*Rangel Alves da Costa
O céu da andorinha é um céu poético, mas talvez também triste. Seu voo, sempre muito e sempre intenso, mais parece uma fuga de alguma realidade. Ou mesmo que o seu voo festivo esconda uma ânsia de liberdade.
Dizem que uma andorinha sozinha não faz verão. Mas ledo engano pensar assim. A mais sozinha das andorinhas faz não só seu verão como sua primavera, seu outono, seu inverno.
Dizem também que ela só alça voa em dias de tempo bom, quando é avistada festiva pelos ares. Contudo, outro erro pensar assim. Ela se desloca em qualquer tempo e por todo lugar.
A andorinha gosta tanto de voar que passa quase o dia inteiro indo de canto a outro, pousando em fios, em estacas, em varais, no telhado, faz frestas das cumeeiras. Logo se tem que ela não é de apenas uma estação.
Andorinha também gosta de voar dentro e ao redor das igrejas, gosta de fazer ninho à vista de todos, gosta de estar presente em meio à população. Contudo, gosta muito mais de ficar sozinha numa lonjura qualquer.
E por que se diz que uma andorinha sozinha não faz verão? Simplesmente para dizer que é na época quente do verão que andorinhas são mais avistadas voejantes e festivas pelos espaços. Apenas uma andorinha não traduz a existência do tempo ensolarado.
Ou ainda para dizer que a junção de andorinhas demonstra a existência de um tempo aberto, ensolarado, propício ao voo e modificando e embelezando a paisagem. Igualmente com relação ao homem. A sua junção já demonstra uma feição diferenciada no tempo.
Comumente se diz que uma andorinha sozinha não faz verão numa alusão à impossibilidade de se fazer muita coisa agindo sem a comunhão de outras pessoas. Somente provoca o verão, ou a mudança ou a transformação, quando pessoas se unem num mesmo objetivo.
Creio, contudo, que não seja assim. Conforme referido inicialmente, a mais solitária das andorinhas faz não só seu verão como sua primavera, seu outono, seu inverno. Ademais, como os humanos, nem sempre se pode esperar muita coisa de outras pessoas ou andorinhas. E a ação solitária produz efeitos.
Ademais, o termo verão utilizado, tão calorento e abrasador no nosso hemisfério, pode muito bem se referir aos horizontes ensolarados que desejamos para nossas vidas. Sonhos que são sóis em flor, esperanças que se afeiçoam a girassóis, planos que brilham ardentemente nos nossos pensamentos.
Assim, se uma andorinha sozinha pode alçar o seu voo e fazer sua luta, se uma solitária andorinha pode muito bem correr atrás daquilo que tanto deseja para o seu dia, então logo se tem que o homem possui as mesmas asas para fazer o seu verão, ainda que solitariamente agindo.
Tudo nascendo de uma questão de querer, de desejo, de luta, de não se curvar perante as dificuldades impostas pela estação. Se é primavera, mas se deseja um verão, então que se busque a transformação através do voo. E o voo é o sonho, é o desejo, é a esperança. Somente voando é possível alcançar os verões e os novos horizontes.
Num mundo das realizações, nunca espere encontrar um bando de andorinha pelos céus. Aquela que estiver sozinha certamente poderá realizar o que a milhões será impossível. Em cima do arvoredo, quieta, silenciosa, parecendo entristecida, mas apenas alimentando seus planos de conquista.
Jamais se pode duvidar da força do ato solitário. Está no compromisso o passo para a ação. A solidão não é frágil nem é carente. A solidão não está desprovida de força nem de coragem para agir. A solidão é apenas um ato de construção daquilo que a força do íntimo será capaz de fazer.
Assim nascem os verões. Não por meio de bandos ou revoadas de andorinhas. Mas através de uma andorinha sozinha. Ora, ela possui seu voo, ela pode voar.
Escritor
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