Por José
Mendes Pereira
Sou
serralheiro e serralheiro precisa de muitas peças metálicas que poderão ser
aproveitadas. Ao amanhecer do dia, pela manhã, bem cedinho, do quintal da minha
oficina um sujeito me chama, dizendo-me que tem ferragens para vender. Saí para
atender. Era um senhor moreno, baixo, meio tísico, barba e bigode ralos, sujo,
sentado quase em cima de um dos cabeçotes da sua carroça, e sobre o lastro
dela, uma porção de peças metálicas para reciclagem, e mais outras coisas que
não eram metálicas e nem me interessavam.
De cima da
carroça o ainda não tão velho homem me diz que tinha uma porção de coisas que
eu poderia gostar de uma, duas ou mais peças, algo que com certeza, se eu as
compasse, serviriam para aproveitar na serralheria.
Vou até a
carroça para verificar o que o velho barbudo levava de tão importante para a
minha oficina. Revirando os ferros velhos vi que o velho não estava tentando me
enganar, algumas peças eu as aproveitaria para minhas idéias no meio ofício de
serralheiro. Entramos em negócio. O velho me diz o preço das peças que eu as
separei. Um valor mínimo, porque ferro velho só quem ganha mesmo é o comprador
que tem sucata. Cada peça quando entra na sua sucata vira ouro, e ouro de
primeira linhagem, ouro do maior Quilate, de valor altíssimo e bom para ele
vender.
Preço
confirmado passo-lhe o valor em cédulas. O velho inicia carregando para dentro
da minha oficina o que eu tinha comprado. Não foram muitos, mas as poucas peças
metálicas que as paguei, iriam me garantir um bom lucro. Todas aproveitáveis.
O velho estava
transportando a minha mercadoria para dentro da oficina e enquanto ele fazia
este trabalho eu resolvo mexer mais um pouco nas peças velhas do velho. E lá em
baixo vejo uma lata bastante enferrujada que antes servia para guardar filmes
antigos de faroestes. Vi mais outra, mais outra..., e aos poucos, vou
retirando uma por uma, e vi que ali eram 4 latas que guardavam filmes antigos
mesmo, talvez 30, 40, 50 anos passados ou mais.
Eu não tive
interesse de saber qual película de filme estaria ali dentro, mas tinha rolos
de fitas cinematográficas. Temendo que o velho desistisse da venda daquelas
latas já fui logo pagando-lhe uma boa grana. O velho embolsou o dinheiro e foi
embora. Levo as latas redondas para dentro da oficina e tentei abrir uma das
delas. Vi fitas de filmes já meio estragadas as partes laterias do possível
longa-metragem.
Ao meio dia
vou para casa fazer almoço. E antes do amoço, faço projetores manuais, do tipo
dos antigos que nós alunos fazíamos quando residíamos na instituição de
menores. Com uma lâmpada incandescente furada na parte que enrosca ao suporte,
enchi com água para formar grau. Levei ao projetor improvisado e comecei rodar
o filme manualmente. E lá, estava muitas partes do filme que o Benjamin Abraão
fez com Lampião e seus comandados entre 1936 e 1937.
Não tive mais
dúvida. O filme estava completo. Vi cangaceiros correndo atrás de reses para
levá-las ao abate no meio da caatinga, carregando água para o coito em jarras
de barro, treinando para os combates, e vi cangaceiros sentados com a tristeza
estampada nos seus rostos por terem escolhido aquela vida de inferno.
Vi
Benjamin Abraão bebendo água em um cantil, e o vi conversando com Lampião. Vi
Maria Bonita manuseando uma máquina de costura, mas não deu para ver o que ela
costurava, e a vi servindo água para Lampião, Benjamin e Luiz Pedro. Vi Maria
Bonita se preparando para brilhar dentro daquelas matas que escondiam as maldades
dos cangaceiros.
Vi Lampião rezando o ofício do dia para os cangaceiros e vi
Lampião almoçando, fazendo raposa e levando para a boca com a mão sem usar
colher. Vi Moreno e Durvinha dançando o baile perfumado.
Durvinha e Moreno
Vi Luiz Pedro e Nenê
do Ouro se abraçando. Vi Dadá dando bronca no jovem cangaceiro Corisco. Vi
Inacinha e Gato de mãos dadas. Vi o cangaceiro Pancada discutindo com a sua
Maria, porque ela arrastava uma das suas asas para um cangaceiro jovem. Vi o
pássaro humano Juriti ao lado do seu comandado com jeito de segurança.
Coiteiro, Juriti e Lampião
Vi
Lampião pagando propina a um coiteiro. Vi Maria Bonita moldando uma calcinha
sua para depois costurá-la. Vi Cristina traindo o seu companheiro Português com
o cangaceiro Gitirana, mas não vi a Lili e nem a Lídia que traíra o seu
companheiro Zé Baiano com o cangaceiro Bem-Te-Vi.
Colorida pelo professor e pesquisador do cangaço Rubens Antonio
Depois de tudo
isso fui até ao computador para informar a todos os escritores, pesquisadores
estudiosos do cangaço e curiosos, que finalmente, eu havia encontrado uma
película do filme de Lampião feito pelo sírio-libanês Benjamin Abraão Botto...
E depois de alguns minutos que se passara, vi que tudo não passava da minha
mente que estava delirando, porque eu havia tomado uma porção de vodka na noite
anterior, me deixando totalmente embriagado e sonolento. Era apenas ressaca que
me fazia ver o firme de Lampião, pelo menos misturado no meio da sonolência.
Mas ainda há
de aparecer película de filme do famoso Lampião gravado pelo Benjamin Abraão
Botto. Todos têm o direitos de sonhar talvez o possível.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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