Por: Rangel Alves da Costa*
BORBOLETAS NOTURNAS
Nunca mais chorei meu pranto, nunca mais meu desencanto, nunca mais cantei meu canto. Tudo isso era noturno, após o entardecer, misturado ao cacau derramado da noite, olhando a misteriosa lua.
Minha janela é testemunha da minha presença diante da ausência de tudo. Bastava o sol ir tomando a cor de fogo para depois esmorecer e as cortinas começavam a dançar a suave dança da ventania. Dali a pouco eu estaria ali.
Feito relógio de sopro, o vento mais forte sabia a hora de chegar trazendo seu buquê de alegrias e tristezas. Uma saudade imensa, uma tristeza infinita, uma triste recordação, mas também, de vez em quando, um laivo de esperança e reviver.
Por diversas vezes ouvi uma música ao longe, melodia sem instrumento algum, mas fruto dos acordes da brisa. E, numa voz de anjo, entoava algo como para que chorar o que passou, lamentar perdidas ilusões, se o ideal que sempre nos acalentou renascerá em outros corações...
A janela parecia se abrir mais quando ia me aproximando. As cortinas faziam uma leve saudação e abriam passagem ao tudo de mim que chegava. Tudo e muitas vezes metade, apenas pedaços. Tantas vezes cacos juntados onde não se reconhecia ninguém.
Ah, quanta esperança em cada passo, ainda que o desencanto não me soltasse o laço. Pensar no amor sim, imaginar amando sim, sentir que ela bem que poderia estar ali ao meu lado para ouvir a música que chegaria.
Mas meu amor não existe. Meu amor não está aqui nem irá chegar. Amo sozinho porque quero amar, e me apaixono assim porque quero sonhar. E se amo tanto assim na solidão, que doce será a música cantada no verso do beijo e do abraço. Algum dia. Talvez algum dia...
Mas meu amor não existe para dizer se nesse momento estou alegre ou triste. Meu bem querer não está aqui para o beijo na face nem o abraço apertado. Só tenho tido, juro, o afago desse fim de tarde e quase noite, num abraço que me chega num açoite.
Quando a lua desce macia e pelo jardim as cigarras brigam com o silêncio das coisas, então sei que já é hora de fazer minha prece e acender meu incenso. E a leve fumaça começa a subir cheirando a lavanda, alecrim, manjericão. Gosto de jasmim e de almíscar, mas não há aroma mais confortante do que arruda.
Quando o aroma do incenso se espalha pelo ar algo muito especial acontece em seguida. Todos os dias, logo após o incenso ser aceso, borboletas entram pelo vão da janela ainda aberta e vão tomando conta de todos os espaços.
Não são muitas. Cinco ou seis, nunca mais que isso. Mas são borboletas noturnas que talvez não sejam também borboletas noturnas. Ouvi dizer um dia que tais insetos possuem hábitos estritamente diurnos. Então por que invadiriam minha vida noturnamente?
O voo das borboletas noturnas é muito diferente da planagem que as outras fazem no mundo lá fora, lá pelos jardins. Voam em sincronia, em sintonia com o vento que ainda sopra, parecem valsar um Danúbio maravilhosamente azul.
Valsam, voam, voejam, e de repente vão deixando marcas pelo ar. Soltam uma pequena nuvem esbranquiçada contendo espantosas palavras, um nome, dizeres de amor. Já li um verso, já vi o nome do meu amor.
Na semiescuridão sempre leio o nome do meu amor. Não sei o nome do meu amor, porém sei que aquele é o nome do meu amor. Nunca está escrito o nome completo, nada como Maria ou Joana, apenas letras que sei que são do nome do meu amor. Por não ter quem amar, imagino qualquer nome e já amo.
Sempre adormeço enquanto as borboletas noturnas esvoaçam ao meu redor. Cansado de tanto amar não amando, derramo o copo de vinho e deito quase beijando a bebida. E quando amanhece recolho no ar todas as letras já inexistentes para formar um nome.
E todas as vezes que faço isso só encontro letras que formam o seu nome. Mas como você não me ama não vou dizer o seu nome.
Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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