Por: Rangel Alves da Costa(*)
O
BONITINHO
Ele realmente
se achava o melhor, o mais bonito, o mais tudo, de todos. Narcisista sem igual.
Contudo, não imaginem logo que o dito era uma daquelas pessoas tão abjetas e
intragáveis, do tipo chegado a gabolices, vaidades, janotices, ostentações
desmedidas, presunções e arrogâncias. Nada disso.
Era pessoa
simples, nem feia nem bonita, meio chuva meio sereno, como se diz. Amigueiro,
solícito, atencioso, respeitador de todo mundo. Se não fossem alguns
probleminhas de auto-embelezamento e de achar que vivia sempre no mais completo
estado de perfeição, então poderia muito bem ser visto como pessoa
absolutamente normal.
Sem condições
financeiras para sustentar o que achava e dizia ser e sem poder ostentar por
cima do corpo nada daquilo que ao menos o diferenciasse em algum aspecto,
procurava brilhar simplesmente com suas aspirações, sonhos e devaneios. Seria
amalucado o rapazinho, faltando-lhe algum parafuso lá onde a mente deve
funcionar melhor?
Creio que não
se tratava de doidice não. Doido age muito diferente, ainda que geralmente
ninguém perceba quando a maluquice vai tomar expressão. Contudo, não deixava de
ter atitudes estranhas demais ao se pavonear acerca de tudo que lhe dizia
respeito. E era uma verdadeira tragédia vê-lo entristecido diante de qualquer crítica
ou consideração negativa a seu respeito, ao seu jeito lindo demais de ser.
Vestia uma
roupa limpíssima, cheirosa, cuidadosamente engomada com dobra e tudo, e corria
a se mostrar perante os amigos, ou que imaginava que eram. Chegava e nem
esperava que ninguém abrisse a boca para dizer que estava assim ou assado, pois
ele mesmo dizia sobre sua roupa belíssima, combinando as cores, bem ao estilo
da estação. E dizia qual o sabão usado para lavar, qual o amaciante utilizado,
quais os cuidados para deixar aquelas dobrinhas tão bonitas.
O seu cabelo
estava sempre penteadíssimo, brilhoso, todo formatado em brilhantina, de modo
que enquanto não secasse de vez nenhuma ventania faria a desfeita de espalhar
um fiozinho. E quando seco, sempre aos cuidados de um pente e de um espelhinho
de bolso, pareciam dunas maravilhosamente onduladas. Era quando tudo fazia para
que qualquer imprevisto não assanhasse um tantinho assim de suas formosas
madeixas.
Quando chegava
à casa dos amigos para uma visitinha qualquer, antes mesmo dos habituais
cumprimentos o rapazinho começava a dizer que o lindão havia chegado, o
gostosão, o pedaço de não botar defeito. E corria até o espelho, e corria a
procura de pente, e se danava a perguntar o que achava daquela roupa, do seu
cabelo, da formosura de sua pele naquele dia.
Verdade é que
muita gente passou a comentar sobre seus exageros. Por consequência, as más
línguas logo chegavam a conclusões nada meritórias para o bom moço. E tinha
gente que jurava que o dito não passava de um afeminado, de um mariquinhas
cheio de frescuras e trique-triques. Aqueles de verbo sujo e língua solta
diziam em alto e bom som que aquilo era um viadinho doido pra soltar a franga
de vez.
Como conversas
desse tipo não demoram a chegar aos ouvidos do falado e comentado e, no caso,
do aviltado na honra de moço bonito, então a fofocagem caiu-lhe como uma bomba.
Mas não conseguiu derrubar de vez a auto-estima do bonitinho, que daí em diante
decidiu que mostraria aos maldosos com quantos paus se faz uma canoa.
Quer dizer, estava
disposto a dar o troco bem dado, na medida. Só que esperava que uma boa alma
fizesse isso por ele. Talvez uma pessoa estranha que, percebendo as maldades
humanas, saísse em sua defesa. Seria até mais bonito que fosse assim. Pensava
entristecido.
Então vestiu
uma roupa velha, rasgada, em grande parte remendada, dessas vestes tão
conhecidas nas pessoas mais empobrecidas da sociedade. Colocou nos pés um
chinelo faltando pedaços, e de cabelos assanhados saiu para fazer seu
costumeiro itinerário. Entrou na casa de um alegre como sempre, cumprimentando
normalmente, fazendo a festa já conhecida. Entrou na casa de outro e repetiu o
seu costumeiro entusiasmo. E em todo lugar se olhava no espelho e depois dizia
que nunca havia se sentido tão bem.
O rapazinho
enlouqueceu, tá maluco de pedra, perdeu o juízo de vez, era o que se comentava
de canto a outro. Até que ouvindo o espanto todo, o doido varrido da cidade –
pois em todo lugar existe um – se aproximou de uns conversadores e perguntou
por que agora eles diziam aquilo com o rapazinho, pois se ele andava todo
arrumadinho era boiola, e agora era chamado de maluco só porque estava
maltrapilho.
E ajuntou:
Afinal de contas, como é que vocês querem que os outros sejam? A vida dos
outros depende do que vocês acham ou deixam de achar? E digo mais: já vi gente
dando topada porque só se importava com o passo dos outros. E cuidado que tem
um buraco bem na frente de cada um.
Biografia do autor:
Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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