A casa onde
Lampião se hospedou é ocupada hoje por um estacionamento para motos, cujo nome
é Lampião Motos. Segundo o arrendatário do imóvel, a proprietária pretende
fazer uma ampla reforma e ‘apagar’ o que resta da história
A visita de
Lampião a Padre Cícero, em Juazeiro do Norte, em março de 1926, é um dos mais
polêmicos capítulos do cangaço. Na ocasião, foi concedida ao “fora da lei” a
patente de capitão do Exército. O Estado queria recrutar seu bando para
combater a Coluna Prestes,que estava nos arredores do Cariri, segundo
informações de lideranças políticas locais
Juazeiro do
Norte (CE). Doutoranda em História Social pela Universidade Federal
Fluminense (UFF) e professora de História da Universidade Regional do Cariri
(Urca), Fátima Pinho, cuja tese de doutorado é “Padre Cícero na Imprensa
Carioca”, conta que uma série de reportagens de Reis Vidal, na década de 30,
deixa claro que o religioso recebeu Lampião para evitar desastre maior, se
recusasse.
Na verdade,
havia a ameaça iminente da presença da Coluna Prestes movimento comunista
armado, que percorreu parte do Brasil no início do século passado no Cariri. O
deputado federal Floro Bartolomeu, responsável por organizar o batalhão
patriótico idealizado pelo presidente Artur Bernardes, na região, para
enfrentar Prestes, resolveu convidar Lampião. Até hoje não se sabe se Padre
Cícero assinou o documento-convite. Para complicar, Floro Bartolomeu adoeceu,
foi se tratar no Rio de Janeiro, mas morreu.
“Quando o
cangaceiro chegou a Barbalha, Padre Cícero teria tentado demovê-lo da ideia de
ir a Juazeiro, já que a visita não faria mais sentido após a morte de Floro
Bartolomeu. Diante da insistência de Lampião e seu bando, o religioso o
recepcionou e apelou para que ele deixasse a vida do cangaço”.
Ao chegar a Juazeiro do Norte, Lampião passou primeiramente na fazenda que
pertencia ao deputado federal Floro Bartolomeu; hoje, no local, funciona o
orfanato Jesus, Maria e José, no Centro da cidade.
O certo é que
Lampião, após ser aconselhado por Padre Cícero a deixar a vida errante,
comprometeu-se a combater a Coluna Prestes, recebendo armas e fardamentos, além
da patente de capitão do Exército, assinada pela única autoridade federal que
se encontrava em Juazeiro do Norte, um agrônomo do Ministério da Agricultura
chamado Pedro Albuquerque Uchoa. Conta-se que, chamado a Recife para justificar
o ato aos seus superiores, considerado um absurdo, o agrônomo teria dito que,
“ante a presença de Lampião e o medo que sentia do cangaceiro, assinaria até
mesmo a renúncia do presidente da República Artur Bernardes”.
Segundo
Fátima, não se encontrou, até hoje, qualquer registro da participação do Padim
no episódio. “A patente realmente foi dada. Entretanto, não tinha qualquer
valor jurídico”.
Na edição do
jornal “A Ordem”, do Partido Republicano Sobralense, de 6 de janeiro de 1927,
há um relato sobre o episódio. “O Padre Cícero falou longamente por ocasião de
suas bênçãos sobre Lampião, descrevendo os seus crimes e concitando as
populações sertanejas a reagirem contra o perigoso bandido. Aproveitou a
ocasião para explicar os motivos pelos quais Lampião já esteve em Juazeiro, protestando
contra as acusações que lhe fazem os seus inimigos, afirmando ser ele protetor
de Lampião”.
Relatos orais mostram que, ao chegar a Juazeiro, do alto do sobrado do poeta
João Mendes, localizado atualmente no Centro, na Rua Vista Nova, 49, para
angariar a simpatia do povo, Lampião jogou muitas cédulas de dinheiro. Uma das
muitas estratégias usadas por Virgulino foi levar parte de seus homens no meio
de muitas pessoas que foram recrutadas em Serra Talhada pelo cangaceiro Zabelê
para ver de perto Padre Cícero.
A casa onde
Lampião se hospedou é ocupada hoje por um estacionamento para motos, cujo nome
é Lampião Motos. O imóvel seria tombado pelo Município. A parte de cima do
antigo casarão que pertencia a João Mendes foi derrubada pelos herdeiros quando
tomaram conhecimento que tramitava na Câmara Municipal o processo de
tombamento.
O espaço é
hoje alugado ao dono do estacionamento, Roberto Wagner. Segundo ele, o local
recebe visitação de turistas que fazem fotos. “As portas, janelas e essa parte
debaixo que sobrou é toda original. Infelizmente, não vai durar muito tempo,
porque a proprietária pretende fazer uma ampla reforma”, revela Wagner.
Já a Fazenda
de Floro Bartolomeu, primeiro ponto visitado por Lampião em Juazeiro, é a sede
do Orfanato Jesus Maria e José, localizado na Rua Coronel Antônio Pereira, 64,
esquina com Avenida Padre Cícero, também no Centro. Apesar de algumas mudanças,
o prédio se assemelha em muito ao original, edificado no início do século passado.
Candeeiro
alertou para o perigo do esconderijo
Candeeiro
conheceu Lampião por meio de outro cangaceiro, o Jararaca, a quem atribuiu a
fama de ser um cachaceiro. - (Foto: Cid
Barbosa) -
Buíque
(PE). Candeeiro, o último cangaceiro vivo, entre os que se encontravam
junto a Lampião no fatídico 28 de julho de 1938, quando o bando do “Rei do
Cangaço” foi dizimado, no sertão de Sergipe, concedeu sua última entrevista ao
Diário do Nordeste, em agosto de 2011, aos 95 anos. Dois anos depois, no dia 24
de julho de 2013, morreu, no Hospital Memorial de Arcoverde (PE), após um
derrame cerebral.
A derradeira
entrevista foi concedida em sua casa, na localidade de Guanumbi, distrito de
Buíque (PE), município distante 258 Km de Recife. Mesmo com 95 anos, após um
Acidente Vascular Cerebral (AVC) sofrido em 2010, Candeeiro se mostrava lúcido
e contou com detalhes suas aventuras e desventuras nos dois anos que passou ao
lado de Lampião, descrito como “homem bom, que conversava com todos, mas se
zangava facilmente” e de Maria Bonita, a quem reputa como “uma
mulher mal criada”.
“Capitão, isso
aqui não é lugar seguro para a gente ficar”. Essa advertência foi feita há 80
anos, por Manuel Dantas Loyola, o Candeeiro, ao seu chefe, Virgulino Ferreira
da Silva, três dias antes da volante comandada pelo tenente João Bezerra
invadir o acampamento do bando mais procurado do Brasil, numa gruta em Angicos
(SE), e trucidar onze de seus componentes.
Sobre o
episódio de Angicos, Maria Bonita e a cangaceira Sila, na véspera do ocorrido,
segundo Candeeiro, também alertaram Lampião. “Elas viram um ponto de luz em
cima de um morro, o que podia representar a presença dos macacos”. Mais uma
vez, o Rei do Cangaço desdenhou da informação. “Que lanterna que nada. São
apenas vaga-lumes”, retrucou bastante zangado. O resultado foi o ataque.
“Deram uma
rajada de metralhadora que pegou numa pedra debaixo dos meus pés. A minha sorte
é que o sargento errou. Nesse instante, pensei: isso aqui não dá mais para mim.
Consegui furar o primeiro cerco ileso. Porém, tinha outra volante esperando
mais à frente. Atirei no meio dos macacos – como eram chamados os policiais à
época – e, mesmo ferido, escapei”, conta. A fuga, no entanto, lhe marcou
eternamente, não só pela lembrança, mas pela marca física deixada pelo tiro que
dilacerou o seu braço direito, que passou por duas cirurgias para ser
reconstituído.
“Logo após
fugir, encontrei um rebanho pelo caminho e, ferido, entreguei o mosquetão
novinho que Lampião havia me dado a uma mulher. Quando levei o tiro, talvez
pelo susto, não senti muita dor. Mas, quando olhei os ossos em banda, bateu a
maior tristeza desse mundo”. Seu Né frisou que uma coisa lhe deixou intrigado:
os cangaceiros criavam cachorros para acompanhá-los nas andanças e denunciar a
presença de pessoas estranhas. “Não sabemos o que houve. Os cães não se
manifestaram ante a presença das volantes. E é porque tinha cerca de 50
soldados”.
Manuel Dantas
saiu de casa cedo. Foi depois de levar uma surra da mãe que decidiu fugir.
“Tinha de 15 para 16 anos. Era garoto muito perigoso”, relata aos risos. “Meu
pai era carpinteiro e ferreiro e fez uma palmatória de cedro pesado. Um dia,
minha mãe me deu, aqui mesmo nessa sala, uma pisa tão grande que quebrou a
palmatória na minha cabeça. Aí ganhei o mundo”.
Cachaceiro
Depois de
trabalhar seis anos no sertão pernambucano, foi para Alagoas. Trabalhou como
vaqueiro em Matinha de Água Branca (hoje, Município de Água Branca). O dono da
fazenda era um coiteiro e a Polícia descobriu. Ele fugiu para o Ceará. “Eu
preferi ficar. Foi aí que conheci o cangaceiro Jararaca, um tremendo
cachaceiro, que pegava uma garrafa de Pitu, colocava no colo e bebia. Passei
dois meses na sua companhia, o suficiente para levar um tiro na perna. Até que
Lampião nos encontrou e disse que eu iria ficar com ele, “pois esse nego não
tem futuro, é um cachaceiro safado”.
Seu Né foi
casado com dona Lindinalva, 85, e deixou cinco filhos: Elisa, Elisabete,
Cristina, Manuel e Apolônio. Depois que saiu da prisão, rodou o Brasil. Esteve
em Manaus, onde foi seringueiro e soldado da borracha. Passou por todas as
capitais brasileiras, exceto o Rio Grande do Sul, além de ter participado da
construção de Brasília. Levou uma vida de aventuras.
"Adendo: blogdomendesemendes
Um excelente trabalho, mas qual teria sido o cangaceiro Jararaca o 1, 2, 3... que fez com que Candeeiro conhecesse Lampião? O cangaceiro Jararaca José Leite de Santa foi assassinado em Mossoró em junho do ano de 1927. Candeeiro entrou para o cangaço em 1936. Não há como ter sido o Jararaca que foi assassinado em Mossoró."
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