Por Benedito Vasconcelos Mendes
O acesso à Fazenda Aracati era pela BR-222, que passa a três quilômetros
de distância da referida fazenda. Até o final da década de 1960, o trecho da BR 222 entre Sobral e Fortaleza ainda estava sendo asfaltado. Geralmente, a nossa
família fazia a viagem para a Fazenda Aracati de Jeep Willys, pela BR-222. No
final da década de 1950, meu pai, Francisco Milton Mendes, repetindo o que fazia
todos os anos, tirou férias do Banco do Brasil, onde trabalhava, e foi passar a
Semana Santa na Fazenda Aracati, de propriedade de seu pai, José Cândido
Mendes. Era um ano de muita chuva e a estrada carroçavel federal, BR-222,
apresentava diversos pontos de atoleiro e estava muito esburacada. Meu pai não
quis se arriscar viajar por esta estrada e resolveu ir de trem da RVC - Rede de
Viação Cearense (depois Rede Ferroviária Federal - RFFSA) até a cidade de
Miraíma, distante 25 quilômetros da Fazenda Aracati. Minhas três irmãs mais
novas ficaram em Sobral e a viagem foi feita por meu pai, minha mãe, minha irmã
mais velha, Lourdes, e eu. Pegamos o Trem Maria Fumaça (Locomotiva a Vapor)
na Estação Ferroviária de Sobral, no sentido Fortaleza. A primeira parada do
trem foi em Caioca, Distrito de Sobral, onde vendedores ambulantes ofereciam,
aos passageiros do trem, milho verde assado e milho verde cozido. A segunda
parada foi na Estação Ferroviária de Miraíma, onde comerciantes ofereciam para
venda piaba assada com farinha de mandioca e outros alimentos. Em Miraíma,
localiza-se o Açude São Pedro da Timbaúba, daí a existência de muito peixe, para
vender aos passageiros do trem. Além de peixe, eram vendidos sanduíche de
queijo de coalho, bolo de milho e doce de leite em massa, acondicionado em
pacotinhos de papel celofane transparente. A chegada do trem na estação era
uma festa. Toda a população da cidade ia ver o trem passar ou vender piaba
assada, milho verde assado, milho verde cozido, bolo de milho e doce de leite, aos
passageiros do trem.
No trajeto de Sobral a Miraíma, meu pai me levou ao carro-restaurante do
trem, onde tomamos guaraná champanhe com biscoito Maria. Para mim, a
viagem foi muito divertida. Tudo era novidade. Da janela do trem se observava as
serras e a paisagem verde, florida e viçosa da caatinga, em pleno período
chuvoso. Eu achei interessante a presença de três vagões boiadeiros, carregados
com gado, que ia para o abatedouro de Fortaleza, engatados no final da
composição do trem de passageiros. Composição com vagões boiadeiros
geralmente é puxada por trem de carga e não por trem de passageiros. É que o
trem de carga descarrilhou próximo à Sobral e os vagões carregados com
bovinos não podiam esperar que recolocasse o trem nos trilhos, já que os
animais necessitavam chegar ao seu destino o quanto antes, para comer e beber.
A solução foi atrelar ao trem de passageiros, os três vagões carregados com
animais.
Andar no trem em movimento era uma aventura, devido aos fortes
solavancos e ao barulho característicos do trem. Eu e minha irmã atravessamos,
por diversas vezes, os vagões que separavam o vagão onde viajávamos do vagão restaurante, pelo simples prazer de caminhar no interior do trem em
movimento. Quando a Maria Fumaça apitava, todos os passageiros olhavam pela
janela, para saber o motivo do apito. Além da máquina a vapor, que puxava o
comboio, tinha mais dez vagões, seis de passageiros, um que servia de
restaurante e três vagões de carga, carregados de bovinos. Eu achei muito
interessante o abastecimento de lenha, para queimar na caldeira e de água, para
gerar vapor, responsável pela propulsão do trem. A lenha e a água foram
fornecidas na estação de Miraíma.
Esta foi a minha primeira viagem de trem. Depois, quando meu pai foi
transferido para a Agência do Banco do Brasil na cidade de Ipu, fiz muitas
viagens de trem de Sobral para Ipu e vice-versa. Neste tempo, boa quantidade
das locomotivas que puxavam trem já eram a óleo diesel, sendo poucas as
locomotivas a vapor usadas para tracionar trens de passageiros, pois elas eram
mais usadas para puxar as composições de carga.
Descemos do trem em Miraíma e montamos nos cavalos que meu avô
tinha mandado para nos levar até sua fazenda. A viagem de 25 quilômetros a
cavalo foi outra aventura inesquecível. Minha mãe foi sentada de banda no silhão
da égua Lua, usada por minha avó. Naquela época, mulher não se escanchava na
sela do cavalo. Ela usava o silhão para viajar sentada de lado. Meu pai foi
montado no cavalo estrela, que era a montaria de estimação do meu avô. Eu e
minha irmã Lourdes viajamos em um só cavalo, eu na sela e ela na garupa. O
vaqueiro Sales, que trouxe as montarias para nos levar à fazenda do meu avô,
conhecia muito bem o percurso entre Miraíma e a Fazenda Aracati. Os cavalos
caminhavam em fila indiana. Na frente ia o Sales, depois meu pai, logo atrás
minha mãe e por último eu e minha irmã. O caminho era muito estreito e, como
estava chovendo, as folhas dos arbustos e árvores da caatinga nos molhavam,
quando encostávamos nas plantas. Meu pai sempre nos alertando para o perigo
do cavalo passar muito próximo de alguma planta de urtiga e nos molestar. A
viagem foi longa e cansativa, porém muito divertida. Eu achava bonito ver o gado
gordo comendo babugem, o tempo chuvoso e muito pasto cobrindo o chão.
Gostava de olhar os campos floridos, com muitos passarinhos e um chuvisco
intermitente. Eu, em vez de achar ruim, me deleitava com a chuva fina e fria. À
noite, minha mãe me agasalhou com duas camisas, para não pegar resfriado.
Enquanto os adultos ficavam, o tempo todo, se reclamando da canseira, eu e
minha irmã nos divertíamos com tudo que víamos e sentíamos na viagem.
Chegamos na Fazenda Aracati quase de madrugada, cansados, com sono e com
fome, pois a nossa comida durante a viagem a cavalo foi sanduíche de queijo com
refresco de cajá, que minha mãe tinha preparado em Sobral, antes da viagem.
Enviado pelo professor Benedito Vasconcelos Mendes
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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