Por Benedito
Vasconcelos Mendes
Uma das
valiosas peças do acervo do Museu do Sertão, da Fazenda Rancho Verde, em Mossoró, no
Rio Grande do Norte, é a Jangada Nordestina, feita de seis paus roliços de
piúba, sem uso de metais
(pregos ou parafusos), fixados somente com tarugos de madeira. Este tipo de transporte
marítimo de vela era usado em todo o litoral nordestino, principalmente, no
Litoral Semiárido,
onde a caatinga avança até a beira da praia (aqui não existe a frondosa Mata
Atlântica, em a Região
Agreste). Este litoral de chuvas reduzidas e irregulares no tempo e no espaço,
de pouca
nebulosidade, de ventos constantes, de baixa umidade relativa do ar, de
elevadíssima insolação e
alta evaporação, por situar-se próximo à Linha Equatorial, é também conhecido
por Litoral
Salineiro, pois daí saem 97% do sal marinho produzido no Brasil. Nos Séculos
XVIII e XIX, esta única
faixa litorânea seca do Brasil, que vai do Cabo de São Roque, no Rio Grande do
Norte (nos arredores
da cidade de Touros-RN), e se prolonga até o Delta do Rio Parnaíba, entre as
cidades piauienses de
Parnaíba e Luíz Correia, era chamada de Litoral Pecuário, porque aí estavam
situadas as famosas
oficinas de carne de charque, nas fozes dos rios intermitentes Jaguaribe,
Acaraú e Coreaú, no
Ceará, e dos rios norte-rio-grandenses Apodi/Mossoró e Piranhas/Assu e do Rio Parnaíba, que
é um rio perene. Deste litoral saía carne de charque (conhecida também como
carne do Ceará,
jabá, carne seca ou carne do sol) para abastecer as usinas de açúcar de Olinda,
Recife e Salvador e os
garimpos da Chapada Diamantina na Bahia, de Goiás, Minas Gerais e de Mato Grosso.
Aracati carneava de 20 a 25 mil bois por ano e Parnaíba (segunda cidade
produtora de charque)
chegou a exportar anualmente 1.800 toneladas de charque para várias regiões do
Brasil e até para
Portugal. A indústria saladeiril foi de grande importância econômica para estas
cidades localizadas
próximas às fozes dos rios, como as cidades cearenses de Aracati, Coreaú,
Granja, Camocim e
Sobral; Parnaíba, no Piauí, e Mossoró e Açú no Rio Grande do Norte.
Este litoral
semiárido além de possuir as condições climáticas favoráveis à produção de sal marinho, tinha
também vegetação tipo caatinga (rica em forrageiras de baixo porte e, sendo uma cobertura
vegetal rala, aberta, permitia a criação de gado); tinha sal para salgar a
carne; água doce nos rios e
porto de onde partiam as sumacas, transportando o charque. Duas secas,
praticamente, exterminaram o rebanho bovino da região semiárida e, em consequência,
acabaram as oficinas de processamento de carne de charque no Nordeste
brasileiro (os dois anos
de seca (1777-1778) e a seca de quatro anos (1790-1793)). O aracatiense José
Pinto Martins,
fugindo das secas do Nordeste, foi em 1780 para a foz do Rio Pelotas, no Rio
Grande do Sul, e
estabeleceu a indústria saladeiril naquele estado sulino, o que deu origem a
cidade de Pelotas-RS.
A jangada
também protagonizou a aventura da inesquecível “Raid da Jangada São Pedro”, quando quatro
jangadeiros-pescadores, da praia do Mucuripe, da cidade de Fortaleza, no Ceará, conhecidos
como Jacaré (Manoel Olímpio Meira), Tatá (Raimundo Correia Lima), Mané Preto (Manoel
Pereira da Silva) e Mestre Jerônimo (Jerônimo André de Souza) viajaram quase
três mil quilômetros
até o Rio de Janeiro em uma frágil e tosca jangada de seis paus roliços de
piúba, sem nenhum
equipamento de comunicação e navegação (rádio, bússola, cartas náuticas, GPS ou
outro equipamento de
orientação e segurança), orientando-se apenas pelo brilho das estrelas durante
a noite e
enfrentando o perigo das calmarias, tempestades e da presença de tubarões.
Viajaram durante 61
dias até a Baía de Guanabara, onde aportaram no dia 15 de novembro de 1941 e
foram recebidos como
heróis pelo povo, pela imprensa e pelo Presidente da República, Getúlio
Dornelles Vargas.
Outro
jangadeiro cearense que fez história foi Dragão do Mar (Francisco José do Nascimento),
natural da vila de Canoa Quebrada (Aracati-CE), que liderou em 1881 a primeira greve de
jangadeiros do Brasil, quando os grevistas impediram o embarque de negros
escravos do Porto do
Mucuripe para as fazendas de café de São Paulo e do Rio de Janeiro. É que
naquela época ainda não
existia porto para embarque e desembarque, ficando o vapor (navio) distante da
praia, necessitando
que os passageiros e as cargas fossem levadas até o navio de jangada.
Pelo seu destemor,
espírito de liderança e vontade de ver seus irmãos negros livre da escravidão,
Dragão do Mar tornou-se
consagrado abolicionista. Em 1884, ele foi ao Rio de Janeiro receber a Medalha
de Ouro da
Sociedade Abolicionista e nesta ocasião foi recebido pelo Imperador Dom Pedro
II, oportunidade
em que fez a doação ao Museu Nacional de uma jangada que ele batizou de “Liberdade”,
em demonstração da luta do povo cearense em prol da Abolição da escravatura.
O litoral
brasileiro, do Amapá ao Rio Grande do Sul, é úmido, com exceção desta pequena
faixa litorânea, que
se extende do Cabo de São Roque ao Delta do Parnaíba, que é seco e é denominado de Litoral
Semiárido, Litoral Salineiro, Litoral Turístico, Litoral Camaroneiro (devido
aos recentes cultivos de
camarão) e, no passado, foi também conhecido por Litoral das Jangadas e por
Litoral Pecuário (em
virtude da criação de gado, para a produção de carne de charque).
Atualmente, as
jangadas usadas pelos pescadores não são mais de paus roliços de piúba e sim de isopor
revestido por tábuas de madeira.
Enviado pelo autor
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