O povoado
baiano de Pau de Colher, na fronteira com Pernambuco e Piauí, é dizimado por
forças policiais dos três Estados. O ataque à localidade, pertencente ao
município de Casa Nova, teve apoio do Exército.
A comunidade
era formada por sertanejos pobres, seguidores do padre Cícero e de outros
místicos que percorriam a região. Acusados de serem fanáticos religiosos
violentos e comunistas, os lavradores viviam num rígido regime determinado por
beatos, entre os quais José Senhorinho e Joaquim Bezerra — o “Quinzeiro”.
Não bebiam nem fumavam, não comiam carne nem gordura, passavam o dia rezando
pela salvação de suas almas, usavam luto pela morte do padre Cícero e tratavam
uns aos outros como irmãos. Os homens do grupo eram conhecidos como caceteiros,
pois portavam um porrete com uma cruz.
A origem de
Pau de Colher remonta à fartura da comunidade do Caldeirão de Santa Cruz do
Deserto, no Ceará, massacrada em maio de 1937. A fama do lugar onde os
sertanejos viveriam num sistema de mutirão, dividindo o que produziam de acordo
com a necessidade da cada um, corria pelo semiárido nordestino e incomodava os
poderosos da região. Pau de Colher foi o ponto de aglutinação de todos aqueles
que moravam próximos daquela tríplice fronteira e sonhavam em se mudar para
Caldeirão de Santa Cruz.
A notícia de
que o Caldeirão fora exterminado por policiais e jagunços, com o apoio de
aviões do exército, acabou com o sonho da vida farta e levou os moradores a se
preparar para o que achavam ser o fim das eras. A situação em Pau de Colher se
deteriorou. Há relatos de mortes entre os que tentaram deixar a comunidade.
As elites
rurais nordestinas ficaram alarmadas com o que acontecera no Caldeirão e não
deixariam florescer no Nordeste mais uma comunidade que afrontasse o poder dos
latifundiários e da igreja católica.
O discurso
anticomunista divulgado pelos rádios e jornais para dar sustentação ao Estado
Novo deu-lhes uma nova arma. O jornal “Diario de Pernambuco” chegou a citar o
nome do “extremista Sodré Viana”, que viveria na comunidade. Já o jornal “A
Noite”, do Rio de Janeiro, mencionou a presença de um jornalista carioca e do
médico Demóstenes Guanais.
Relatos de
ataques dos caceteiros circularam pela região, dando força à versão de que ali
vivia não uma comunidade religiosa, mas um bando de mais de 800 cangaceiros se
preparando para atacar as cidades vizinhas, destruir os poderes constituídos e
implantar o comunismo.
O “fim das
eras” começou com a chegada da polícia militar baiana, apoiada por jagunços a
serviço dos coronéis, em 10 de janeiro. Os caceteiros reagiram, e houve mortes
dos dois lados. Em seguida, foi a vez da polícia piauiense, também rechaçada
pelos caceteiros.
Mas a guerra
havia apenas começado. O tenente-coronel Maynard, comandante das forças em
operação no Vale do São Francisco, deslocou para o local batalhões do exército
locados em Aracaju e Salvador. O coronel Dantas, interventor baiano, mandou um
esquadrão motorizado e uma companhia de fuzileiros. Do Piauí, seguiu um novo
grupo de policiais militares. Pernambuco enviou 90 homens, liderados pelo
capitão Optato Gueiros, temível comandante das forças volantes de combate ao
cangaço.
Armados de
metralhadoras, os policiais pernambucanos abriram fogo, matando centenas de
homens, mulheres e crianças. Depois de 42 horas de batalha, os sobreviventes
foram caçados como animais e degolados. Há relatos de mais de 400 mortos.
Outros foram presos. Os pais perderam o direito pátrio sobre os filhos, que
foram entregues como escravos a famílias da região e da capital baiana.
Encerrados os
combates, as forças pernambucanas foram saudadas pela população de Casa Nova,
por terem comandado a destruição de Pau de Colher. O prefeito do município
chegou a oferecer um banquete em homenagem ao líder das tropas, na sede da
prefeitura.
Segundo o
“Diário de Pernambuco”, um avião de bombardeio do Exército com duas
metralhadoras partiu em 24 de janeiro para a região, com o intuito de “cooperar
na perseguição dos fanáticos”. Nele, seguiu o capitão Cordeiro Neto, secretário
de segurança do Ceará. Na volta a Fortaleza, ele declarou à imprensa que tinha
ido “verificar a guerra das fronteiras cearenses contra as incursões de
fanáticos” e que “o reduto Pau de Colher” era constituído de elementos
heterogêneos e fomentadores de perturbações sociais, que se tinham imiscuído
entre os sertanejos a fim de produzir discórdias”.
No dia 29,
Getúlio enviaria um telegrama ao interventor Dantas, felicitando-o pelo
extermínio de Pau de Colher.
No sertão,
restaria a história de duas comunidades lideradas por fanáticos e, segundo os
boatos, organizadas pelo Partido Comunista. A seca, o latifúndio, os coronéis e
seus jagunços continuariam dando as ordens na região.
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