Por João Costa
A capacidade de Virgulino Ferreira, Lampião, em aglutinar sob seu comando era notável e foi o que aconteceu para o ataque a Mossoró, em junho de 1927; nada menos de cinco subgrupos independentes de cangaceiros estavam sob suas ordens: Jararaca se associou com seus cabras, os chefes de bandos Sabino Gomes e Massilon Leite também se apresentaram porque a promessa de butim era tentadora.
A começar pelo ultimato que Lampião deu a cidade exigindo 400 contos de réis, um valor pelo menos dez vezes superior ao que costumava exigir em situações semelhantes de extorsão.
À frente de uma tropa estimada em 53 cangaceiros, Lampião não contava que à sua espera estavam 150 homens em armas, e inocentes fogos de artifícios em homenagem a Santo Antônio se confundiram com o pipocar intermitente de tiros de fuzis e rifles que partiam de todos os lados.
As baixas logo ocorreram e Lampião não teve outra alternativa ao não ser ordenar a retirada, e esse fracassado ataque seguido de uma debandada atabalhoada se refletiu imediatamente na psicologia do bando por conta do esfacelamento, das deserções e desentendimentos entre Virgulino e seus lugares-tenentes.
Na rota de fuga de volta ao Ceará, Lampião enfrentou o declínio de sua liderança devido ao salve-se quem puder.
Casca Grossa, Cansanção , Bronzeado e Balão; Gengibre, Coqueiro, José Coco, José Roque, Lua Branca e Luiz Santino; Massilon Leite ( um dos articuladores do ataque), Mormaço, Pinga Fogo e Pontaria; Rouxinol, Tenente, Relâmpago e Vinte-Dois não escondem insatisfação com o fracasso.
Haviam sido deixados para trás Colchete, morto com um tiro no olho e Jararaca, varado com um balaço de fuzil no pulmão, cavou a própria cova antes de ser executado pela Polícia. Na conta das baixas, Virgulino incluiu Azulão, morto em uma refrega, antes do ataque.
Lampião e seus lugares-tenentes não se entendem. Massilon já havia tomado outro rumo, e Sabino da Abóboras encara duramente o chefe e comunica sua decisão de não mais acompanha-lo e que quer permanecer independente.
- Sem queixas e sem arrependimento, estou tomando outro rumo e vamos ver Deus por quem é, no futuro e em outra oportunidade, estarei aqui, pronto para ajudar o chefe, comunicou Sabino Gomes.
Após o debacle do ataque a Mossoró, Virgulino reagrupa seu bando, deixa o Rio Grande do Norte e mergulha, de novo, no Cariri Cearense rumo ao Pajeú pernambucano.
Longe desses acontecimentos, no Recife, a cúpula da segurança pública, chega ao consenso de que é hora de enfrentamento real a Lampião e desbaratamento de sua rede de sustentabilidade formada por coronéis e roceiros coiteiros que são presos, outros intimados e o acocho da polícia é grande.
O governo bota pressão, delegados e juízes são afastados de suas comarcas, coronéis e chefes políticos, conselheiros (hoje vereadores) de Vila Bela, Custódia e arredores enfrentam dissabores. Até o famoso coronel Anjo da Gia é preso e recambiado para Recife.
Sem mais nem menos, do nada, a polícia prende nos domínios do padre Cícero, o tropeiro João Ferreira dos Santos, irmão de Lampião, e imediatamente o transfere para a Casa de Detenção, no Recife.
Nada de interrogatório, nem muito menos espancamento. O irmão pacífico de Lampião enfrenta uma maratona de reuniões secretas com a chefia militar do governo de Pernambuco. Na pauta o ultimato:
Lampião se renderia e, em troca, receberia garantia de vida. Sem alarido; nada de documento assinado e João Ferreira, o irmão pacífico que recebera a missão de cuidar das irmãs e demais parentes; todos da família Ferreira, seriam deixados em Paz.
Com esse ultimato dado pelo governo de Pernambuco, João Ferreira deixa a prisão e, discretamente como sempre se comportara, desaparece no oco do mundo, para em algum momento em lugar incerto e não sabido, encontrar-se e informar ao irmão Virgulino a “oferta irrecusável” feita pelas autoridades em Recife.
Por seu lado, Lampião enfrenta seus piores revezes. Na fazenda da Piçarra, seu velho aliado, o cangaceiro de muitas jornadas e lugar-tenente Sabino Gomes é morto pela voante do tenente Arlindo Rocha. O “Rei do Cangaço” também não conta mais com o assessoramento de Antônio e Livino Ferreira, tombados em combates.
Não se tem conhecimento se João transmitiu esse ultimato a Virgulino. Mas se sabe que um primo de Lampião por parte de mãe, de nome Sebastião Paulo Lopes, Sebasto, o encontrou para tratar do assunto.
É nesse contexto e por esse tempo que o tenente Arlindo Rocha, à frente de uma tropa de 60 homens, já falando e comendo com dificuldade por conta de um balaço sofrido em combate com Lampião, por volta de 1928, chega ao município de Águas Belas com a “missão secreta do chefe de polícia” e ao lado dele sob custódia, estava Sebastião Lopes.
E caberia a Sebasto ser o portador, mas uma vez, do ultimato. Após dias de viagens secretas por fazendas e vilas, Sebasto chega à fazenda União, em Meirús, distrito de Pão de Açúcar, onde encontra o primo Lampião.
Depois do boas-vindas, goles de cachaça e troca de amabilidades, Lampião vai direto ao ponto.
- Já estava informado de que você estava vindo em meu socorro, o que sucede?” Perguntou Lampião ao primo.
- A oferta é irrecusável, Virgulino. Você tem a opção de baixar as armas e se render ou terá que deixar Pernambuco, disse Sebasto.
- Você não está vendo que ainda não nasceu macaco para me levar preso para Cadeia Nova, em Recife! Pra não piorar a situação, primo Sebasto, volte e diga que não me encontrou”, respondeu Lampião.
Mas Sebasto não se dá por satisfeito ou vencido.
- Você é besta, Virgulino? Pondere bem sua resposta, reflita bem.
Na manhã seguinte, Sebasto levanta acampamento e ouve de Lampião uma resposta enigmática.
- Vou pensar na segunda proposta, mas não prometo nada”.
Sem dizer “sim” nem muito menos “não” ao ultimato e à “oferta” feita pelo governo de Pernambuco, o fato é que Lampião deixou para trás o Cariri Cearense, o Sertão do Pajeú e sua retaguarda de sossego nos coitos do Sertão paraibano, atravessou o rio São Francisco e para começar nova cavalgada de razias e violência na Bahia.
Acesse: blogdojoaocosta.com.br
Fonte: Apagando o Lampião – Vida e Morte do reio de Cangaço, de Frederico Pernambucano de Mello.
Lampião – A Raposa das Caatingas, de José Bezerra Lima Irmão.
Foto. Lampião e pequeno bando chega a Bahia.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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