Por: Fernando Monteiro
A saga do cineasta amador Benjamin Abrahão, o único a filmar Lampião e seu bando de cangaceiros, antes do massacre de Angicos.
Dentre os jovens libaneses que, durante a Primeira Guerra Mundial, deixaram vilas e cidades até hoje obscuras entre as montanhas de cedros, estava um rapaz de Zahelh (a das tâmaras doces) chamado Benjamin Abrahão. Ele seguiu o impulso de evasão, mas em vez do destino preferencial, a América do Norte, foi para o borrão dos edens do hemisfério sul e suas estranhezas: selvas, sertões e sertanejos parecidos com alguns dos imigrantes da sua terra. Abrahão deu adeus às tâmaras em busca dos frutos tropicais ácidos e barrocos no aspecto, naqueles lugares de sol refulgindo em nomes inesperados como "Pernambuco" - com a sua sugestão de oco do mundo e porto de ventos entre fáceis riquezas. Abrahão chegou, assim, a um Recife ainda sereno, cortado por um rio lento. O rapaz dos jardins orientais viu o Derby elegante, os jogos de times de futebol e regatas, os cinemas Royal e o Glória às vezes exibindofilmes locais, cujos letreiros ajudavam a aprender a língua.
No melodramático Filho sem mãe, de Edson Chagas, o imigrante veria, pela primeira vez, a figura de um cangaceiro, ao mesmo tempo mítica e pobre, injuriada e condenada a morrer, no futuro imediato, pela chegada do progresso. Nessa altura, Abrahão vendia tecidos, como um mascate entre os muitos que percorriam as ruas de casas com varais coloridos de roupas ao vento. Passado um tempo, as ofertas do libanês se ampliaram também para farinha, fubá de milho, rapadura e carne do sertão. Esta palavra - "sertão" - viria a fazer parte fundamental da sua vida, embalaria seus sonhos e selaria, um dia, o seu destino. Ele era um montanhês, e sentia falta dos espaços mais livres das pontes graciosas sobre o Capibaribe. Um dia, Benjamin comprou dois burros - Assanhado e Buril -, o cavalo Sultão e um segundo estoque de mercadorias. Em seguida, partiu para Juazeiro do Norte (CE), o antigo arraial "inchado" pelos romeiros do padre Cícero Romão Batista. Começava a aventura cinematográfica do mascate vindo dos sertões do Líbano.
No staff do Padim
Estrangeiro jeitoso e falante, Benjamin Abrahão conheceu logo o Padim Padre Ciço dos cangaceiros e coronéis, e se tornou, com o tempo, nada menos que o seu "secretário para assuntos internacionais". Na louca Juazeiro das fanáticas multidões, passava pela cabeça do padre a possibilidade de ter assuntos de "relações exteriores" para tratar. Foi nessa condição que o nosso peregrino da sorte pôde testemunhar, na verdade, as relações conflitadas no próprio sertão, quando, numa clara manhã de março de 1926, o cangaceiro Lampião e mais 49 cabras triunfalmente entraram na cidade das rezas. Dizem que Abrahão já alcançara statussuficiente, naquela "corte", para estar presente à reunião na qual o "primeiro-ministro" do padre Cícero - o deputado Floro Bartolomeu - concedeu a patente de "Capitão" ao controverso "afilhado" do religioso, a fim de atraí-lo para a luta contra a Coluna Prestes, inimiga do governo do presidente Artur Bernardes.
Virgulino Ferreira da Silva desde o primeiro momento impressionou o assessor juazeirense para assuntos das "estranjas". Ali estava uma espécie de guerreiro de Saladino, agarrando o seu punhal de 48 centímetros com dedos morenos enfeitados dos anéis de pedras duvidosas. Tinha senso da cena, nas suas chegadas e ataques: vestia-se com uma roupa de campanha atravessada de bandoleiras que lembravam mexicanos revoltosos, sem perder nada do exame de uns óculos de finos aros de ouro a lhe darem certa distinção equívoca, feita de segurança e ameaça. Desfilando pela rua, pisava forte como um príncipe tisnado, e dava entrevistas, era fotografado pelos repórteres (Lauro Cabral e Pedro Maia) convidados do "Dr. Floro".
No melodramático Filho sem mãe, de Edson Chagas, o imigrante veria, pela primeira vez, a figura de um cangaceiro, ao mesmo tempo mítica e pobre, injuriada e condenada a morrer, no futuro imediato, pela chegada do progresso. Nessa altura, Abrahão vendia tecidos, como um mascate entre os muitos que percorriam as ruas de casas com varais coloridos de roupas ao vento. Passado um tempo, as ofertas do libanês se ampliaram também para farinha, fubá de milho, rapadura e carne do sertão. Esta palavra - "sertão" - viria a fazer parte fundamental da sua vida, embalaria seus sonhos e selaria, um dia, o seu destino. Ele era um montanhês, e sentia falta dos espaços mais livres das pontes graciosas sobre o Capibaribe. Um dia, Benjamin comprou dois burros - Assanhado e Buril -, o cavalo Sultão e um segundo estoque de mercadorias. Em seguida, partiu para Juazeiro do Norte (CE), o antigo arraial "inchado" pelos romeiros do padre Cícero Romão Batista. Começava a aventura cinematográfica do mascate vindo dos sertões do Líbano.
No staff do Padim
Estrangeiro jeitoso e falante, Benjamin Abrahão conheceu logo o Padim Padre Ciço dos cangaceiros e coronéis, e se tornou, com o tempo, nada menos que o seu "secretário para assuntos internacionais". Na louca Juazeiro das fanáticas multidões, passava pela cabeça do padre a possibilidade de ter assuntos de "relações exteriores" para tratar. Foi nessa condição que o nosso peregrino da sorte pôde testemunhar, na verdade, as relações conflitadas no próprio sertão, quando, numa clara manhã de março de 1926, o cangaceiro Lampião e mais 49 cabras triunfalmente entraram na cidade das rezas. Dizem que Abrahão já alcançara statussuficiente, naquela "corte", para estar presente à reunião na qual o "primeiro-ministro" do padre Cícero - o deputado Floro Bartolomeu - concedeu a patente de "Capitão" ao controverso "afilhado" do religioso, a fim de atraí-lo para a luta contra a Coluna Prestes, inimiga do governo do presidente Artur Bernardes.
Virgulino Ferreira da Silva desde o primeiro momento impressionou o assessor juazeirense para assuntos das "estranjas". Ali estava uma espécie de guerreiro de Saladino, agarrando o seu punhal de 48 centímetros com dedos morenos enfeitados dos anéis de pedras duvidosas. Tinha senso da cena, nas suas chegadas e ataques: vestia-se com uma roupa de campanha atravessada de bandoleiras que lembravam mexicanos revoltosos, sem perder nada do exame de uns óculos de finos aros de ouro a lhe darem certa distinção equívoca, feita de segurança e ameaça. Desfilando pela rua, pisava forte como um príncipe tisnado, e dava entrevistas, era fotografado pelos repórteres (Lauro Cabral e Pedro Maia) convidados do "Dr. Floro".
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