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terça-feira, 10 de abril de 2012

DAS ILUSÕES E REALIDADES (RUMO AO SUL)


 Por: Rangel Alves da Costa*
Rangel Alves da Costa
                              

DAS ILUSÕES E REALIDADES (RUMO AO SUL)

 

 

Isso já faz algum tempo, coisa de mais de vinte anos, mas vale como relembrança.

 

Lá pelos idos desbotados, tempos outros de maior inocência em quase tudo, era moda que os jovens do meu lugar – uma pacata cidadezinha nos sertões sergipanos de meu Deus, dignamente chamada Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo – arrumassem as malas para ir tentar a sorte nos grandes e distantes centros urbanos, principalmente Rio de Janeiro e São Paulo.

 

Realmente era insustentável continuar no lugar com a seca devastando tudo, sem emprego algum, sem qualquer perspectiva de vida. Era a vida debaixo do sol e o sol corroendo as esperanças. Muitas vezes esses jovens já estavam namorando, em dias de noivar, casar, e não podiam ver seus sonhos realizados na mais lastimável situação de desemprego.

 

Então não pensavam nem duas vezes na decisão de arrumar as malas e seguir adiante, passar um tempo fora trabalhando, juntar algum dinheiro e depois retornar para levar a vida em frente. Se tudo desse certo já enviaria algum dinheiro de lá para comprar objetos para o casamento, arrumar o enxoval, comprar um terreninho, erguer quatro paredes como uma casa.

 

Seguiam geralmente com o dinheirinho que os pais haviam arranjado com a venda da vaquinha magra que ainda lhes restava. Subiam no ônibus chorosos, davam os adeuses necessários e eram encobertos pela poeira da estrada. Viagem até a capital, pois em Aracaju começaria a parte mais difícil do longo percurso até o destino escolhido.

 

Chegavam ao Rio ou São Paulo levando endereço de parentes ou amigos que já moravam ali há algum tempo, sempre distante, nos bairros ou favelas difíceis demais de se chegar. Mas tudo era facilitado porque alguém já os esperava de braços abertos na rodoviária. E que mundo diferente, estranho mundo, para um matuto sertanejo que nunca foi além das redondezas do seu lugar.

 

Uma vez na cidade grande, penoso agora era encontrar emprego. Logicamente que ninguém esperava arranjar uma colocação decente, um emprego qualificado assim que chegasse. Ademais, o conhecimento era pouco, estudo quase nenhum, nenhuma qualificação profissional, nenhum curso profissionalizante, nada. Então a grande maioria se contentava em trabalhar como servente de pedreiro, fazendo massa, jogando tijolo e telha, ou ainda como pintor de parede.

 

Outros de mais sorte, através da influência e do conhecimento dos amigos que já estavam por lá, de vez em quando arranjavam um emprego de ajudante de cozinha, de jardineiro, de segurança. Contudo, fosse no que fosse, juntando a tudo a força e a disposição para o trabalho, logo o caipira começava a juntar algum dinheirinho e enviar para a sua terra de origem.

 

Como não havia à época a facilidade e a constância do telefone, quando a lembrança apertava procuravam escrever cartas e mais cartas dizendo que estavam morrendo de saudades e que assim que juntassem mais uns trocados voltariam num passo só. Ao receber as cartas, os familiares se afundavam em lágrimas, ficavam fazendo promessas para que o seu retornasse logo. Contudo, nesse momento não lembrava que era muito melhor ele ficar onde estava, pois a situação ali não havia melhorado em nada.

 

Muitos realmente ficaram por lá, continuaram arriscando a vida e até arranjaram empregos bons, com salários dignos. De vez em quando até fixavam moradia naqueles desconhecidos. Outros, entretanto, e a grande maioria, achando que já haviam juntado dinheiro suficiente para realizar muitas coisas quando chegassem, de repente arrumavam o monte de malas e dias após festivamente desciam de ônibus no seu sertão.

 

Era incrível ver esse novo homem chegando, ainda que não houvesse permanecido nem um ano no sul. Falando sempre carioquês ou paulistês, usando calça boca de sino ou com nesga colorida, muitos chegavam com o cabelo black-power, todo espichado pra cima, num modismo exacerbado que os tornava irreconhecíveis. E ridículos.

 

Trazendo sempre um toca-discos bonito, imponente, com caixas potentes, então começavam as farras, as danças importadas, os requebros e gingas, um monte de coisas para impressionar os conterrâneos. Mas não demorava muito e o dinheiro começava a escassear até acabar. E de repente o ainda sulista cheio de moda estava desempregado e numa triste situação.

 

Após venderem os sons e os discos, roupas e outros objetos, simplesmente ficavam a esperando a sorte de qualquer emprego. Já não falavam nem carioquês nem paulistês, apenas o linguajar sertanejo para todos compreenderem as reviravoltas da vida.



Poeta e cronista
e-mail: rac3478@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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