Por João Costa
Acossado pelos homens da lei de Pernambuco por matar ladrões de animais quando exercia a função de subdelegado, Clementino José Furtado, o Clementino Quelé, à frente de irmãos e outros parentes se associou ao bando de Virgulino Ferreira, tornando-se, entre os anos de 1922 e 23, um chefe de subgrupo por contar com extrema confiança de Lampião em decorrência de sua capacidade de liderar, planejar e combater.
Mas foi por pouco tempo. Por conta de um desentendimento sério com o cangaceiro Meia Noite, outro chefe de subgrupo, que não aceitara no bando a presença de um desafeto seu, chamado Terto Barbosa, bandoleiro intimamente ligado a Quelé e que se apresentaria no bando a convite deste.
- Se esse Terto aparecer por aqui eu mato! Foi o aviso claro de Meia Noite, dado tête-à-tête a Clementino.
Quelé sobe o tom de voz, argumenta que Terto é de sua inteira confiança, disposto e valente e que seria de muita serventia ao bando; ainda assim Meia Noite não cedeu, o clima azedou, a turma do “deixa disso, aquieta e arreda” interveio e os ânimos se acalmaram.
Mas bastou Clementino se ausentar do coito para tratar de outros assuntos, eis que Terto Barbosa e um irmão se apresentam para o ingresso no bando a serviço de Clementino.
Meia Noite entendeu a chegada dos irmãos como desaforo, saca de suas armas para matar os dois irmãos, mas é demovido pelos demais cangaceiros. O clima está nessa tensão momento em que Clementino retorna ao coito e é informado do sucedido, fica uma fera e chama Meia Noite para briga.
Clementino saltou no terreiro já insultando Meia Noite de palavrões.
- E se você for homem puxe das armas, e se você, negro safado, está confiante no seu chefe, pode vir os dois pois não tenho medo de homem nenhum nesse mundo de meu Deus!
De novo o “aquieta e arreda” para acalmar as duas feras. Não há como conciliar mais interesses comuns; Clementino deixa o bando de Lampião e passa a ser tratado como inimigo; nos meses seguintes Quelé sentirá na pele o ônus de ter virado inimigo figadal de Virgulino.
Quelé
A recíproca também seria verdadeira.
Numa manhã de janeiro de 1924 Quelé é despertado com a casa cercada por um bando de sessenta cangaceiros e não demorou muito para o “Tamanduá Vermelho” – este era o apelido de Clementino dado pelo próprio Lampião – reconhecer pela brecha da porta seus agora arqui-inimigos Meia Noite e Virgulino Ferreira, além de outros celerados como Antônio Mariano, Félix, José Paulo e Luiz Pedro.
Em meio ao tiroteio pesado Lampião se faz ouvir.
- Vou colocar a casa abaixo e tudo que estiver de pé, anda ou rasteja, hoje vai morrer sem ter pra quem apelar.
- Não se faça de rogado, Virgulino. Se derrubar e entrar, a gente mata na faca, foi a resposta de Quelé.
Cerca duas horas de tiroteio cerrado, a volante do sargento Higino Belarmino aparece em socorro de Quelé, botando o bando de Lampião em fuga.
Enquanto Lampião escapa em direção ao seu coito seguro no Saco dos Caçulas, em Patos do Irerê(PB), Clementino chora a morte do irmão Pedro Quelé ao tempo em que trata dos feridos e organiza uma força paramilitar formada por irmãos, parentes e agregados, para caçar, combater e dar cabo de Virgulino.
- A vingança é minha e descanso eu não tenho até sangrar esse cego miserável, é o mantra repetido por Quelé por onde passa ao longo da divisa de Pernambuco e Paraíba.
Lampião segue sua jornada de saques e incêndios nas cercanias de Triunfo e Flores(PE) ora transitando pelas regiões de Princesa e Conceição para se esconder no lado paraibano, ora escalando as cercanias da Serra do Catolé, tendo como visão a monumental Pedra Bonita, ou do Reino, em São José do Belmonte.
No seu encalço tropas pernambucanas despachadas pelo major Teófanes Torres em combinação com as volantes paraibanas, incluindo os paramilitares de Quelé não dão sossego.
Nas imediações do sítio Jordão, lado pernambucano próximo a Serra do Catolé, Virgulino se depara com essa coalização de volantes, o tiroteio é infernal e, no calor do combate, um tiro de fuzil atinge Lampião e sua montaria.
Lampião ferido no pé fica preso ao animal no chão, em seu socorro vem o cangaceiro Juriti (o primeiro), que abre uma linha de tiro; descargas de fuzis recrudescem, Virgulino se desvencilha do animal e ganha a caatinga se arrastando.
Na Serra do Catolé Virgulino é amparado em coito seguro de um tal José Menezes à espera de tratamento, que chega pelas mãos do cangaceiro Cícero Costa, espécie de curandeiro e enfermeiro do bando.
Mas Clementino está na área e não dá sossego nas diligências, vasculha moita por moita, sítio por sítio, grota por grota, bota pressão em possíveis coiteiros; o acocho é grande e Lampião localizado, mais uma vez.
Mas a hora de Virgulino não havia chegado. Novo cerco, novo tiroteio, e Lampião escapa inexplicavelmente tendo o ferimento no pé se rompido.
O jeito foi voltar para o Saco dos Casulas, onde Marcolino Diniz providencia tratamento médico adequado.
Sem a mesma sorte de Virgulino, o cangaceiro Lavandeira, que durante os tiroteios esbravejava que só ele valia por dez soldados paraibanos, é capturado e o mesmo calvário enfrenta Cícero Costa.
Clementino Quelé sangrou os dois, impiedosamente.
Acesse: Blogdojoaocosta.com.br
Baseado nos livros; “Lampião na Paraíba – Notas para a História, de Sérgio Augusto de Souza Dantas.
Lampião: a raposa das caatingas, de José Bezerra Lima Irmão
E artigos do historiador José Tavares
Foto1. Serra do Catolé e sua Pedra do Reino. F2. Clementino Quelé. F3. Lampião.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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