Publicado em 23/07/2013 por Rostand Medeiros
Batizado por
Gonzaga, Dominguinhos levou adiante legado do Rei do Baião – Após começo
com ritmos nordestinos, este grande músico pernambucano transitou entre muitos
estilos.
Um adolescente
de 16 anos, chegado ao Rio de Janeiro havia pouco, de repente ganha a bênção do
Rei do Baião ao ser chamado pelo próprio de “herdeiro artístico”. Não poderia
ter começado de maneira mais certeira a carreira musical de Dominguinhos, o
sanfoneiro nascido José Domingos de Morais, em Garanhuns, Agreste pernambucano,
no dia 12 de fevereiro de 1941. O Brasil se despede do músico nesta terça-feira
(23).
“Gonzaga
estava divulgando para a imprensa o disco ‘Forró no escuro’ [1958] quando me
apresentou como seu herdeiro artístico aos repórteres”, lembrou-se
Dominguinhos, em entrevista ao G1, durante os festejos do centenário de
Gonzaga, em dezembro do ano passado. “Foi uma surpresa muito grande, não
esperava mesmo”, assegurou.
A relação
entre os dois, no entanto, é mais antiga. Dominguinhos ainda era criança e
tocava triângulo com os irmãos no grupo Os Três Pinguins. Naquela época, era
chamado Neném do Acordeon, apelido de infância. Tinha 8 anos e estava tocando
na frente do hotel onde Gonzaga se hospedara, em Garanhuns, quando o Rei do
Baião notou seu talento. Ali mesmo, prometeu ao músico mirim uma sanfona de
presente, caso este resolvesse ir ao Rio de Janeiro.
O artista
consagrado não se esqueceu do garoto quando ele foi procurá-lo, já rapaz, na
então capital federal. Acompanhado do pai, o também sanfoneiro Chicão, e de um
dos irmãos, Dominguinhos se mudou para o Rio de Janeiro e passou a viver em
Nilópolis. Em 1954, a intenção do músico era encontrar Luiz Gonzaga. Quando o encontro
aconteceu, a promessa não demorou a ser cumprida: “Em cinco minutos, ele me deu
uma sanfona novinha, sem eu pedir nada”, contou. Também não foi necessário
tempo demais para Gonzagão ter certeza do que tinha suspeitado em 1949: o
anúncio de Dominguinhos como herdeiro aconteceria apenas quatro anos após a
chegada do então jovem sanfoneiro ao Rio. Além do instrumento e da bênção,
Gonzaga ainda batizou o rapaz, dando-lhe o apelido que viraria nome artístico.
Para o velho Lua, a alcunha de “Neném do Acordeon” não ajudaria na carreira
como músico.
A primeira
gravação profissional de Dominguinhos não poderia ser no disco de outro
artista: em 1957, tocou sanfona em um álbum de Luiz Gonzaga, na música “Moça de
feira”, de autoria de Armando Nunes e J. Portela. No mesmo ano, o padrinho
ajudou de novo na hora de batizar o grupo do qual o afilhado faria parte: com
Zito Borborema e Miudinho, Dominguinhos fundou o Trio Nordestino, que ficou
conhecido por interpretar diversos ritmos do Nordeste. O grupo continuaria, com
outras formações, mas a participação de Dominguinhos foi encerrada em 1960.
Os primeiros
discos
O mundo do
samba, da gafieira e do bolero atrairia o sanfoneiro temporariamente, mas, em
1965, Dominguinhos foi convidado a gravar, na recém-inaugurada gravadora
Cantagalo, um disco que tinha como alvo os migrantes nordestinos que viviam no
Rio de Janeiro. O dono da empresa era Pedro Sertanejo, pai de Oswaldinho do
Acordeon, um dos primeiros a lidar com o forró no mercado do Sul-Sudeste
brasileiro. Foi o bastante para Dominguinhos voltar a tocar xotes e baiões e,
em 1967, integrar uma excursão de Luiz Gonzaga à região Nordeste, dividindo-se
entre as funções de sanfoneiro e motorista – o notório medo de avião do
sanfoneiro não começou aqui, no entanto. Antes de adotar o transporte
rodoviário, Dominguinhos voou pelo mundo durante 30 anos, mas há 26 tinha deixado
as aeronaves de lado.
Luiz Gonzaga,
Guadalupe, Dominguinhos e Genival Lacerda. Foto do casamento de Dominguinhos e
Guadalupe – Fonte –http://www.forroemvinil.com/
Além de ser o
segundo sanfoneiro de Gonzaga, e motorista eventual, Dominguinhos teve a
oportunidade de conhecer, nessa excursão, a cantora pernambucana Anastácia. O
encontro com a compositora, com quem se envolveu, marcou a carreira do músico.
Juntos, são autores de mais de 200 canções. “Tenho sede” e “Eu só quero um
xodó” são dois dos grandes sucessos da dupla e esta última música já soma cerca
de 250 regravações, em várias línguas.
O empresário
Guilherme Araújo, que dirigia a carreira dos novos ídolos baianos como Gal
Costa, Caetano Veloso e Gilberto Gil, viu Dominguinhos tocando num show de Luiz
Gonzaga, em 1972, e fez o convite para que o sanfoneiro acompanhasse Gal no
show “Índia”. É dessa mesma época a primeira gravação de Gil de “Eu só
quero um xodó”, versão que ficou muito famosa no Brasil. Como instrumentista,
Dominguinhos passou então a transitar com desenvoltura no mundo da MPB, tocando
ao vivo e também participando de gravações em estúdio.
Dominguinhos e
Gilberto Gil – Fonte – http://www.premiodemusica.com.br
Durante show
no dia do centenário de Luiz Gonzaga, em 13 de dezembro deste ano, realizado na
terra natal do Rei do Baião, Exu (PE), Gilberto Gil reiterou a importância de
seu herdeiro. “Dominguinhos teve a herança do Gonzaga, que ele incorporou,
através das canções, dos estilos, o gosto pelo xote, xaxado”. No entanto, para
Gil, Dominguinhos soube trilhar um caminho próprio. “Ele foi além, em uma
direção que Gonzaga não pôde, não teve tempo. Ele foi na direção do início de
Gonzaga, o instrumentista, da época das boates do Mangue, no Rio de Janeiro,
quando ele tocava tango, choro, polca, foxtrote, tocava tudo, repertório
internacional, tudo na sanfona”.
Em meados dos
anos 1980, Dominguinhos viu sua popularidade crescer em nível nacional. “De
volta pro meu aconchego”, composta em parceria com Nando Cordel e gravada por
Elba Ramalho, e “Isso aqui tá bom demais”, assinada junto com Chico Buarque, e
gravada pelos dois, fizeram parte da trilha sonora da novela “Roque Santeiro”,
da TV Globo, um sucesso absoluto entre 1985 e 1986. Temas dos personagens Roque
Santeiro e Sinhozinho Malta, respectivamente, as canções ganharam milhares de
ouvintes, levando o nome de Dominguinhos país adentro.
A composição
de trilha sonora voltaria à vida de Dominguinhos em 1997, quando o sanfoneiro
assinou as canções do filme “O cangaceiro”, de Anibal Massaini Neto. Dois anos
depois, o disco “Você vai ver o que é bom” trouxe o registro de “O riacho do
imbuzero”, uma letra até então inédita do compositor pernambucano Zé Dantas,
que foi entregue a Dominguinhos pela viúva do parceiro de Luiz Gonzaga.
No mesmo trabalho, os dez anos da morte do Rei do Baião foram lembrados na
música “Prece a Luiz”, assinada em parceria com Climério.
Em 2004,
Dominguinhos cumpriu temporada de shows no Rio de Janeiro, em dupla com Elba
Ramalho, com repertório que privilegiou os hits de ambos os artistas. As
apresentações se transformaram em CD no ano seguinte. Em 2007, os papéis
se inverteram e foi a vez de Dominguinhos virar padrinho: o sanfoneiro
participou da estreia da filha Liv Moraes em disco, fazendo o arranjo e tocando
a sanfona em algumas das faixas. Nos últimos anos, a cantora acompanhou o
pai em muitas das suas apresentações, inclusive durante a festa pelo centenário
de Gonzaga, em Exu. A gravação, em 2009, do primeiro registro em DVD –
“Dominguinhos ao vivo” – aconteceu no maior teatro ao ar livre do mundo, em
Fazenda Nova, cidade do Agreste pernambucano, mesmo palco onde é realizada
anualmente a Paixão de Cristo de Nova Jerusalém. Os cantores Elba Ramalho,
Renato Teixeira, Liv Moraes e Jorge de Altinho e os sanfoneiros Waldonys e
Cezzinha participaram do trabalho.
Entre os
últimos CDs gravados por Dominguinhos estão os trabalhos com o violonista
gaúcho Yamandu Costa. A parceria começou em 2007, com o disco “Yamandu +
Dominguinhos”, que tinha uma única preocupação: deixá-los tocarem o que
tivessem vontade, sem amarras a repertórios ou estilos. Em cinco dias, foram
registrados clássicos como “Feira de Mangaio” (Sivuca e Glória Gadelha), “Wave”
(Tom Jobim), “Pedacinho do céu” (Waldir Azevedo) e “Asa branca” (Luiz Gonzaga e
Humberto Teixeira). O encontro dos músicos viraria DVD, em 2009, e permitiria a
produção de um novo CD, o “Lado B – Yamandu Costa e Dominguinhos”, lançado em
2010. Composições de Hermínio Bello de Carvalho, Jacob do Bandolim, Lupicínio
Rodrigues, Ary Barroso e Lamartine Babo fazem parte do repertório do segundo
disco.
Prêmios e
honrarias não foram poucos ao longo de praticamente 60 anos de carreira: em
2002, o CD “Chegando de mansinho” deu a Dominguinhos seu primeiro Grammy
Latino. “Conterrâneos”, CD solo gravado em 2006, conquistou o Prêmio Tim em
2007, na categoria cantor regional. Em 2008, Dominguinhos foi o homenageado do
Prêmio Tim de Música Brasileira e, dois anos depois, venceu o Prêmio Shell de
Música. Este ano, o disco “Iluminado” deu ao sanfoneiro pernambucano mais um
Grammy Latino, na categoria raízes brasileiras - uma classificação mais
do que digna para uma estrela da música brasileira, defensor e renovador de
suas raízes nordestinas.
Fonte – G1 PE
Extraído do blog Tok de História, do historiógrafo e pesquisador do cangaço: Rostand Medeiros
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