Por Rangel Alves
da Costa*
Ando meio
entristecido. Só não digo que chorei pra ninguém ficar sabendo que sou
tempestade de vez em quando. Mas não adianta nada esconder, pois todos percebem
no meu olhar essa paisagem angustiada e melancólica.
Zezé, aquele
mesmo molecote de “Meu Pé de Laranja Lima” disse um dia, lá no finalzinho do
romance de José Mauro de Vasconcelos, que estava triste porque já havia se
passado três dias que cortaram seu melhor amigo, o pé de laranja lima. E tenho
de dizer o mesmo.
Digo o mesmo,
mas não porque cortaram pelo tronco uma árvore companheira, e sim porque
mexeram na minha asa, tocaram perigosamente na minha asa, cortaram um pedaço de
minha asa. Só me resta agora um pedaço de asa. E logo agora que precisava fazer
tanto com ela.
Não sou anjo,
nunca fui nem jamais serei. Também não nasci com apêndices de penas presos às
costas. Mas tenho asas desde que ainda meninote percebi - ou apenas imaginei -
que podia voar. Bastava desejar realizar alguma coisa que minhas asas ficavam
prontas para alçar voo.
Na verdade,
nunca saí do chão com as asas que possuía. A certeza de sua existência estava
na minha capacidade de levantar voo a qualquer momento que desejasse, eis que
numa idade onde havia certeza que nada podia impedir a realização dos sonhos e
planos. Eis uma idade que permite não somente asas como voos instantâneos em
qualquer direção.
Ademais, havia
sempre a noção de estar imune à tristeza, às angústias e aborrecimentos da
vida, vez que sempre capaz de transformar tudo em alegria e felicidade. Assim,
imaginava que bastava querer realizar algo grandioso e tudo seria possível. E
assim porque tinha asas, porque podia voar a qualquer momento. E assim porque
com as nuvens e os espaços ao alcance dos desejos e sonhos.
Aos poucos,
contudo, com o avanço dos anos e o distanciamento cada vez maior da infância,
acabei me sentindo cada vez mais rente ao chão, experimentando suas asperezas e
já pisando nos primeiros espinhos. A partir daí, as asas que anteriormente
pareciam querer esvoaçar ao sabor de qualquer vento, já nem eram mais
percebidas com seu poder de me levar ao ar num simples querer.
Com o tempo,
as asas dos sonhos, das miragens, viagens, idílios, fantasias, desejos,
ludismos, e de tudo aquilo tão próprio das liberdades infinitas da infância,
vão perdendo as forças, as penas, as hastes de sustentação ao imaginário, e
tantas vezes terminam sumindo completamente. Mas as minhas continuavam me
acompanhando, e assim porque jamais deixei de sonhar, de pensar muito além do
presente, de fazer grandes voos no pensamento.
As asas
continuavam comigo, não haveria como duvidar. O adulto jamais se separou da
criança completamente, o homem jamais abdicou de também viver a doce e terna
infantilidade de vez em quando. Impossível viver sem rebuscar do passado
aquelas ilimitadas fronteiras da meninice.
Contudo,
diante das responsabilidades surgidas, eis que as asas foram se recolhendo por
conta própria, encurtando-se no imaginário, e só reaparecendo quando sinto a
necessidade de sair da mesmice da vida, da normalidade angustiante, e me
imaginar sendo menino novamente. Mas não mais, e infelizmente, com a força
viva, alegre, bonita, contagiante, de outros tempos.
Agora só um
pedaço de asa. Por mais que ela ainda continue completa em mim, sei que não
posso mais dispor nada além de um pedaço de asa. Talvez apenas um pouco de plumas
e sem a força suficiente para ir além do horizonte do meu olhar. Eis que o
tempo, a idade, a força dos anos, pesam demais sobre o ser e acabam impedindo a
leveza da completa libertação, acabam dificultando a viagem dos mesmos sonhos
de antes.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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