Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Como acontecia
nos tempos cangaceiros, onde o coito era o local de descanso dos homea do sol
para a jornada seguinte, também tenho meu coito, ambiente de repouso do
pensamento e de enveredamento nas trilhas da escrita. E muito mais.
É coito e
escritório, é baú e folha seca, é memória e página em branco, é vereda e
alcance do mundo mágico dos rabiscados pulsantes ou já adormecidos pelo tempo.
No meu coito é onde me encontro e viajo, onde permaneço e de repente já estou
dialogando com a justiça ou com os cabras de Lampião.
Do meu coito,
um pequeno escritório de três também pequeninos ambientes e junto à moradia,
avisto o passado e encontro o presente, proseio com o
existente e a fantasia, saio catando restos daquilo que esqueceram pelos
caminhos. Encontro o mandacaru e o xiquexique, a cabaça e a enxada, o tamborete
e a moringa, o sol ardente e a lua plangente de romantismo e solidão.
No meu coito
me divido entre as leis e a história, entre os brocardos e os proseados
matutos, entre petições e textos de amorimorte. Num instante, requeiro a
absolvição de um e no outro já estou trilhando as veredas escaldantes do meu
sertão ou de outro rincão qualquer. Num instante me dirijo aos tribunais, no
outro já estou correndo atrás do destemido calango sertanejo.
Às vezes
estendo o olhar até a balança da justiça na estante e ali avisto as tantas
injustiças pendendo de lado a outro, num mundo onde as leis são interpretadas
pelas conveniências. Acabo sendo uma exegese do poder corrompendo tudo. Assim
foi num tempo distante e também no dia de ontem, e inevitavelmente assim será
amanhã. Tudo isso me interessa como objeto de escrita.
Sento diante
do birô como o sertanejo faz no tronco de pau diante de seu casebre. O matuto,
mesmo amargurado e cheio de desesperança, aprecia e se encanta com o seu mundo,
com a natureza ao redor, com tudo aquilo que possui - que é quase nada. E faço
o mesmo, me sinto do mesmo jeito, também fico extasiado com as pequenas coisas
que tenho e posso dispor no dia a dia do meu coito.
De um lado,
bem defronte aonde me sento, um grande mostruário envidraçado contendo os meus
livros e os de meu pai. São mais de vinte, sendo seis escritos por ele. Um
armário com documentos e material de escritório, tendo por cima uma
cabeça-de-frade que continua verdejante como no sertão. Ao lado do birô uma
parede com desenhos emoldurados de minha autoria. Todos com motivos sertanejos.
Na mesma
parede há ainda dois quadros com textos jornalísticos de minha autoria. O
primeiro é sobre o filme Sargento Getúlio como patrimônio cultural de Poço
Redondo (pois filmado por lá na década de 80); o segundo acerca de Zé de
Julião, ou cangaceiro Cajazeira, o mais valente de todos os meus conterrâneos
poço-redondenses. Os textos são ladeados por fotografias de igual dimensão.
Zé de Julião
No outro lado,
acima da parte azulejada da parede outros desenhos emoldurados, também com
cenas e motivos sertanejos, e uma pintura a óleo, todos de minha lavra e dos
meus instantes de aprendiz. Mais duas pinturas fazem parte de outro pavimento
do coito. E já estou providenciando outros desenhos, dessa vez reproduções a
verniz e guache de xilogravuras, para dar maior vivacidade ao ambiente, que
numa estante já conta com objetos de barro e madeira retratando figuras do meu
sertão. Ali Lampião e Maria Bonita, cactos, animais de cargas, utensílios da
cozinha sertaneja e outros objetos do meu mundo interiorano.
Ainda na parte
central do meu coito, dessa vez na estante principal, alguns livros que sempre
coloco ao meu alcance. Códigos, doutrinas e outras publicações jurídicas, mas
também obras sobre o cangaço, poesias e romances famosos. E duas Bíblias, uma
pequenina, aberta num Salmo qualquer, e outra maior, sempre à espera que eu
releia suas lições. E ainda pequenos objetos artesanais, fotografias e uma
igrejinha de madeira adornada por rosários e fitas. Dois cavalinhos de barro
acima da estante, e um pouco mais alto, na parede, um quadro com fotografia e
texto sobre o legado cultural de Alcino Alves Costa.
E eu no meio
disso tudo. Pensando, rememorando, escrevendo. É capital, mas é como estivesse
noutro lugar, nas distâncias sertanejas, pois ladeado por um mundo muito
diferente do portão da frente em diante. Assim é que desperto ainda nas
madrugadas para encontrar esse coito, encontrar a natureza e a história que ali
dispus, e depois colher as flores e os espinhos dos escritos cheirando a chão,
a terra sertaneja.
Poeta
e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Caro Mendes: O meu bom-dia com muita chuva nesta manhã aqui em nossa Serrinha.
ResponderExcluirPelo que pude observar, tem razão o nobre Advogado e Escritor Rangel levantar-se às madrugadas para escrever e atualizar seu blog, logo que, rodeado de tudo que podemos imaginar em termos de livros e de tantas outras coisas. Assim meu caro Mendes, o Dr. Rangel - o filho do grande Alcino Costa tem mesmo o direito de aproveitar as madrugadas com as suas inspirações, ainda que eu ache um tanto perigoso para a saúde, esse aproveitamento excessivo.
Antonio Oliveira -Serrinha-Ba.
Gostaria muito de assistir a esta reportagem, mas, provavelmente,estarei em transito entre Fortaleza e Cruz, retornando do PEC Nordeste.
ResponderExcluirAntonio dos Santos de Oliveira Lima
Cruz/CE