Por Paulo Goethe
Em suas
andanças por sete estados do Nordeste, Virgulino Ferreira da Silva era manchete
constante nos jornais da região de 1920 – quando entrou para o bando de Sinhô
Pereira – até a sua morte em 28 de julho de 1938, na grota de Angicos, em
Sergipe. Até terminar seu reinado, o mais famoso bandoleiro brasileiro perdeu
muitos companheiros de lutas, homens e mulheres que certo ou tarde eram
atingidos pelas balas disparadas pelas volantes, forças policiais móveis
formadas por sertanejos iguais em tudo na vida.
O Diário de
Pernambuco, graças aos seus correspondentes em toda a região, registrou esta
luta em detalhes. Tanto que, em 30 de maio de 1935, há 81 anos, informava aos
seus leitores com destaque que Lampião havia sofrido uma grande perda em
Tacaratu, após combate com o grupo do tenente Manoel Netto. Dourado, o cão de
estimação do cangaceiro, foi varado por uma bala de fuzil disparada por um
soldado que ia ser atacado pelo animal feroz, um legítimo Boca Preta Sertanejo,
raça nordestina que já era criada pelos índios antes da chegada dos portugueses
e hoje é objeto de estudos da Embrapa.
Segundo o Diário,
Dourado “ostentava uma custosa coleira com incrustações a ouro e prata”. Amante
dos cachorros, Lampião sempre procurou ter estes animais ao seu lado. Um ano depois
da perda de Dourado, ele foi fotografado e filmado por Benjamin Abrahão, o
libanês ousado que depois virou o personagem principal do filme “O baile
perfumado”, ao lado de dois cachorros, Ligeiro (mais claro) e Guarani (mais
escuro). Os cães estavam à vontade, sendo até acariciados por Maria Bonita.
Ligeiro foi morto a bala. Quando Lampião foi emboscado em Angicos, sobre
Guarani, o único que estava com o bando de nove homens e duas mulheres, há duas
versões: foi morto junto aos cangaceiros ou adotado por um soldado da polícia
de Maceió.
Em dezembro de
1931, em um cerco no Raso da Catarina, na Bahia, Lampião já havia perdido um
cachorro atingido na barriga pelas volantes lideradas pelos oficiais do
Exército Ladislau, Liberato, Manuel Arrudas, Luís Maranhão e Osório Cordeiro.
Os cães, para os cangaceiros, eram companheiros de lida, mas nada amestrados.
Os pesquisadores ainda se dividem se eles realmente tinham realmente a função
de alertar.
A relação de
Lampião com os cachorros vem de antes da sua entrada no cangaço. Em uma das
histórias do início da briga da família de Virgulino Ferreira da Silva e o
vizinho José Saturnino, em Serra Talhada, consta que um morador da fazenda do
inimigo do futuro cangaceiro teria ido reclamar da invasão do pasto pelo gado dos
Ferreira. Um dos seus cachorros teria matado um cachorro de Virgulino. Lampião,
segundo o sertanejo João Alves Feitosa, em depoimento em 1973, citado no livro
“Lampião, senhor do sertão: vidas e mortes de um cangaceiro”, da francesa Elise
Grunspan-Jasmin, disse que Lampião ficou “bastante agostado”. Foi quando
resolveu acertar as contas com Saturnino e sua turma e sua peleja sangrenta
começou.
O tema dos
animais de estimação dos cangaceiros ainda é periférico nos estudos deste
fenômeno nordestino. Graças aos registros fotográficos deixados pelo bando de
Lampião e seus seguidores – Corisco também é visto com a sua cadela malhada
Jardineira – eles acabaram se tornando divulgadores involuntários da raça Boca
Preta Sertanejo, descrita com detalhes por Graciliano Ramos no romance “Vidas
secas”. Sim, Baleia tinha parentesco com Dourado, Ligeiro, Guarani, Juriti e
Seu Colega, os cães de verdade dos cangaceiros. Eram animais bons “de gado, de
caça e de raposa”. E de histórias também.
https://blogs.diariodepernambuco.com.br/diretodaredacao/2016/05/10/os-melhores-amigos-dos-cangaceiros/
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário