Material do
acervo do pesquisador Antonio Corrêa Sobrinho
COMO SE FORJA
UM CANGACEIRO
A LEI DO
NORDESTE
Não Melhorou a
Vida no Rio de Janeiro – A educação Nordestina é Muito diferente – Dois
Exemplos do Que é o Nordeste – Difícil Adaptar-se ao Modo de Vida Carioca
MUITA gente
desejava escrever a minha biografia e me oferecia vantagens, mas eu nunca tive
vontade de conta-la, até que um vespertino carioca me fez uma proposta
interessante e eu resolvi embarcar para o Rio. Um repórter foi encarregado de
escrever minhas aventuras, e eu ganhei alguns contos de réis. Se as reportagens
não agradaram, não foi apenas culpa minha. Eu poderia ter falado mais do que
falei, mas só me perguntavam coisas sobre Lampião, e sempre perguntas tolas,
sobre fatos de todos conhecidos. Não me deixaram falar livremente, e eu andava
ainda com receio de ter que voltar para a cadeia. Não sei por que, mas até agora
ainda não me sinto muito seguro. Por mais que me digam que eu não posso ser
punido por coisas que fiz dos onze aos quatorze anos, não me tranquilizo, pois
a verdade é que já passei vinte anos atrás das grades...
PROPOSTAS
TORTUOSAS
EU pensava que
no Rio minha vida ia melhorar, mas tal não se deu. Sempre desperto curiosidade,
mas, no fundo, ninguém tem vontade de me ajudar. É bem verdade que não sei ler,
mas sei fazer tanta coisa... Infelizmente, para quase todos a minha especialidade
ainda é matar. Não me faltaram propostas para ser guarda-costas de gente graúda
e andar armado. Conheço bem essas coisas, pois isso acaba sempre em crime e,
enquanto os graúdos ficam soltos, os miúdos vão para a cadeia.
Não sou homem
dado a crimes, e a prova tem sido esses anos de liberdade que tenho gozado.
Saibam os leitores que oportunidades não me têm faltado para fazer umas
asneiras, mas a minha natureza é pacata, apesar do meu gênio não ser dos
melhores, quando provocado. Eu só me tornei cangaceiro por uma fatalidade e
creio que, conforme já narrei, qualquer garoto naquelas condições teria
ingressado no crime.
O NORDESTE É
DIFERENTE
A EDUCAÇÃO
nordestina é diferente da que se adquire nas grandes cidades. Pouco depois de
me libertarem, um homem assassinou um de meus irmãos no Nordeste, onde minha
família vive. O criminoso não foi condenado, tal a razão que tinha. Pouco
depois cheguei à cidade em que se dera o crime, e estive frente a frente com o
homem que matara meu irmão. Ele estava assustado, mas eu logo o tranquilizei,
pois me informaram meus outros irmãos como as coisas se tinham passado. A luta
foi leal e o rapaz matou para não ser morto, o que, para um irmão, pode ser
doloroso, mas era preciso ser justo, e eu até agora me orgulho de assim ter
procedido.
Já o mesmo não
se passou com outro crime em minha família, este bem recente. Uma de minhas
irmãs pôs-se a namorar, no interior de Sergipe, um rapaz que não estava à
altura de se casar com ela, que era menina decente e muito prendada. Um de meus
irmãos compreendeu a situação e tratou de desfazer o namoro, que já estava se
tornando sério. Energicamente interveio, e minha irmã, obediente, aceitou a
decisão e deu o seu caso amoroso por terminado.
O rapaz,
porém, não se conformou, e, enciumado, armou-se e matou no mesmo instante meu
irmão e minha irmã! Quando me escreveram contando o caso, fiquei alucinado,
pois o assassino estava vivo e solto. As regras morais de um nordestino não
admitem isso. Quem procede assim tem que morrer, segundo aprendi desde menino.
Que confirmem os meus conterrâneos se isso não é norma para nós. O crime foi
brutal e covarde. O assassino estava solto e gabava-se do que tinha feito. Além
do mais, o que me contrariava é que meus irmãos são pacatos e eu sabia que
nenhum eles teria coragem para vingar os dois mortos. Teria que ser eu o
vingador!
É DURO VIVER
ASSIM...
POR outro
lado, a ideia de voltar a ser assassino me apavorava, agora que tenho mulher e
quatro filhos pequenos, sendo que, na ocasião, o quarto estava para nascer.
Este infeliz iria conhecer o pai na cadeia! Sim, porque o assassino de meus
irmãos estava solto, mas se Volta-Seca o matasse, seria preso e condenado!
Todavia, era preciso eliminar o assassino!
Foi durante
esse torturante dilema que um de meus irmãos, o mais pacato de todos, matou o
assassino. Esse meu irmão devia ter pensado muito em mim, na minha família, na
minha situação delicada. Não tenho dúvida de que pensou, pois, antes de
liquidar o rapaz, mandou-me um telegrama que dizia: “Não precisa mais vir,
Antônio. Matei o assassino de nossos irmãos”.
Eu nem cheguei
a dizer que ia ajustar contas com o rapaz, mas eles sabiam que “essa era a
minha obrigação”... E só Deus sabe como sofri para tomar uma resolução que,
afinal, nem foi tomada.
Tudo depende
da forma como se é educado. Onde eu nasci, um soco na cara, ou mesmo uma ofensa
brincalhona à mãe de alguém, é caso de morte. Nas cidades tudo é suportado com
esportividade e eu, aos poucos, vou me acostumando com a vida de cá. Mas que é
duro viver assim, depois de ter aprendido a viver de outra forma, lá isso não
tenha dúvida que é...
CONTINUA...
Fonte: facebook
Página: Antônio
Corrêa Sobrinho
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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