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quinta-feira, 1 de outubro de 2015

EM JARAMATAIA DE GARARU - Parte I

Por Nertan Macedo

"Acorda maria Bonita, acorda que o sol já raiou, acorda que os passarinhos estão fazendo ninho no teu bangalô..." - (Cantiga do povo do sertão).

Tanta certeza tinha o doutor capitão Eronides de Carvalho que, mais cedo ou mais tarde, haveria de encontrar Virgulino Lampião que tratou de se preparar para não ser tomado de surpresa.

Foto oficial do Governo Eronides. Acervo de Luís Rubens – Tok de História – Rostand Medeiros

Oficial médico do Exército, mais tarde governador eleito de Sergipe, convalescia o doutor na fazenda Jaramataia, em terras de Gararu, quando o Capitão apresentou-lhe, no raiar do dia, a exemplo do que costumava fazer em casa do coronel Antônio Caixeiro. Era o doutor Eronides, filho do velho casal de fazendeiros de Borda da Mata.

Antonio Caixeiro - Esta foto pertence ao acervo do pesquisador Kiko Monteiro - http://lampiaoaceso.blogspot.com

Corria agosto, madrugada fresca, nos campos de Jaramataia. As últimas sombras da noite abandonavam o espaço, quando o médico foi despertado por um portador.

- Doutor Eronides, o capitão Virgulino Lampião mandava avisar que vem fazer uma visita ao senhor.

- Pois diga a ele que venha. Estou às ordens.

Quinze minutos depois o Capitão apareceu em pessoa. Chegou montado, um cavalo magro, de bons arreios, o bando a pé atrás dele. O doutor aguardava-o no alpendre. 

Lampião demonstrou a distância e veio caminhando, sozinho, enquanto o grupo se detinha, cerca de uma vintena de cangaceiros. 

Estendeu a mão para o médico, dizendo:

- Bom dia, doutor. Eu sou o Capitão Virgulino Ferreira da Silva Lampião. Venho fazer uma visita de boa paz ao senhor.

O doutor sorriu ao cumprimento, indagando:

- Então como devo chamá-lo: capitão ou coronel? Porque eu também sou capitão e deve haver aqui uma hierarquia - como oficial do Exército nosso ser comandado pelo senhor...

Lampião compreendeu a malícia e replicou:

- Pois desde já o senhor está promovido a coronel.

- Assim está bem, Capitão. Mande o pessoal tomar chegada para um cafezinho e soltar o cavalo no pasto. 

Ezequiel Ferreira da Silva

A um gesto do chefe os homens foram se aproximando da casa grande de Jaramataia. Um deles era Ezequiel, irmão de Virgulino. Outro, seu cunhado Virgínio, homem de boas maneiras, cortês, o nariz afilado, moreno, bonito. Outro, seu cunhado Virgínio,

Virgínio Fortunato da Silva

homem de boas maneiras, cortês, o nariz afilado, moreno, bonito. Corisco, o de cabelos alourados, traços duros, modos insolentes.

Corisco

No alpendre sentaram-se pelo chão, respeitosos, à espera da comida. Um permaneceu no pátio, rifle embalado, de sentinela.

O hospedeiro falou:

- Capitão, mande recolher aquele homem, que ninguém virá aqui nos incomodar.

Virgulino atendeu, o homem sumiu do pátio, vindo juntar-se aos companheiros que conversavam baixo para não incomodar o doutor e o capitão.

Na cabeceira da mesa, posta para o café matinal, disse o doutor Eronides:

- Eu tinha tanta certeza de que, um dia, o senhor ia me aparecer, que até me lembrei de comprar um presente para a ocasião.

Virgulino mostrou-se surpreso. Parece mesmo não acreditar. 

O doutor chamou a empregada da casa, que tremia como vara verde. ordenando-lhe:

- Vá buscar os presentes do capitão Virgulino.

Dentro em pouco a moça retornava, trazendo um embrulho. O doutor desatou-o. Continha uma garrafa térmica e um queijo holandês.

E continuou:

- Lembrei-me de comprar essa garrafa em que o senhor pode conduzir café quente, para beber a qualquer hora do dia e da noite. E este queijo estrangeiro, muito caro e bom, que trouxe de Aracaju...

O visitante sorriu, enfim, satisfeito, constatando a verdade do que lhe dissera o médico. Agradeceu, solícito.

A essa altura um dos cangaceiros gemia, a um canto do alpendre.

- Que tem esse homem? perguntou o anfitrião.

- Dor de dente - informou Lampião, lacônico. - Há dias que não pode dormir.

Voltou-se o médico, novamente, para a empregada da casa:

- Vá buscar uma aspirina e um copo dágua e dê a esse homem. 

A moça voltou ao interior da casa e, reaparecendo no alpendre, com um comprimido e um copo dágua, passou-os ao cangaceiro doente

O médico pode então sentir a disciplina e a autoridade de Virgulino. Um lado do rosto inchado, o cabra ficou segurando o remédio e a água, sem coragem para ingeri-los. Seus olhos, desconfiados, inquiridores, procuravam, ansiosos, os do Capitão. Quando com os dele se cruzaram, um leve aceno de cabeça fez sentir ao cangaceiro que podia tomar a "receita", o que logo foi feito.

CONTINUA AMANHÃ

Fonte: Capitão Virgulino Ferreira: LAMPIÃO
Autor: Nertan Macêdo
Edições o Cruzeiro - Rio de Janeiro - 1970

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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