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segunda-feira, 30 de abril de 2018

FETICHES DENTRO DO CANGAÇO.


Por Verluce Ferraz

Se Lampião não tinha limites, limitava os outros. Por ser um ambiente pouco propício para ser compartilhado com as mulheres, por muito tempo o mundo do cangaço foi refúgio somente para os homens. A justificativa era aceitável pois, mulheres são frágeis, não suportam grandes caminhadas carregando peso de armas, além de engravidarem e choro de crianças atrai os soldados, inimigos de cangaceiros. 


Nos grupos lampiônicos entra mais um componente para justificar tal divisão: - mulher amolece os homens! Esse segundo argumento conferido às mulheres era pura falácia, aliás, todos os argumentos para que as mulheres não entrassem no cangaço eram falaciosos. Na História tivemos muitas mulheres que enfrentaram grandes batalhas e até as guerras, é só lembrar Cleópatra que reinou no Egito (70 a.C), comandou exércitos, conduzia encontros diplomáticos falando mais de dez idiomas; teve seis filhos; Dandara, mulher de Zumbi, lutou ao lado do marido para a libertação dos negros, teve vários filhos; Anita casada com Guiseppe Garibaldi foi revolucionária que fez história no Século XIX, por ter lutado na Revolução Farroupilha; a princesa Isabel apelidada de A Redentora, tornou-se a primeira senadora do Brasil; era casada e teve três filhos; Ana Pimentel Henriques Maldonado, esposa de Martim Afonso de Souza (ano de 1534) foi procuradora do marido e teve seis filhos com ele; Chica da Silva (1732/1796) do Arraial de Tijuco, Diamantina (MG), filha de uma escrava com um militar português; casou com um poderoso administrador, tornou-se poderosa, entrava nas Igreja e nas casas dos ricos; teve treze filhos com o marido. 


Acreditar que mulher amolece homem é uma grande inverdade; que homem deve evitar mulher para poder brigar também é engodo. O que havia no Cangaço era uma censura prévia e mentirosa, fácil de ser compartilhada entre os jovens analfabetos cangaceiros que muito cedo entravam para o mundo do crime. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, não tinha limites, mas limitava os outros com o seu poder de indução e o poder bélico. Essas limitações advinham de fontes psíquicas, o cangaceiro Virgulino, dizer que “mulher amolecia homens pois homem tem que ter corpo fechado” era, no mínimo, manipulação. Os tabus de Virgulino Ferreira da Silva é que vão colocar essa linha divisória entre os sexos; a origem dessa mentira estria na própria psique do cangaceiro. Mas nem sempre isso constituía lei, e nem impedia que alguns de seus homens invadissem os lares das famílias estuprando as jovens – são muitos os relatos que Virgulino se ofendia com os homens de seus bandos que estupravam jovens, por isso ele mandava os castrar. 


Mas, qual seria a origem desse falso pudor, desse falso respeito que tanto incomodava e levava Lampião a impor uma vida quase celibatária aos seus companheiros? Tais justificativas vêm cair por terra quando Lampião permite que a Maria de Déia entre para o cangaço, e o acompanhe no seu mundo de crimes. A presença das mulheres no cangaço não alterou em nada o mundo dos cangaceiros, não alterou em nada o comportamento de Lampião. O tabu que havia de que as mulheres "amoleciam os homens", de que eram frágeis e a ponto de não resistirem às condições climáticas do sertão? A mulher cangaceira também não há de ser mais feminina, pelo contrário, nada faziam para demonstrar suas feminilidades; não cozinhavam, não se davam à maternidade e quando engravidavam tomavam os chás abortivos , as que pariam, davam os filhos. Assim, não faziam qualquer tarefa do mundo das mulheres femininas. As mulheres cangaceiras viviam para servir aos homens na sexualidade. Algumas nem tinham direito a escolha para se relacionarem - houve casos de mulheres que entraram forçadas para o cangaço e, depois quiseram trocar os parceiros mas foram brutalmente assassinadas.Dentro do cangaço todas as tarefas do mundo doméstico ficavam a cargo dos homens. Contava Lampião com seus 32 anos de idade quando se aproximou de uma mulher casada e pediu que a mesma lhe bordasse alguns lenços. Foi um lenço e um bordado que tanto atraíram o cangaceiro. O fetiche está num lenço bordado. Lampião vai ser dominado pelo fetiche e a Maria há de compartilhar do mesmo prazer. Afinal, esses prazeres brotam da mesma fonte: a psique.

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