Ziraldo - Que
ano era?
- Isso foi já em 28.
Millôr - Você já tinha 11 anos, né?
- É, onze anos. Aí, daí a pouco chega dois cabras lá na roça, onde nós estava. Chegou o Corisco e o Luiz Pedro.
Millôr - Corisco era pouco mais velho que você, né?
- Não, Corisco era homem feito. Corisco, na minha época, já tinha os seus trinta e poucos anos.
Millôr - Todos armados?
- Tudo, tudo mesmo, completo.
Millôr - O bando já tava formado?
- Já. Aí, quando eles chegaram, disse: "Ei, garoto, vem cá, essas meninas aqui é suas"? "Não, eu trabalho aqui, moro com elas aqui." Aí ele disse: "Tem cavalo bom aqui"? Eu digo: "Eu num sei, tem um cavalo aí. Mas o homem tá no campo, tá capinando. Só tem um". Ele disse: "Bom, num tem nada. Minhas filhas, num tenham medo não que é só o pessoal do Lampião que está aqui. Agora, esse garoto vai conosco lá, pra lavar os animais". Aí elas começaram a chorar, e eu digo: "Deixa, num tem nada, não. Eu vou lá e volto já." E fui. Aí, quando eu cheguei lá, me apresentaram ele. Ele tava lá - o Lampião - tocando acordeom. Ai, eles disseram: "Pronto, capitão, nós trouxemos o garoto pra lavar os animais. Ele tava trabalhando na roça, descalço". Aí, ele disse: "Compra logo uma alpercata pra ele. Vai na loja e compra roupa pro garoto ai".
Millôr - Você devia estar maltrapilho, né?
- Tava. Aí, eles compraram roupa pra mim. AIpercata, deram logo o chapéu... eu digo: "Êpa, o negócio aqui tá bom"! Aí ele disse: "Escuta, você vai lavar esses animais pra mim. depois, quando acabar, eu te dou um dinheiro". Eu disse: "Tá bom, sim senhor." Peguei aqueles animais tudo, fui lavar.
Millôr - Ele estava mais ou menos com quantos homens?
- Tava com nove homens só.
Millôr - Ele deixava o resto em volta, né?
- É.
Ziraldo - Maria Bonita tava com ele?
- Não, essa foi muito depois. Bom, aí, eles pegaram sabão... Sabão bom! Eu num tinha nem sabão massa pra tomar banho! Os cavalos tomavam banho era com sabão "eucalói", vidro de loção!...
Jaguar - Ele comprava, ou pegava no peito?
- Ele comprava. Então, eu dei banho nos animais e tanto dava banho de perfume de animais como em mim também, uaí!
Millôr - Você não tomava banho há muito tempo, né?
- Não, eu tomava.
- Isso foi já em 28.
Millôr - Você já tinha 11 anos, né?
- É, onze anos. Aí, daí a pouco chega dois cabras lá na roça, onde nós estava. Chegou o Corisco e o Luiz Pedro.
Millôr - Corisco era pouco mais velho que você, né?
- Não, Corisco era homem feito. Corisco, na minha época, já tinha os seus trinta e poucos anos.
Millôr - Todos armados?
- Tudo, tudo mesmo, completo.
Millôr - O bando já tava formado?
- Já. Aí, quando eles chegaram, disse: "Ei, garoto, vem cá, essas meninas aqui é suas"? "Não, eu trabalho aqui, moro com elas aqui." Aí ele disse: "Tem cavalo bom aqui"? Eu digo: "Eu num sei, tem um cavalo aí. Mas o homem tá no campo, tá capinando. Só tem um". Ele disse: "Bom, num tem nada. Minhas filhas, num tenham medo não que é só o pessoal do Lampião que está aqui. Agora, esse garoto vai conosco lá, pra lavar os animais". Aí elas começaram a chorar, e eu digo: "Deixa, num tem nada, não. Eu vou lá e volto já." E fui. Aí, quando eu cheguei lá, me apresentaram ele. Ele tava lá - o Lampião - tocando acordeom. Ai, eles disseram: "Pronto, capitão, nós trouxemos o garoto pra lavar os animais. Ele tava trabalhando na roça, descalço". Aí, ele disse: "Compra logo uma alpercata pra ele. Vai na loja e compra roupa pro garoto ai".
Millôr - Você devia estar maltrapilho, né?
- Tava. Aí, eles compraram roupa pra mim. AIpercata, deram logo o chapéu... eu digo: "Êpa, o negócio aqui tá bom"! Aí ele disse: "Escuta, você vai lavar esses animais pra mim. depois, quando acabar, eu te dou um dinheiro". Eu disse: "Tá bom, sim senhor." Peguei aqueles animais tudo, fui lavar.
Millôr - Ele estava mais ou menos com quantos homens?
- Tava com nove homens só.
Millôr - Ele deixava o resto em volta, né?
- É.
Ziraldo - Maria Bonita tava com ele?
- Não, essa foi muito depois. Bom, aí, eles pegaram sabão... Sabão bom! Eu num tinha nem sabão massa pra tomar banho! Os cavalos tomavam banho era com sabão "eucalói", vidro de loção!...
Jaguar - Ele comprava, ou pegava no peito?
- Ele comprava. Então, eu dei banho nos animais e tanto dava banho de perfume de animais como em mim também, uaí!
Millôr - Você não tomava banho há muito tempo, né?
- Não, eu tomava.
"Volta
Seca", ainda garoto, junto a um grupo de personalidades da Bahia.
Sentado, de óculos, o profº Arthur Ramos, que estudou o perfil antropológico do famoso cangaceiro-menino.
Sentado, de óculos, o profº Arthur Ramos, que estudou o perfil antropológico do famoso cangaceiro-menino.
Millôr - Mas não com "eucalói", né?
- Não com eucalói. Aí, pronto, tomei meu banho e cheguei com os animais... Aí, ele disse: "Agora vamos almoçar". Fomos lá pra casa do delegado mesmo, tava lá a mesa de fora a fora. Comida do que quisesse. Era galinha, carneiro, era boi, era tudo...
Ziraldo - O delegado era amigo dele?
- Naquela hora tinha que ser amigo de qualquer jeito.
Sérgio Cabral - Escuta, nessa altura, ele não sabia dos seus antecedentes?
- Não, não sabia nada. Aí eles cismaram. O Luiz Pedro chegou e disse: "Capitão, esse menino devia ir com a gente; ao menos pra lavar os animais ele tava bom". Eu disse: "Mas isso eu num posso fazer, não. Eu num posso fazer, porque eu estou trabalhando ali na roça." Aí ele disse: "Escuta, e se eu quisesse que você isse, você não ia"? Fiquei quieto e disse: "Bom, isso aí é um caso aí com o senhor. Eu num sei atirar, eu num sei fazer nada." Aí, ele chegou e disse: "Não, primeiramente você vai fazer um teste".
Millôr - Ele disse essa palavra "teste", fazer um teste?
- É, fazer um teste. Aí ele pegou o fuzil dele e falou assim: "Olha esse fuzil, eu num erro com ele não, hem! Vão ver se você vai errar". Eu nunca tinha atirado de fuzil. Ele faz lá uma marca e disse: "Olha, você vai dar cinco tiros naquela árvore ali". E mandou o pessoal sair da frente:"Saiam da frente que isso não é certo não". E mandou eu atirar. Eu atirei. Aquilo não podia ser eu, nem ninguém. Por que vou dizer ao senhor que não tinha pontaria. Eu tava fazendo o troço lá. Fazia pontaria pra cá e ia direto no ponto.
Ziraldo - Acertou todos os cinco.
- Todos cinco assim. Aí, ele disse: "Você serve". Eu disse: "Ó capitão, eu não posso ir não. Eu já falei pro senhor... Aí ele me disse: "Você quer ir, ou quer morrer? Escolhe um dos dois". E eu:"Ora, não dá. Morrer, não. Eu vou, capitão.
Millôr - Você disse que o Corisco, nessa época, tinha mais de trinta anos. Mas o capitão tinha 28 anos, né? Ele nasceu em 1900, ele era mais novo que o Corisco, né?
Ziraldo - Ele tava de óculos ? Tava com aquele ocrinho dele?
- Tava. Aí eu fui, apanhei o rifle e trouxe. Ele disse: "Ah, o menino serve".
Ziraldo - Mas, no fundo, cê tava querendo ir, né?
- Não, num tava não. Eu tava a fim de cair fora daquele lado ali pra eles não me passarem a mão. Mas, nessa altura, eu fui. Quando chegou na frente, eles pegaram o cavalo e me deram.
Ziraldo - O Boa Dama ficou lá na fazenda?
- Eu deixei pro seu Ovídio e disse: "Bom, o cavalo fica aí. Eu num sei do meu paradeiro; só Deus é quem sabe". Aí o capitão foi dizendo: "Olha, todos esses homens que você tá vendo aqui, é todos por um e um por todos: é um por todos e todos por um. Então, você veja, se você tomar um tiro ali, eles estão aqui para lhe acudir; se um tomar também, você tá aí pra acudir. Então, num tem ás, reis. Eu sou o chefe que manda aqui. Mas, aqui, também vocês, tudo manda."
Sérgio Cabral - O mesmo lema do escoteiro: um por todos, todos por um.
- É.
Ziraldo - Ele falou que não tem ás nem reis?
- É, que num tinha ás nem reis. Era tudo um só, num tinha grande nem pequeno. Agora, ele é que era o chefão. Mas aí, uns oito dias depois, eu não sabia de nada, eu não sabia de coisíssima nenhuma, ele disse: "Olha, na hora que nós encontrarmos com os macacos, aí é que você vai ver. Por enquanto nós não encontramos com ele nem nada. Mas na hora que nós encontramos com os macacos, o tiroteio vai comer."
Sérgio Cabral - Macaco era polícia, né?
- Era, mas eu não sabia o que era. Macaco pra mim era macaco mesmo. Num sabia de nada. Aí, nós viemos viajando, e quando chega uma estrada Lampião disse: "Olha, você fica aqui, porque nós vamos descansar ali. Se surgir algum macaco, cê vai avisar a gente". Eu disse: "Ta bão". Aí, ficaram lá, debaixo de um pé de umbuzeiro e tal. E tão lá descansando.
Millôr - De quantos eram, então?
- Bom, nessa altura, nós era dez, contando comigo.
Millôr - E o Lampião não sabia do seu passado, né?
- Não.
Ziraldo - Você ainda se chamava Antônio?
- Era Antônio.
Ziraldo - Você não sabia o que era macaco?
- Não, não sabia o que era macaco.
Ziraldo - Tava esperando sem saber, achando que era macaco de verdade.
- Perfeito. Eu tô ali, brincando, sentado na beira da estrada. Aí passou a turma de soldados. Pá e pá... passou aquele monte...
Aparício - Quantos soldados eram, mais ou menos?
- Uns quarenta, mais ou menos. Aí, eu to ali brincando e eles passando. Me viram sentado na estrada, nem ligaram... Quando eu cheguei lá, eles disseram pra mim: "Cumé que é, num tem passado macaco, não? Eu digo: Não senhor, só passou soldado". E ele disse: "Pra onde que foram"? Eu digo: "Passaram pra lá, iam uns quarenta pra lá".
Millôr - Mas ele não ficou zangado com o fato de você ter errado?
- Não, não ficou não. Ele pegou a rir com os outros lá.
Millôr - Quer dizer que ele era um homem de bom humor?
- Era. Aí ele disse: "Bom, agora nós vamos preparar e atravessar pro outro lado, porque eles vão voltar. Eles vão encontrar o nosso rastro. Num encontrou o nosso rastro pra frente, eles vão voltar. E aí é que o negócio vai chegar. E você num sai de perto de mim." E eu: "Sim senhor. Ele aí disse: "Cê num sai de perto de mim. O lugar que eu teje, cê tá comigo." Como de fato, eu fiquei ali com ele.
Millôr - Você, naquele momento sentia medo?
- Não. Aí, quando foi um pouco, eles se chocaram com uma outra força. Já vinha outra de lá pra cá, se chocaram um com o outro, e aí começou o tiroteio.
Ziraldo - Chocaram como?
- Com a polícia mesmo. Aí se formaram uma lamenta, pegaram a atirar.
Millôr - As duas guarnições de policia eram da Bahia?
- Era. Aí, toparam um com a outra.
Jaguar - Mas por que entraram no tiro uma com a outra? Medo?
- Era. Porque eles vinham no rastro da gente. De lá já vinha a outra e se chocaram as duas. Aí, pegou o tiroteio. E ele disse assim: "Olha só, os macaquinhos se encontraram um com o outro mesmo; deixa eles gastarem bem munição, que depois eu encosto". Como de fato, foi indo, foi Indo... Aí pegaram a dizer: "Não, num sei o que, e tá, num sei o que..." Aí, se compreenderam, e volta eles de lá pra cá. Aí, Lampião disse: "Agora, chegou a nossa vez".
Millôr - Sempre foi muito calmo, né?
- Calmo, muito calmo. Ai, mandou brasa! E começou o tiroteio. E ele disse: "Você não sai mais daqui e pode tocar fogo neles". Eu comecei a perguntar: "É pra atirar mesmo neles, ou cumé que é"? Ele disse: "É pra atirar neles mesmo, uai". Eu digo: "Ué, essa raça tem que morrer tudo"!
Sérgio Cabral - Cê num sabia de nada?
- Sabia de nada não. Estava sem saber de nada.
Millôr - Você não tinha a menor noção da importância de Lampião?
- Não, não. Já tinha ouvido falar, mas não sabia que o caso era aquele. Aí, o tiroteio começou a comer e eu só via nego gemendo, outro baleado... Ele disse: "Pode deixar que nós chega já aí, vamos dar remédio". Aí, eu digo: "Bom, como de fato vai dar remédio".
http://lampiaoaceso.blogspot.com.br/2009/12/entrevista-de-volta-seca-jornal-o.html
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Amigo Mendes: Estou acumulando materias de diversos autores por você postadas, para quando eu concluir a leitura do livro VIDA E OBRA DE ALCINO COSTA - que chegou esta semana -, estudar cuidadosamente todos os artigos que estou encadernando. São excelentes matérias, tanto concernente a Volta Seca, como outras.
ResponderExcluirGrato,
Antonio José de Oliveira - Povoado Bela Vista - Serrinha - Ba.