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sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

JORNAL DO CANGAÇO

 Por José Mendes Pereira 

                Conta o escritor Jotabê Medeiros que além da história da cabra, certa vez Lampião e seu bando, foram acolhidos por uma senhora, também de idade avançada. E ele pediu a ela, para preparar um jantar para o bando. A velhinha, não tendo quase nada em casa, teve que fazer um caldeirão de sopa às pressas para os famintos cangaceiros, e com a pressa e o medo, ela acabou esquecendo-se de colocar sal na sopa.
                 A sopa foi servida e todos começaram a beber sem problemas. Mas um dos cabras, novato no bando, para talvez fazer bonito, diante de Lampião, ou por idiotice mesmo, começou a gritar com a pobre velha sobre a falta de sal.
                 Lampião terminou sua sopa sem nada dizer. Depois, tranquilamente, perguntou ao bando se alguém tinha sentido falta de sal, exceto o tal reclamante. O restante que não era besta, disse que não, que a sopa estava ótima! Então Lampião perguntou à velhinha se tinha mais sal em casa. Ela disse que sim e ele então pediu que ela trouxesse um quilo
                Quando veio com o sal,Lampião a mandou despejá-lo no prato do sujeito que havia reclamado, e ordenou:
                -Ocê recramou da falta de sal, cabra, poiz agora teim aí bastante sal, e ocê vai comê-lo até limpá o prato! 
                 Apesar dos lamentos do homem, Lampião o obrigou a comer todo o sal do prato e, quando ele pedia água, ele não deixava que ele bebesse. E assim foi.                                  Quando o cangaceiro, até verde de tanto comer sal, sentindo suas entranhas em brasa, terminou, Lampião o expulsou, mandando que o mesmo sumisse de sua frente, ameaçando que, se o encontrasse novamente, iria sangrá-lo. É claro que o tal sumiu até hoje...
                 Saindo da casa, já um pouco distante, Lampião parou, olhou para trás, coçou a cabeça e comentou com um cangaceiro próximo a ele: 
                 -E num é qui aquela sôpa tava uma disgraceira de insôssa?
               - Tumbém achei Capitão! Tumbém achei!... Concordou o cabra que o acompanhava ao lado imediatamente. 
                  - Eu fiz aquilo cum ele, pra ele aprendê a respeitá... Disse Lampião.
     
 OUTRA DO JORNAL 

                  Esta eu escutei quando eu ainda era criança, contada pela minha avó Herculana Maria da Conceição (Mãenanana), que nasceu no final da década de 1890. 
                  Certo dia, dizia Mãenanana, Lampião e seu bando, se encontravam arranchados bem próximos a um rio no Estado de Sergipe. E por ironia do destino, um senhor chamado Lauriano, que andava procurando caças para alimentar os seus filhos, saiu no local onde se encontrava o bando. Logo os cangaceiros o rodearam e começaram as suas humilhações contra ele. Cuspiram e surraram o infeliz.
                  Lampião apenas observava. E em seguida disse:
                 -É milhó ixecutá-lo, do qui ficarim  maltratando um home qui ainda nada feiz contra nóis.
                E apoderando-se do seu rifle, mandou que o colocassem em posição de execução.
                  O homem ajoelhou-se  dizendo-lhe:
                 -Senhor, pelo amor de Deus! Não me mate! Eu deixei em casa três filhinhos pequenos para criar, e minha esposa é paralítica dentro de uma rede, sem condições de terminar de criá-los. Sem eu, eles vão morrer de fome senhor! 
                  Lampião condoeu-se da história do homem e disse-lhe: 
                  -Eu lhi faço um desafio cabra! Se ocê tivé sorte, num vai morrê... Tá vendo aquela catinguera? 
                  -Estou sim senhor! 
                  -Ocê vai andando até a catinguera.
                 Quando se impariar cum ela, corra, qui a partir daí é qui eu cumeço a atirá. Num corra antes purque eu atiro e você morre logo.
                 Pela proposta feita ao pobre infeliz, Lampião não tinha intenções de matá-lo. O seu desejo era que ele escapasse das balas e fosse criar os seus filhinhos, já que não havia motivo para executá-lo.
                 O homem conhecia bem a região. Da catingueira até ao rio, tinha uma ladeira.           
                 Mas quando ele se emparelhou à catingueira, em vez de correr, deitou-se e saiu rolando em direção ao rio.
                 Lampião saiu correndo e atirando para cima.
                 Mas o homem caiu dentro dágua, submergiu e adeus Lampião! 
                 - Mas que cabra inteligente! Pegou-me de chei. - Disse Lampião.                                            

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