12 anos, influenciado pela leitura da vida de São Francisco de Sales.[6]
Em 1860, foi matriculado no colégio do renomado padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras, na Paraíba. Aí pouco demorou, pois a inesperada morte de seu pai, vítima de cólera em 1862, obrigou-o a interromper os estudos e voltar para junto da mãe e das irmãs solteiras. A morte do pai, que era pequeno comerciante no Crato, trouxe sérias dificuldades financeiras à família de tal sorte que, mais tarde, em 1865, quando Cícero Romão Batista precisou ingressar no Seminário da Prainha, em Fortaleza, só o fez graças à ajuda de seu padrinho de crisma, o coronel Antônio Luís Alves Pequeno.[6]

Ordenação[editar | editar código-fonte]

Durante o período em que esteve no seminário, Cícero era considerado um aluno mediano e, apesar de anos depois arrebatar multidões com seus sermões, apresentou notas baixas nas disciplinas relacionadas à oratória e eloquência.[7]

Cícero foi ordenado padre no dia 30 de novembro de 1870. Após sua ordenação retornou ao Crato e, enquanto o bispo não lhe dava paróquia para administrar, ficou a ensinar latimno Colégio Padre Ibiapina, fundado e dirigido pelo professor José Joaquim Teles Marrocos, seu primo e grande amigo.

Chegada a Tabuleiro Grande[editar | editar código-fonte]

No natal de 1871, convidado pelo professor Simeão Correia de Macedo, o padre Cícero visitou pela primeira vez o povoado de Juazeiro (numa fazenda localizada na povoação de Juazeiro, então pertencente à cidade do Crato), e ali celebrou a tradicional missa do galo.

O padre visitante, então aos 28 anos, estatura baixa, pele branca, cabelos louros, penetrantes olhos azuis e voz modulada, impressionou os habitantes do lugar. E a recíproca foi verdadeira. Por isso, decorridos alguns meses, exatamente no dia 11 de abril de 1872, lá estava de volta, com bagagem e família, para fixar residência definitiva no Juazeiro.

Muitos livros afirmam que Padre Cícero resolveu fixar morada em Juazeiro devido a um sonho (ou visão) que teve, segundo o qual, certa vez, ao anoitecer de um dia exaustivo, após ter passado horas a fio a confessar as pessoas do arraial, ele procurou descansar no quarto contíguo à sala de aulas da escolinha, onde improvisaram seu alojamento, quando caiu no sono e a visão que mudaria seu destino se revelou. Ele viu, conforme relatou aos amigos íntimos, Jesus Cristo e os doze apóstolos sentados à mesa, numa disposição que lembra a última Ceia, de Leonardo da Vinci. De repente, adentra ao local uma multidão de pessoas carregando seus parcos pertences em pequenas trouxas, a exemplo dos retirantesnordestinos. Cristo, virando-se para os famintos, falou da sua decepção com a humanidade, mas disse estar disposto ainda a fazer um último sacrifício para salvar o mundo. Porém, se os homens não se arrependessem depressa, Ele acabaria com tudo de uma vez. Naquele momento, Ele apontou para os pobres e, voltando-se inesperadamente ordenou: - E você, Padre Cícero, tome conta deles!

Apostolado[editar | editar código-fonte]
Uma vez instalado, foras e viúvas para a organização de uma irmandade leiga, formada por beatas, sob sua inteira autoridade.

o aglomerado de casas de taipa e uma capelinha erigida pelo primeiro capelão-padre Pedro Ribeiro de Carvalho, em honra a Nossa Senhora das Dores, padroeira do lugar, ele tratou inicialmente de melhorar o aspecto da capelinha, adquirindo várias imagens com as esmolas dadas pelos fiéis.

Depois, tocado pelo ardente desejo de conquistar o povo que lhe fora confiado por Deus, desenvolveu intenso trabalho pastoral com pregação, conselhos e visitas domiciliares, como nunca se tinha visto na região. Dessa maneira, rapidamente ganhou a simpatia dos habitantes, passando a exercer grande liderança na comunidade.

Paralelamente, agindo com muita austeridade, cuidou de moralizar os costumes da população, acabando pessoalmente com os excessos de bebedeira e com a prostituição.

Restaurada a harmonia, o povoado experimentou, então, os passos de crescimento, atraindo gente da vizinhança curiosa por conhecer o novo capelão.

Para auxiliá-lo no trabalho pastoral, o padre Cícero resolveu, a exemplo do que fizera Padre Ibiapina, famoso missionário nordestino que morreu em 1883, recrutar mulheres solteiras, dentre eles pode-se destacar José Lourenço Gomes da Silva, líder do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto.

Suposto milagre[editar | editar código-fonte]

Estátua do Padre Cícero na Serra do Quincuncá em Farias Brito

Durante a grande seca, no ano de 1889, durante uma missa celebrada pelo padre Cícero, a hóstia ministrada pelo sacerdote à religiosa Maria de Araújo se transformou em sangue na boca da religiosa.[2] Segundo relatos, tal fenômeno se repetiu diversas vezes durante cerca de dois anos. Rapidamente espalhou-se a notícia de que acontecera um milagre em Juazeiro. A pedido de padre Cícero a diocese formou uma comissão de padres e profissionais da área da saúde para investigar o suposto milagre. A comissão tinha como presidente o padre Clycério da Costa e como secretário o padre Francisco Ferreira Antero, contava, ainda, com a participação dos médicos Marcos Rodrigues Madeira e Ildefonso Correia Lima, além do farmacêutico Joaquim Secundo Chaves. Em 13 de outubro de 1891, a comissão encerrou as pesquisas e chegou à conclusão de que não havia explicação natural para os fatos ocorridos, sendo portanto um milagre.[carece de fontes]

Insatisfeito com o parecer da comissão, o bispo Dom Joaquim José Vieira nomeou uma nova comissão para investigar o caso, tendo como presidente o padre Alexandrino de Alencar e como secretário o padre Manoel Cândido. A segunda comissão concluiu que não houve milagre, mas sim um embuste. Dom Joaquim se posicionou favorável ao segundo parecer e, com base nele, suspendeu as ordens sacerdotais de padre Cícero e determinou que Maria de Araújo, que viria a morrer em 1914, fosse enclausurada.[carece de fontes]

Em 1898, padre Cícero foi a Roma, onde se reuniu com o Papa Leão XIII e com membros da Congregação do Santo Ofício, conseguindo sua absolvição. No entanto, ao retornar a Juazeiro, a decisão do Vaticano foi revista e padre Cícero teria sido excomungado, porém, estudos realizados décadas depois pelo bispo Dom Fernando Panico sugerem que a excomunhão não chegou a ser aplicada de fato. O próprio papa Bento XVI, quando era cardeal, encomendou no ano de 2001 estudos análises para debater no Vaticano a possibilidade de ser feita a reabilitação.[8]

No dia 31 de maio de 2006, Dom Fernando conduziu uma comitiva de religiosos, políticos e fiéis, e também enviou ao Vaticano a documentação técnica para a abertura do processo de reabilitação do padre Cícero.[8] Em 13 de dezembro de 2015, Padre Cícero recebeu perdão da Igreja Católica. [9]


Era filiado ao extinto Partido Republicano Conservador (PRC). Foi o primeiro prefeito de Juazeiro do Norte, em 1911, quando o povoado foi elevado a cidade. Em 1926 foi eleito deputado federal, porém não chegou a assumir o cargo.[1]

Em 4 de outubro de 1911, o padre Cícero e outros 16 líderes políticos da região se reuniram em Juazeiro e firmaram um acordo de cooperação mútua bem como o compromisso de apoiar o governador Antônio Pinto Nogueira Accioli. O encontro recebeu a alcunha de Pacto dos Coronéis, sendo apontado como uma importante passagem na história do coronelismo brasileiro[10]

Em 1913, foi destituído do cargo pelo governador Marcos Franco Rabelo, voltando ao poder em 1914, quando Franco Rabelo foi deposto no evento que ficou conhecido como Sedição de Juazeiro. Foi eleito, ainda, vice-governador do Ceará, no Governo do General Benjamin Liberato Barroso.

Ao fim dos anos 20, o padre Cícero começou a perder a sua força política, que praticamente acabou depois da Revolução de 1930. Seu prestígio como santo milagreiro, porém, aumentaria cada vez mais.[11]
Apesar de algumas tentativas de o relacionar com o comunismo e, mais tarde, com a Teologia da Libertação, o padre Cícero era profundamente anticomunista. Numa entrevista concedida em 1931, afirmou: "O comunismo foi fundado pelo Demônio. Lucífer é o seu nome e a disseminação de sua doutrina é a guerra do diabo contra Deus. Conheço o comunismo e sei que é diabólico. É a continuação da guerra dos anjos maus contra o Criador e seus filhos."[12]

Ligação com o cangaço[editar | editar código-fonte]

Virgulino Ferreira da Silva o Lampião era devoto de padre Cícero e respeitava as suas crenças e conselhos. Os dois se encontraram uma única vez, em Juazeiro do Norte, em 1926. Naquele ano, a Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes, percorria o interior do Brasil desafiando o Governo Federal. Para combatê-la foram criados os chamados Batalhões Patrióticos, comandados por líderes regionais que muitas vezes arregimentavam cangaceiros.

Existem duas versões para o encontro. Na primeira, difundida por Billy Jaynes Chandler, o sacerdote teria convocado Lampião para se juntar ao Batalhão Patriótico de Juazeiro, recebendo em troca, anistia de seus crimes e a patente de Capitão.[13] Na outra versão, defendida por Lira Neto e Anildomá Willians, o convite teria sido feito por Floro Bartolomeu sem que padre Cícero soubesse.

O certo é que ao chegarem em Juazeiro, Lampião e os 49 cangaceiros que o acompanhavam, ouviram padre Cícero aconselhá-los a abandonar o cangaço. Como Lampião exigia receber a patente que lhe fora prometida, Pedro de Albuquerque Uchoa, único funcionário público federal no município, escreveu em uma folha de papel que Lampião seria, a partir daquele momento, Capitão e receberia anistia por seus crimes. O bando deixou Juazeiro sem enfrentar a Coluna Prestes.


O padre Cícero morreu em Juazeiro do Norte em 20 de julho de 1934, aos 90 anos, encontrando-se sepultado na Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, na mesma cidade.


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