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domingo, 29 de agosto de 2021

REVOLUÇÃO DE 1930: O CACHORRO VELHO, OS NAZARENOS E LAMPIÃO

Por João Costa

Tal qual Virgulino Ferreira da Silva, Lampião, o seu inimigo figadal tenente Manoel de Sousa Neto, era alto, magro, de fala mansa, não era cego de um olho, mas ligeiramente vesgo; seus camaradas da volante dos nazarenos o tratavam como Mané Fumaça; Lampião a ele se referia como Cachorro Velho – ambos pernambucanos; Virgulino, de Serra Talhada e Manoel Neto, de Nazaré do Pico.

Do tipo “linha dura”, foi um dos primeiros de Nazaré a ingressar na Polícia, em 1922; pelas suas capacidades em liderar e se mostrar aguerrido ao combater logo, em 1925, foi promovido a anspeçada; no ano seguinte chegou a cabo, em seguida ao combate da fazenda Favela, e sem se demorar muito, promovido a sargento pelo seu desempenho no combate da Serra Grande - o mais icônico de todas as batalhas lampiônicas.

Uma carreira meteórica, porque foi promovido a tenente, largando o combate ao cangaço, e é aqui que começa seu protagonismo militar porque a Revolução de 1930 colheu o tenente Manoel Neto como ajudante de ordens do governador Estácio Coimbra que, ao apoiar o lado da Revolução que perdeu, foi deposto; despachado em navio para o Rio de Janeiro levando a bordo Mané Neto, a esta altura, expulso da Polícia.

Contam que do Rio de Janeiro, o governado deposto seguiu em exílio para África, deixando para trás seus auxiliares que se recusaram a cruzar o Atlântico, entre eles Manoel Neto, que acaba enfermo, reconhecido pela polícia do governo Vargas e preso no hospital em que convalescia.

Ainda no hospital, Manoel Neto não esperou tempo ruim; na primeira brecha escapuliu, voltando para Pernambuco, onde os ânimos da Revolução de 30 haviam serenados e, consequentemente, os militares revoltosos perdoados.

A ficha do tenente Mané Fumaça na Polícia Militar de Pernambuco não era de se jogar fora. Reincorpora na tropa na condição de sargento, logo volta a ser tenente, em tratativas de caserna que o condiciona a voltar ao Sertão para combater o banditismo, especificamente o cangaço.

Do Recife, Manoel Neto segue pra Nazaré do Pico, também berço de seus familiares, onde a insegurança e ação de cangaceiros haviam deixado a população em polvorosa. O Tenente não tem muita escolha na hora do recrutamento de soldados para a polícia, formando a primeira volante nazarena com rapazes parentes entre si, incluindo garotos com 14 anos, raquíticos, jovens de mais e, supostamente, incapazes do manejo de um fuzil.

- Tenente, essa tropa que você alistou, não vejo a menor condição, e o governo não tem vacas de leite no curral pra alimentar meninos, disse o capitão João Emerson Benjamin, num ato de censura ao tenente.

- Me desculpe, capitão. Mas se um só desses garotos for rejeitado, voltam todos para Nazaré, respondeu Manoel Neto.

E assim, sem muita credibilidade do oficial, a garotada foi alistada.

O capitão Benjamin estava enganado. Aqueles garotos, maltrapilhos e raquíticos, se tornariam nos “Cabras de Nazaré”, soldados alistados ou contratados, os mais aguerridos e implacáveis de todo o cangaço, alguns rapidamente deixando de ser soldado rasos e promovidos por bravura em combates.

Reza a lenda que Manoel Neto travou mais de 30 combates contra Lampião e outros chefes de subgrupos. Desde o Combate na Serra Grande quando fora baleado, passou a andar “desengonçado”.

Contam, também, que o açodamento de Manoel Neto, era a razão de insucessos consecutivos, apesar da resiliência do tenente em reagrupar, reorganizar a força e dar prosseguimento à tenaz perseguição a Lampião.

O tenente Mané Fumaça fez carreira na Polícia ao tempo em que acumulou fortuna, segundo alguns pesquisadores. Mas manteve uma vida espartana, do tipo de pouca conversa e solteirão.

- Um homem como eu, com uma rosário de inimigos, sujeito a cair em emboscadas ou levar um tiro a qualquer instante, não pode ter mulher nem filhos, argumentava quando perguntavam porque não havia se casado, e ainda assim teve dois filhos.

O tenente Cachorro Velho, como era tratado pelos cangaceiros, não logrou êxito na sua obstinada missão de matar Lampíão, as volantes nazarenas também não.

Ninguém sabe se por maquinação do tenente João Bezerra ou artimanhas do destino, aos nazarenos restou o inusitado fato de ter emprestado uma das metralhadoras que João Bezerra usou em Angico e aos destacados chefes militares nazarenos, a indigesta tarefa de identificar os mortos em Angico.

Quando as cabeças cortadas de Lampião, Maria Bonita e nove cangaceiros chegaram em Pedra de Delmiro, lá estavam os nazarenos, sargentos Odilon Flor, Davi Jurubeba, Euclides Flor e o soldado Cirilo de Souza, incrédulos.

No alvoroço dos sertanejos diante daquele espetáculo macabro, a voz do tenente João Bezerra ecoou na multidão.

- Vão chegando três homens da Nazaré que conhecem muito bem Lampião, nasceram e se criaram juntos; eles vão mostrar destas cabeças qual é a de Lampião.

Tomados por uma emoção incontrolável e com lágrimas de frustração visíveis nos olhos, os chefes nazarenos Euclides Flor e Davi Jurubeba, inimigos implacáveis de Virgulino, atestaram a identificação.

Dali, os nazarenos foram até a Grota do Angico, onde tiveram noção da carnificina ao presenciarem o sinistro banquete dos urubus sobre os corpos esquartejados e pútridos.

Puderam compreender a conspiração entre o coiteiro Pedro de Cândido e o tenente João Bezerra, as insinuações de possível envenenamento do “Rei do Cangaço”, e o inexplicável pedido do tenente João Bezerra para que Odilon Flor lhe emprestasse a Bergman 9 mm.

- Alguns dias antes do 28 de julho, o sargento Odilon Flor emprestara a metralhadora Bergman que portava em sua volante ao tenente João Bezerra”; Odilon fez esse gesto e ficou esperando o chamado do tenente Bezerra, mas o que se viu foi tudo o contrário”, se queixou depois o nazareno.

Diante daquele cenário macabro em Angico, um soldado volante nazareno, desconfiando das circunstâncias do cerco e aniquilamento de Lampião, lembrou que certa feita, o tenente João Bezerra, propusera ao tenente Manoel Neto um plano para envenenar Lampião em conluio com coiteiros, chefes de volantes e da política.

- Sou inimigo pessoal de Lampião e ele meu inimigo, disto sabemos, porém, eu, Manoel Neto, não me presto a isto, não faço isto de modo nenhum; se pudesse pegar Virgulino no ponto do fuzil, pegaria, mas envenenado, não. Isto não faria nunca na minha vida, foi a resposta do tenente Mané Fumaça ao companheiro de farda, tenente João Bezerra, que ficou com a fama de aniquilador de Lampião e do cangaço.

Fontes: Lampião – Memórias de um Soldado de Volante, Vol II, de João Gomes de Lira.

Lampião: a raposa das Caatingas, de José Bezerra Lima Irmão.

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