Nada é eternidade. Tudo que começa tem seu fim. Por mais que a permanência seja duradoura, ainda assim se findará um dia. Mas tal lógica nem sempre é compreendida. Gente há que se imagina petrificado em pedestais sobre a terra.
As folhas esperam as ventanias. Nascem, vicejam, ondulam, farfalham, mas depois de outonos começam a se reconhecer em fragilidade. E abrem suas asas como borboletas leves à espera de um sopro qualquer. E partem sabendo que assim há de ser.
Ora, a pedra não pensa diferente. Seja rochedo ou miudeza de beira de estrada, não vive a ilusão da eternidade. Na sua dureza petrificada, na sua face parecendo inquebrantável, sempre a verdade maior dizendo que tudo é pó e ao pó há de retornar.
Olhai os lírios do campo! A grandeza da vida está na simplicidade, na humildade, na compreensão. Os reinos são sucumbidos, os impérios são devastados, as potências são dizimadas. Resta apenas o que se compreende dentro de suas limitações.
As casas novas que se tingem do verniz do tempo. As casas velhas que se reconhecem o quanto serviram de abrigo. E neste reconhecimento até mesmo os escombros passam a contar de sua história e de sua serventia. Mas o resto não. Apenas some.
O ferro tão portentoso, impetuoso, ferrenho. O ferro que se impõe como indestrutível, como protegido de tudo e de todos. Aí vem o silêncio do tempo, aí vem a sonolência da maresia, aí vem o sal das fragilidades. E de repente a ferrugem corroendo tudo.
Vaidade das vaidades. É tudo vaidade! Assim ensinou o Eclesiastes. Então por que a soberba, o egoísmo, a vaidade, a arrogância, o orgulho, a empáfia e a altivez? Por que a imodéstia e a presunção? Mais adiante, na próxima curva, tudo se mostra pelo avesso.
Ainda o Eclesiastes com suas lições. Todo mundo sabe, todo mundo há de passar por isso, mas parece que ninguém acredita que depois da alegria vem a tristeza, depois do grito vem o silêncio, depois do regozijo vem o sofrimento, depois da vida vem a morte.
E a morte vem. A morte sempre chega. Não adianta o anel dourado no dedo, não adianta o título nem a honraria, pois ela sempre vem. E chega também para todos os demais. A diferença que pode existir é apenas a presunção que o poder também a vence.
Será preciso não criar ilusões. Linda é a flor do mandacaru. Mas que ninguém espere que sua beleza e formosura durem mais que uma noite. Abre-se em pétalas floridas ao anoitecer, enfeita-se e perfuma-se pelo resto da noite, mas ao alvorecer já vai perdendo seu viço. E depois seca. E depois morre.
Os avoantes cruzam distâncias imensas em determinados períodos do ano. Partem em imensos bandos e retornam depois de uns poucos meses em terras longínquas. Mas a simples revoada nem sempre retorna na tarde seguinte. Há pássaros que voam querendo ficar.
Se o tempo e a idade dificultam os passos pela estrada, será sempre preciso saber que se pode ir ao longe por outros caminhos. É o desejo de seguir que vai criando asas e de repente a pessoa voa como um passarinho. E em pensamento segue aonde quer chegar.
Igual aquele velho sábio que ao pé da montanha esperava sua morte chegar para melhor subir. Quando perguntaram por que fazia assim, ele logo respondeu: Jamais alcançaria aquele topo na idade que estou. Há em mim um pássaro que irá despertar quando da minha partida.
As lições da vida sempre permitem avistar realidades além das visíveis e compreender labirintos que se mostram impenetráveis aos que não querem desvendar além das aparências. O mundo não é só a casa, a calçada, a rua, a estrada, a fronteira, o distante. É muito mais.
Mas para se conhecer esse além-mundo é preciso primeiro conhecer o mundo íntimo e o mundo ao redor. Nenhuma valia terá alcançar terras distantes se o quintal ainda não foi desvendado, se os caminhos ao redor ainda não foram percorridos.
E mesmo velho brincar de criança. E mesmo criança compreender a velhice. E mesmo desesperançado abrir a porta da frente para a esperança chegar. Experimentar do picolé de graviola e beber água de moringa. Querer a doçura do araçá e buscar fruta gostosa no mato.
Nunca deixar que a idade avançada impeça viver. Nunca deixar que a idade diga não aos outros tempos da vida. Eis que sempre há tempo de fazer o que não foi feito no passado. Ainda há tempo de tomar banho nu debaixo da chuva e desenhar corações em vidraças embaçadas.
Eu jamais tingirei meus cabelos já esbranquiçados. Também não nego minha idade nem o que pretendo na estrada. Que se espante se digo que ainda sou criança ou que já tenho mais de cem anos na idade que estou agora. Sei que sou o ontem, mas nada sei do amanhã.
Apenas sei que o amanhã, no tempo da vida, será do Eclesiastes. O fruto a terra retorna. E quando a ventania chegar jamais fingir ser tronco. Apenas a folha.
Escritor
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