Por: Urariano Mota
LAMPIÃO,
BANDIDO E MARKETING.
Os 70 anos da morte de Lampião têm dado margem às mais disparatadas
interpretações na imprensa. Na verdade, há muito o Capitão Virgulino tem
sofrido transformações maiores que as suas proezas. Antes de ser vítima do
covarde massacre de Angicos, em 1938, na língua da imprensa ele oscilou entre o
Terror do Nordeste e o Rei do Cangaço.
De lá para cá, a sua imagem viajou do injustiçado ao rebelde sem partido, até o
ponto do marginal que serviu ao poder de atraso dos "coronéis", os
senhores feudais do Nordeste. Em 1978, com a cara de couro curtido de macho,
serviu de nome para um jornal dirigido ao público homossexual, O Lampião da
Esquina. Nos últimos filmes do cinema, em lugar do homem bárbaro e brutal,
ganhou refinamento e sensibilidade de um bom burguês, a beber uísque White
Horse e a se perfumar com exagero nas caatingas. Mas nada talvez se compare à
rara e original interpretação da historiadora francesa Élise Jasmin.
Segundo ela, no livro Cangaceiros, nas imagens de Lampião feitas por Benjamin
Abrahão e outros existiria manipulação da mídia pelo criminoso. Do filme do
libanês aos jornais, haveria imagens na fronteira entre o fotojornalismo e a
propaganda, sob ordem dos cangaceiros. Notem a impropriedade que faz da
permissão para ser fotografado e filmado uma autopromoção calculada e pensada.
Notem que pouco importa a contradição, que dizemos!, a franca e aberta guerra e
aberração entre o marketing de imagem realizada por bandidos e a foto de suas
próprias cabeças cortadas ao fim, em um máximo esforço de tudo pela imagem. É
tão simples o interpretar, não é?
Segundo a historiadora, em entrevista:
Estas imagens dos bandidos no auge de sua glória e poder, ao lado das fotos com
o jogo cênico de suas mortes, fazem parte desta espetacularização da violência
que encontramos nas sociedades modernas. É um fenômeno que vemos se desenvolver
especialmente nas grandes cidades atingidas pelo crime organizado. Lampião e
seu grupo foram os primeiros a se apropriar deste modo de comunicação, a
instrumentalizá-lo, para desafiar seus adversários, impor seu poder e mostrar
que seu sistema de valores, a vida que levavam, tinha um sentido para eles.
Sabemos todos que alguns intelectuais franceses têm um extraordinário poder de
retórica, a ponto de escreverem um volume inteiro sobre o Nada, com o Ser por
acréscimo, mas aqui vai um pouco além o abuso. A chamada espetacularização,
neologismo em português, mas que bem entendemos como uma mistura de especulação
com espetacular, esse fazer da violência um espetáculo não foi uma criação dos
bandidos sertanejos. Eles não são os agentes do espetáculo. As lentes de
Benjamin Abrahão, que os filmou, é que fazem o espetacular. Em um filme, isto é
básico, o ator não é bem o agente. Quem dirige é quem age. Nas imagens os
cangaceiros se mostram, se exibem, mas a direção, o agente, está por trás do
que eles fazem e encenam. A pedido, deve-se dizer. Diríamos até, a existência do
espetáculo havia sido feita antes por toda a imprensa brasileira. Lampião
jamais se declarou ou se julgou o rei do cangaço, por exemplo. Isto foi uma
criação da imprensa e do cinema, nos estúdios Vera Cruz.
Acompanhem uma entrevista de Lampião, que pode ser lida, na íntegra, no sítio
da sua neta Vera Ferreira, no endereço Clique aqui
- Desejamos um autógrafo seu, Lampião.
- Pois não.
Sentado próximo de uma mesa, o bandido pegou da pena e estacou, embaraçado.
- Que qui escrevo?
- Eu vou ditar.
E Lampião escreveu com mãos firmes, caligrafia regular.
"Juazeiro, 6 de março de 1926
Para... e o Coronel... Lembrança de EU.
Virgulino Ferreira da Silva. Vulgo Lampião".
Os outros facínoras observavam-nos, com um misto de simpatia e desconfiança. Ao
lado, como um cão de fila, velava o homem de maior confiança de Lampião, Sabino
Gomes, seu lugar-tenente, mal-encarado.
-É verdade, rapazes! Vocês vão ter os nomes publicados nos jornais em letras
redondas...
Aqui vê-se o homem que se mostra feliz porque vai aparecer em letras redondas.
Ele e todo o bando. Na ocasião dessa entrevista, o bandido sanguinário se
encontrava no Juazeiro do Norte, no Ceará, aonde fora a convite do Padre
Cícero, para integrar o Batalhão Patriótico, nome pomposo da legalidade para combater
a Coluna Prestes. Fizeram-lhe uma foto nesse dia. Dela, assim declara a
historiadora: "É aí que o personagem aparece pela primeira vez na
imprensa, que vemos seu rosto. Parece uma verdadeira foto de estúdio que se
apropriou dos modelos de figuração cinematográficos da época. Lembra Rodolfo
Valentino". Quem utilizava quem? Quem fazia espetáculo de quem?
Mas tais coisas, "interpretações", devem ser do gênero e da sina dos
que ganham fama. Não importa se bandidos, santos ou heróis, todos sempre serão
assassinados mais de uma vez.
Sobre o autor deste artigo: Urariano Mota - Recife. É pernambucano, jornalista
e autor de "Soledad no Recife", recriação dos últimos dias de Soledad
Barret, mulher do cabo Anselmo, executada pela equipe do Delegado Fleury com o
auxílio de Anselmo.
Autor:
Urariano Mota
Extraído do blog: "O Cangaço em Foco", do Delegado de Polícia Civil no Estado de Sergipe: Dr. Archimedes Marques
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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