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domingo, 4 de setembro de 2011

O Lendário Lucas da Feira

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O artigo Lucas da Feira publicado no Diário Oficial nos dias 8 e 11 de novembro de 1896, escrito pelo médico e historiador baiano,
Alexandre José de Melo Moraes Filho (1844-1919), anos depois foi enfeixado no livro “Festas e Tradições Populares do Brasil”, prefaciado por
Sílvio Romero (1851-1914) e publicado em 1901.
Lucas da Feira  nasceu em Feira de Santana, no Estado da Bahia, em 1804, e faleceu em 1849.  Chefe de bando temível, terror de sua região durante 20 anos, tornou-se personagem da literatura popular: ABC de Lucas da Feira, de Sousa Velho; Lucas, o salteador, de Virgílio César Martins Reis e Artur Cerqueira Lima. Lucas, o demônio negro, no romance folclórico (1857) de Sabino de Campos. Sílvio Romero em seus “Estudos sobre a Poesia Popular do Brasil”, publicado em 1889, apresenta dez estrofes sobre o bandoleiro da “Princesa do Sertão”, versão de Sergipe:

O Lucas da Feira

Adeus, terra do limão,
Terra onde fui nascido;
vou preso para a Bahia
Levo saudades comigo.
Eu vou preso pra Bahia,
Eu vou preso, não vou só;
só levo um pesar comigo;
É da filha do Major.

Eu vou preso pra Bahia,
Levo guarda e sentinelas,
Para saber quanto custa
Honra de moças donzelas.

Estes sócios meus amigos
De mim não têm que dizer;
Que por eu ver perdido,
Não boto outro a perder.

Estes sócios meus amigos
A mim fizeram traição;
Ganharam o seu dinheiro
Me entregaram à prisão.

Meus amigos me diziam
Que deixasse de função,
Que o Casumbá por dinheiro
Fazia as vezes do cão.

Vindo eu de lá da festa
De São Gonçalo dos Campos,
Com o susto do Casumbá
Caiu-me a espada da mão.

Já me quebraram o braço,
Já me vou a enforcar,
Como sei que a morte é certa,
Vou morrendo devagar.

Quando na Bahia entrei.
Vi muita cara faceira;
Brancos e pretos gritando:
Lá vem o Lucas da Feira!

Quando eu no Rio entrei,
Caiu-me a cara no chão;
A Rainha veio dizendo:
Lá vem a cara do cão.
 

Considerado precursor de Lampião, o negro Lucas da Feira foi o terror do sertão baiano durante vinte anos. Lucas foi o assombro, o pesadelo dos sertanejos. Contaram-se por centenas as suas vítimas, o negro salteador, ladrão e assassino, raptou e violentou inúmeras donzelas, matando-lhes os pais e irmãos, se estes ofereciam resistência à sua lubricidade. As façanhas desse bandido perduram até hoje na tradição oral dos feirenses e na literatura de Cordel. O cearense Leonardo Mota no livro “No Tempo de Lampião”, publicado pelo livreiro-editor A. J. de Castilho, em 1921, recolheu na Bahia vários depoimentos sobre Lucas da Feira:

“O que ele era, era um grandessíssimo desalmado. Era perverso, era levado do não-sei-que-diga, mas era frouxo: mijou-se todo na hora da morte...”

Lucas foi o diabo em figura de cristão, Deus o perdoe! Aquilo não era gente.
Uma vez ele agarrou um negro beiçudo na estrada e sabe o que fez com ele? Prendeu com prego caibral o beijo do infeliz numa árvore. Quando acabou, disse ao suplicante que ia não sei aonde e mais tarde voltaria para o capar. Foi ele se afastar, o negro fez fincapé, rasgou o beiço e ganhou o mundo na carreira, porque só assim se livraria da outra ameaças, a mais perigosa. E sabe? O Lucas estava numa moita escondido e se rindo: ele queria era que o negro mesmo rasgasse o beiço...”

“Fui o Cazumbá. Esse Cazumbá era um oficial de justiça criminoso que, a promessa de perdão do crime e com o olho no dinheiro do prêmio, perseguiu e prendeu o Lucas. Na hora da prisão deu-lhe dois tiros no braço esquerdo. O braço arruinou e os médicos tiveram de o cortar. Dizia o finado meu pai que foi uma coisa engraçada... Depois da operação, um menino pegou o braço do Lucas e saiu correndo pra rua, pra mostrar ele ao povo. Um sapateiro correu em casa, trouxe uma palmatória e esmagou com “bolos” de sustância a mão do Lucas, o povo todo achando graça nisso, satisfeito...”

Escravo fugido da Fazenda Saco do Limão, do padre José Alves Franco, Lucas Evangelista teria nascido em 18 de outubro de 1807, filho de Inácio e Maria escravos jêjes. Robusto, Lucas foi crescendo observando o terrível drama da escravidão e procurava vingar-se, a seu modo, das repetidas crueldades do feitor. Adolescente ainda organizou um bando para reagir contra a desumanidade dos feitores, em pouco tempo o grupo já contava cerca de trinta homens, entre negros e mulatos, todos escravos fugitivos. Devido as perseguições, prisões, mortes e deserções, o bando diminuía a cada dia e Lucas acabou ficando sozinho.
Figura controvertida, era, para uns, um cruel salteador e, para outros um negro que se recusara a viver como escravo. Em conferência no Instituto Histórico e Geográfico da Bahia – IHGB, em 1949, ocasião do centenário da morte do facínora, o professor Alberto Silva relata vários crimes praticados por Lucas da Feira, alguns já mencionados por Leonardo Mota. Já de acordo com Melo Moraes Filho “A acreditar-se em boatos, o salteador da Feira distribuía o que roubava com alguns negociantes da cidade e altas influências políticas, motivo por que escapava às tocaias e esperava certeiro os comerciantes em trânsito, conduzindo por mais de vinte anos uma vida de roubo, de devastação e de morticínios.” (Diário Oficial)

Nesta mesma edição do Diário Oficial, Melo Moraes Filho, afirma que:

“Uma ocasião, um negociante, que ia para a Feira, meteu por prevenção o dinheiro que levava, dentro da gravata e pequena quantia no bolso, que era para Lucas, como ele dizia.

Na estrada, este sai-lhe ao encontro e obriga-o a entregar o que trazia, ao que o viandante sem réplica acendeu, franqueando-lhe as algibeiras.

O salteador, mirando-o de cima a baixo, saqueia-o, e, apenas o manda embora, fá-lo voltar.
Meu ioiô, disse Lucas, dê a seu negro essa gravata, senão morre.

O pobre homem, que supunha-se escapo com a vida e o dinheiro, não hesitou um instante, desatou-a a entregou desconfiado, assustado.”

Cercado pelo tenente-coronel Dionísio de Cerqueira Pinto, Lucas da Feira foi finalmente capturado em 12 de janeiro de 1849 num esconderijo próximo ao Rio Jacuípe e ao tentar fugir foi baleado e devido a gravidade dos ferimentos teve o braço amputado. Julgado e condenado à morte, conduzido ao Rio de Janeiro foi recebido por Sua Majestade, o Imperador, que desejava conhecê-lo. Regressando a Salvador, em seguido levado à Feira de Santana, onde foi enforcado no Campo do Gado às 10 h, da manhã do dia 29 de setembro de 1849, depois de receber o conforto espiritual do padre Tavares e de dois vigários, aos 42 anos.


GILFRANCISCO: jornalista, professor da Faculdade São Luís de França e membro do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. mailto:gilfrancisco.santos@gmail.comcomm
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Da Redação: Fonte - GILFRANCISCO

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