Por Rangel Alves
da Costa*
Era um circo
só, o Gran Circo da Lua, mas com duas realidades diferentes, mas muitos
diferentes mesmo. Uma no espetáculo, na apresentação noturna debaixo da lona
grande, e outra após o espetáculo e na vida comum daqueles mambembes. Era um
circo pequeno, com poucas atrações, mas sempre uma festa incomum na cidade
interiorana. O palhaço Alegria, o atirador de facas, duas dançarinas acima do
peso, o malabarista, o cuspidor de fogo, a mulher barbada e as atrações
principais de fim de semana: o globo da morte e o homem invisível. “Respeitável
público, o Gran Circo da Lua lhes apresenta as maiores maravilhas do mundo...”,
assim começava o espetáculo.
Sua chegada em
qualquer cidade era um espetáculo à parte. Esperado e desejado pela população,
que já sabia de sua chegada pelo velho carro com alto-falante em cima,
anunciando para os próximos dias a presença do genial, do maravilhoso, do maior
e mais fantástico circo do mundo, acabava sendo a novidade tão aguardada por
todos, principalmente a criançada. E na data marcada, quando a meninada se
alvoroçava correndo de canto a outro, então era a certeza da presença na cidade
do maior espetáculo da terra. Portas e janelas se abriam, amigos mudavam as
conversas debaixo dos pés de pau, toda a cidadezinha acolhia festivamente o
comboio: dois carros velhos à frente e outros dois mais velhos ainda, estes
carregando baús, caixas e sacolas, além de um caminhão desengonçado portando a
maior parte da estrutura circense.
A cidade
inteira se tomava de grande expectativa para a sua estreia. Nos afastados da
cidade, nas proximidades do campinho, a acanhada estrutura ia sendo montada.
Primeiro o cercado para ninguém entrar sem pagar, ao centro as vigas para as
lonas e a cobertura, e depois quatro ou cinco degraus de arquibancadas de uma
madeira já envelhecida demais para não apresentar perigo. E por último o
camarim, o palco e o picadeiro, além de outras utilidades. A meninada não
sossegava enquanto não via o circo em pé, a todo instante estava ali uma dúzia
perguntando quando ia ter espetáculo. Mas pessoas de mais idade também
circulavam pelos arredores numa vontade danada de avistar tudo pronto para a
grande estreia.
Quando o carro
de som passou anunciando o dia estreia, então não se comentava mais sobre outra
coisa na cidade. Moça se enchendo de bobes, mulheres remendando roupas, homens
engraxando os sapatos, a meninada se virando como podia para arranjar os
trocados para a entrada. Meia entrada. Até os doze anos só meia entrada. E já
chegando o entardecer, os alto falantes do circo foram ligados e os ecos
musicais se espalharam pelos arredores. Não havia mais como duvidar da estreia
tão esperada. E quando chegou sete da noite, horário marcado para o início,
então a plateia silenciava por não poder gritar de tanta ansiedade.
“Respeitável
Público, o Gran Circo da Lua, o maior espetáculo da terra, tem a honra de lhes
convidar a uma viagem ao mágico, ao fantástico, ao inacreditável. E com vocês,
diretamente de Las Vegas, as mais belas dançarinas...”. Entraram as duas
rumbeiras rechonchudas, dando início ao grande espetáculo. Contudo, pobres
atrações, remendos nas roupas, nas lantejoulas, nos brilhos e nos enfeites. O
palhaço quase tombando de bêbado e um atirador de facas que, por ciúmes, quase
acerta no coração da galega. Da soma de tudo, somente a pipoca e o algodão
receberam os devidos aplausos de que os experimentou.
Ao fim do
espetáculo, a vida. Preocupado pela bilheteria insuficiente para cobrir os
custos da chegada até ali, o dono do circo logo avisou que dias difíceis os
aguardava. Como, aliás, são todos os dias nos pequenos circos interioranos,
que, por teimosia e amor à arte, continuavam erguendo lonas e chamando o povo
às suas poucas e tristes atrações. Mas, enfim, adormeceram para a luz do sol do
amanhecer. E a manhã os encontrou entristecidos, preocupados, desesperançados.
No café da manhã, todos se virassem no pão e na manteiga. No almoço uma
macarronada sem molho para todos. Nada de carne ou refrigerante, apenas
ki-suco.
O palhaço,
sumido de sua tenda desde o alvorecer, mais tarde retornou cheirando a
aguardente barata. E novamente se recolheu entristecido, choroso, para
novamente reescrever uma carta que nunca terminava. As lágrimas sempre molhavam
o papel. Respeitável público, assim o grande espetáculo da vida, o maior
espetáculo do mundo. Dois circos num só. O da ilusão e o da realidade.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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