Por Luitgarde Barros
Padre Cícero
Tenho
refletido muito sobre o ambiente de regozijo com a Reconciliação, que conduziu
o retrato do Padre Cícero ao interior da igreja onde foi batizado e celebrou
sua primeira missa como sacerdote.
Pensar no
Padre Cícero para mim é evocar o grande juazeirense Padre
Azarias Sobreira e seu inigualável livro sobre a história do Nordeste e de sua
igreja – O Patriarca de Juazeiro. Seus inesquecíveis depoimentos me tocam.
Lembram-me sua firmeza de caráter e, indagado, a resposta que me deu sobre a
possibilidade de algum dia ter tido dúvidas pela escolha do
sacerdócio católico, quando me afirmou muito ter sofrido e pedido a Deus o
“milagre de um sinal de que esta é sua Igreja”, acossado como sempre viveu pela
descoberta dos erros da hierarquia da igreja cearense em relação ao Padre
Cícero.
Este milagre aconteceu, dando-lhe o júbilo de ver a ascensão de João
XXIII (Cardeal Roncalli) ao Papado, e a abertura do Concílio Vaticano II
(11/02/1962), a primeira grande reforma da Igreja proposta por um membro da
hierarquia sacerdotal. Antes, as grandes reformas tinham sido propostas por
leigos, como Francisco de Assis em 1209, opondo a pobreza aos exorbitantes
tesouros e opulências do poder papal, enfim proclamando a “regra dos menores” em rejeição
aos bens materiais. Longo foi o caminho da Igreja cristã primitiva nos seus
primeiros três séculos de helenização para se adaptar à paideia
grega de conciliação entre os poderes do mundo, até que no quarto século (313)
o imperador Constantino suspendesse a perseguição ao cristianismo,
tornando-se ele próprio cristão, atraindo para fortalecimento de seu poder
todos os cristãos do Império Romano. Em 325 Constantino convoca o I Concilio de
Niceia, do qual participaram cerca de 300 bispos cristãos, no qual se
proclama a unidade política do Império e a Doutrina da Trindade.
Para a expansão do cristianismo, Constantino transfere a capital do
Império para Constantinopla em 330. Antes de morrer havia estabelecido a
existência de livros canônicos e livros apócrifos.
Nos séculos
seguintes a Igreja vai substituindo o desapego material pelo luxo, separa-se da
Igreja Ortodoxa do Oriente, tornando-se a Igreja Romana a principal
força do Ocidente, com centralidade na Europa. A história do crescimento do
viés de riqueza do papado é também a história da reação dos “franciscanos
espirituais” ao crescente poder econômico-político da instituição dirigente do
catolicismo ocidental. A resistência dos “espirituais” crescia com a adesão
maciça de cristãos a seus princípios, até à ideia da pobreza de Cristo, que
atingia a ordem social daquele tempo. Desde Bonifácio VIII os franciscanos
espirituais foram condenados: em 1311, 1317, 1322 e 1323. Essa repressão é respondida pelo
mais contestador dos pensadores franciscanos, Guilherme de Ockham, que escreveu
sobre o principal problema político de seu tempo, referindo-se ao papa João
XXII: “o poder do papa, o seu direito de determinar os caminhos e os limites da
vida espiritual, o seu direito de intervir nas questões temporais, o seu
direito inquestionável de propriedade e o seu direito de ter a sua
autoridade inalcançável pelos outros poderes”.
A alegria do Padre Azarias em 1973 era poder ter assistido, mais de seiscentos anos após a luta dos franciscanos espirituais, a retomada de suas teses por João XXIII no Concílio Vaticano II (11/02/1962), cujos temas centrais foram a Misericórdia e o voltar-se a Igreja para os pobres. João XXIII demonstrou preocupações com temas como a pobreza de Cristo, elemento basilar do mundo beato, do qual Padre Azarias foi o maior divulgador e defensor, principalmente das práticas de seu criador – Padre Mestre Ibiapina.
Imagino seu
entusiasmo se estivesse assistindo a atuação de um cardeal latino-americano,
jesuíta Jorge Mario Bergoglio que, eleito papa após a renúncia de
Bento II, escolhe a nominação de papa Francisco, preocupado com a pobreza e a
violência no planeta, preconizando uma Igreja voltada para esses
problemas concretos nas atuais dinâmicas do mundo contemporâneo.
Evocando teses
caras a João XXIII, como Evangelho dos pobres e uma Igreja Pastoral,
Francisco publica “Evangelii Gaudium” e convoca o Sínodo da Família em
2014 e 2015, quando são expostos conflitos internos da Igreja Romana
contemporânea, num mundo em crise econômica e de valores, marcado por extrema
violência e aparecimento de novos protagonistas na cena internacional de
disputa do poder hegemônico num momento de diminuição da importância da
Europa. Para seu papado, convoca titulados e experientes participantes de
cargos como o Cardeal- presbítero de 83 anos de idade Walter Kasper (membro da
Congregação para as Igrejas Orientais, do Pontifício Conselho para a Cultura,
Congregação para a Doutrina da Fé, Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica,
Supremo Tribunal da Assinatura Apostólica e Pontifício Conselho para os Textos
Legislativos) e o respeitado diplomata Pietro Card. Parolin seu Secretário de
Estado. Francisco empreende a dificílima tarefa de reforma do papado, objetivando principalmente
efetivar a Descentralização do poder decisório entre Bispados nacionais e
regionais. Isto é expresso pela criação de um estatuto das conferências
episcopais, com o Evangelho dos pobres, ouvindo o “sensus fidei do povo”, como
propusera João XXIII.
Papa Joao
XXIII
Preocupado com
escândalos na Igreja, Bergoglio se preocupa com a escassez de vocações sacerdotais,
mas clama por “fervor apostólico religioso”, enquanto expande para a Ásia
a Evangelização. Preocupado com a moral religiosa, incrementa maior rigor na
seleção de seminaristas, elencando a fragilidade de motivações como busca de formas
de poder, de glória humana ou bem estar econômico e insegurança afetiva. Como
característica de uma Igreja Pastoral, recomenda criatividade das Igrejas
locais na escuta dos principais problemas que angustiam os cristãos em cada
país, em cada região. Enfim, recomenda a Igreja atenta aos clamores
de seu povo, à fé e à moral cristã, na construção de uma verdadeira Igreja
Mundial.
Para quem vive
ou estuda as romarias de Juazeiro, é como se aí se encontrasse a
ideia, emanada do mundo beato, de que a pobreza de Cristo irmanava-o com
todos os romeiros do Padre Cícero e da Mãe das Dores, numa piedade cristã que o
tempo, mesmo com todas as incertezas desse “vale de lágrimas” contemporâneo, só
tem feito multiplicar.
Reconciliando
a Igreja com o Padre Cícero, o Papa Francisco supera a proposta de
Ratzinger de “reabilitação histórica” deste que é o maior guia do povo
nordestino, tendo vivido para que o catolicismo seja educação, forma de
vida, consolo dos aflitos, força dos necessitados, respeito aos 10 mandamentos
da lei de Deus, fé em Nossa Senhora das Dores, misericórdia, exaltação do
trabalho no exemplo de São José Carpinteiro, resistência ao sofrimento e o
perdão divino.
Constituindo a
categoria “homem de bem”, para designar seus seguidores que o ajudaram no
“ciclópico trabalho” (Sic Azarias Sobreira) de soerguimento da vida nos sertões
do Nordeste - com a palavra do evangelho, o trabalho e a oração, Ibiapina
fundiu em seu programa missionário os preceitos de São Bento e São Francisco de
Assis, este último a principal evocação de Bergoglio.
Em sua
concepção de autonomia da Igreja local para suas práticas pastorais, Francisco destacou na
América Central o sacrifício de Dom Romero em El Salvador e, na América Latina,
a obra de Padre Cícero no Juazeiro do Norte, último testemunho do Mundo Beato em seu
possível histórico no seio de uma Igreja em transformação.
Procurando
fragmentar o poder de dominação do Vaticano, o atual papa pratica o ecumenismo
proposto por João XXIII e, como aquele, procura a Conciliação entre todas as
denominações cristãs, superando quase milenares dissensões, com o objetivo de colocar a
Igreja cristã como Mediadora num tempo em que um por cento (1%) da população
mundial detém noventa e nove por cento (99%) da riqueza dos bilhões restantes
dos filhos de Deus.
No mundo
estritamente político-econômico - partidos políticos, empresas e potências
bélicas fazem Acordos e instalam a barbárie do saque à natureza na exploração
de nióbio, coltran, petróleo, gás, tráfico de armas e drogas, com a
consequência da morte ou expulsão de milhões de seres humanos de suas terras
de origem, prenunciando-se, pela potência destrutiva dos métodos
utilizados nessas guerras, até o desaparecimento da espécie humana.
Na busca de
paz para a humanidade as Igrejas Cristãs fazem Reconciliação.
Luitgarde
Oliveira Cavalcanti Barros - Doutora em Ciências
Sociais e Professora aposentada da UFRJ e da UERJ - Fonte: blog do
Crato/Armando Rafael
http://cariricangaco.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário