Por: Alcino Alves da Costa(*)
ALCINO,
MEU PAI: RETRATO INACABADO - V
Jovem, bem
simpático, líder político, prefeito de vez em quando, eram armas utilizadas por
ele para enveredar pelos caminhos dos amores extraconjugais. Duvido que tenha
se arrependido algum dia, e a verdade é que por muito tempo teve o prazer de
ser um Don Juan dos sertões. Ora, sentia como coisa bonita, honra maior de um
homem dizer que tinha mais de trinta filhos pelos quatro cantos. Eis um sempre
questionável mérito de Alcino.
Mas tal
fenômeno, ainda que esteja mais para o desavergonhamento, pode ser explicado. O
poder com a simpatia são fatores importantes; a fama com a boa lábia também; e
ainda mais a juventude unida a dois aspectos: o instante propício para os
relacionamentos fáceis e as mulheres que se entregavam sem se importar com as
consequências. Ora, ter uma relação com o prefeito, ser amante do líder, ou
coisa desse quilate, deveria ser mesmo um orgulho ao avesso.
Mas pelo lado
do próprio Alcino tal propensão pode ser explicada de modo diferente. Não
duvido que a fama de mulherengo, de namorador e raparigueiro não lhe tenha
entrado na mente como elemento de prestígio, de embevecimento, de confirmação e
reafirmação de poder. Já tinha a força política, então buscava alargar seu
prestígio espalhando um harém de mulheres em cada canto. Tanto foi assim – e
continuou sendo – que jamais reclamou de ser visto com tal fama.
Assim, o
espelho do poder não devia refletir apenas na sua força política. A sua
realização só estaria completa se também fosse visto e comentado como aquele de
tantas mulheres, de tantos filhos, disso e daquilo. Não acredito que nas suas
aventuras extraconjugais tenha espalhado mais de trinta filhos como sempre
apregoou.
São sete
filhos com a esposa e mais seis com outras mulheres. Estes são conhecidos,
confirmados. Já os outros estão mais para alimento do ego, para dar sustentação
ao seu poder de atração e procriação. A psicologia explica essa busca de
confirmação de poder também nas relações pessoais. Por isso não creio em tantos
filhos como o próprio Alcino sempre insinuou. Mas, seja verdade ou não, outra
coisa não se conclui senão essa vontade, essa pretensão exacerbada de ter feito
realmente assim.
Daí também
logo concluir-se que a sua radiola na pracinha, já tarde da noite, ecoando
músicas sertanejas apaixonadas, não se devia somente ao seu gosto acentuado
pelo cancioneiro caipira, mas também uma estratégia para dar voz ao seu
donjuanismo. Assim, dali da pracinha, no silêncio da noite, cada música era
cuidadosamente escolhida para mandar um recado amoroso àquela que bem queria, e
que certamente espreitava pela fresta da janela, por cima do travesseiro, de
coração apertado pelo secreto amor. E que tantas vezes não era tão secreto
assim, pois até o marido corneado sabia.
Desse modo,
dali da pracinha começava a libertar suas estrelas mensageiras. A radiola
tocando em cima do banquinho da praça e ele pensando em alguém, lançando acenos
ao vento, fazendo da brisa bilhetes. E certamente Moreninha Linda era pra uma,
A Lua é Testemunha pra outra, Ingrata Morena ainda pra outra, e assim por
diante. O repertório era imenso, as opções diversificadas. Mas será que Alcino
tinha tantas assim?
Verdade é que
tinha. Se não confirmasse, também ele não negava a ninguém. E não somente em
Poço Redondo como nas cidades vizinhas. Tendo por profissão a de fiscal de
tributos, mais conhecida na região como exator, quando não estava prefeito
pedia para ser enviado para prestar serviços nas cidades vizinhas, Monte Alegre
de Sergipe ou Canindé do São Francisco. Estratégias de conquistador.
E nestas
cidades, principalmente Monte Alegre, onde ficava hospedado no Hotel de Odete,
as peripécias amorosas de Alcino corriam soltas. Ora, se na própria cidade onde
vivia sua esposa, seus filhos, seus pais e demais conhecidos, ele encontrava
encorajamento para viver de alcovas, imagine então num lugar descompromissado.
Verdade que até hoje a fama namoradeira de Alcino corre solta por aqueles
rincões.
Alcino e sua esposa Dona Peta
Mas ela
continuou, Dona Peta resolveu ficar, mesmo pagando sem merecer, mesmo sofrendo,
continuou ao lado de Alcino. E só o verdadeiro amor faz isso. E permaneceu ao
seu lado até o instante de sua morte, aos 65 anos, no dia 23 de junho de 2009.
E ela era tão bonita, minha mãe era tão bonita...
Continua...
Biografia do autor:
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho
Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O
Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e
"A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo
Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de
"Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da
Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo
- Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para
publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP
49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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