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segunda-feira, 21 de julho de 2014

PADRES E CANGACEIROS - AMIGOS x INIMIGOS


Lampião:....foi inimigo, mato. Não pergunto a quem. Só respeito nesse mundo, Padre Ciço e mais ninguém.

Muitas batalhas, sangue e crueldade contra os considerados inimigos. Mas, para o cotidiano manchado de violência e intolerância na conhecida história do cangaço, a Sexta-feira da Paixão também era santa e, sempre que possível, dia de pausa e de reza com o bando. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, (1898-1938) tinha, sim, o seu lado beato, e muito apego aos princípios do catolicismo. Esta faceta curiosa de um dos bandidos mais famosos do Brasil integra estudos inéditos do pesquisador Antonio Amaury Côrrea de Araújo, autor de seis livros sobre cangaço. “Ao contrário do que possa parecer, não houve nenhuma tentativa dos historiadores de proteger a imagem da Igreja no contato com os bandoleiros. O que há é desconhecimento mesmo”, constata o estudioso.

Renegada pelo tempo, assim como a história do cangaço, nessa foto posam lado a lado bandoleiros, soldados e padres

O trabalho, que está para ser publicado, assinala os aspectos contraditórios da personalidade do bandoleiro, responsável pelo extermínio de famílias inteiras como os Gilo e os Quirino. Embora apreciasse ser tido como “bandido social”, e chegar a ser biografado em vida como uma espécie de Robin Hood sertanejo, Lampião jamais o foi. Nunca hesitou em aliar-se a alguns dos mais reacionários coronéis nordestinos, como a família Malta, em Alagoas, integrada pelos antepassados da ex-primeira-dama Rosane Collor. Em algumas ações, para ganhar a simpatia da população, entretanto, agiu como se fosse um homem com uma certa preocupação social ao dividir o produto dos roubos com o povo humilde.

Padre Cicero

Mas a devoção de Lampião à Igreja, principalmente ao padre Cícero Romão Batista, o Padre Ciço (1844-1934), era fato. Vingativo e cruel diante dos perseguidores, aos quais chamava de “macacos”, revelava-se manso e humilde frente a sacerdotes. Seu lugar-tenente Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, um dos mais temidos chefes de bando, tinha comportamento similar. A veneração chegava a tal ponto que Corisco, conhecido como Diabo Loiro, deu um dos filhos, Sílvio Hermano Bulhões, para ser criado pelo padre José Hermano Bulhões. Vários sacerdotes, como o padre José Kherle, pároco de Vila Bela (atual Serra Talhada, no Pernambuco), terra natal de Lampião, tentaram tirá-lo da vida de crimes. Outros, como os padres de Mossoró, Rio Grande do Norte, o combateram, revelando dotes de estrategistas.

Com o Padim, contra Prestes

O padre Cícero foi protagonista do mais famoso encontro de Lampião e seu bando com representantes da Igreja Católica, em 1926, em Juazeiro do Norte (CE). Escondido na caatinga, o bandoleiro recebeu carta em que o líder religioso o convidava para uma conversa. Durante o encontro com o padre-coronel, Lampião recebeu a patente de ‘capitão’ dos Batalhões Patrióticos para enfrentar a Coluna Prestes, movimento revolucionário que cruzava o sertão infligindo derrotas humilhantes às forças que a perseguiam. Depois de armado, fardado e municiado com o que havia de mais moderno, o cangaceiro e seu grupo desistiram da empreitada após pequenos combates com patrulhas da Coluna. Ao perceber que sua patente não seria reconhecida pelos inimigos, Lampião decidiu voltar à vida de crimes – sem perder o contato com sacerdotes.

Ao que parece, era mesmo conflituosa a mente do bandido acusado de mais de cem crimes de morte e do sertanejo religioso que respeitava o poder temporal da Igreja, a honra das moças e a valentia dos inimigos. Os encontros entre Lampião e seu bando e os padres sempre tiveram algo de pitoresco, muito diferente dos combates com os militares, que integravam as chamadas volantes. Virgulino andava com escapulários e santinhos pendurados no pescoço. Os cangaceiros usavam também rezas fortes que acreditavam protegê-los dos inimigos. Quando da morte de Lampião e Maria Bonita, em 1938, na Grota de Angico, em Sergipe, foram encontradas várias dessas orações.

“Meus avós não fugiam à regra de religiosidade dos sertanejos. Quando entravam na igreja a primeira coisa que faziam era tirar o chapéu em sinal de respeito”, observa Vera Ferreira, neta de Lampião e Maria Bonita. “O fato de eles terem sido fora-da-lei não invalida a influência da família católica em sua criação.”

Em rápida conversa com o padre Emílio de Moura Ferreira, na fazenda Engenho, em Sergipe, no ano de 1929, Lampião respondeu da seguinte forma ao questionamento do sacerdote que o aconselhava a abandonar a vida de crimes: “Quá, seu padre, o governo me persegue, mas os macaco não me mata porque sô um pé de dinheiro. A vida só é boa pra macaco e bandido”, afirmara, confessando que corrompia policiais para ter sossego. Dizia, também, que o desaparecimento dos bandidos não interessava aos policiais.

A história do padre Francisco César Berenguer, pároco de Monte Santo, na Bahia, tem outra matriz. Decerto julgando-se muito esperto, o sacerdote, que se encontrou com Lampião em Cumbe, no interior baiano, teve de contar com a ajuda de colegas para escapar da morte. O cangaceiro pediu que o padre lhe cedesse o Ford de sua propriedade para transportar o bando até a vizinha cidade de Tucano. Nas proximidades de Algodões, Berenguer simulou um problema mecânico no carro. Os oito cangaceiros acabaram passando para um caminhão de propriedade do também padre José Eutímio. Dias depois, Lampião ficou sabendo que o padre Berenguer estava se gabando de tê-lo ludibriado. Sem perda de tempo, fez chegar ao sacerdote a seguinte ameaça: “padre Berenguer, no dia em que a gente se encontrar, vou ensinar o senhor a enganar Lampião”. Graças à intervenção do também religioso Zacarias Matogrosso, o sacerdote escapou da vingança terrível do líder cangaceiro.

Padres inimigos

Outro sacerdote marcante para a vida de Lampião foi o alemão José Kherle. Claro, de olhos azuis, o religioso foi o primeiro a manter contato com o bandoleiro, ainda no começo de sua carreira criminosa. Persistente, Kherle não se cansava, com sua fala enviesada, de aconselhar Virgulino e seus irmãos a controlarem seus instintos. Na ocasião, Lampião e os demais integrantes da sua família já estavam em guerra declarada com os vizinhos Saturnino, seus primeiros inimigos.

Já o padre Artur Passos, de Sergipe, tido como ranzinza e disciplinador, em sua vez de dar de cara com o bandido chamou-o de todos os nomes de que se lembrava. Calmamente, Lampião lhe pediu autorização para assistir a uma missa, o que foi concedido, desde que o bando deixasse as armas fora. O rei do cangaço assistiu à celebração ancorado na sua pistola alemã Parabellum, e seus cabras carregavam os fuzis e revólveres. E o padre saiu sem nenhum arranhão do episódio.

Se encontraram pela frente sacerdotes dispostos a tirá-los do cangaço reconduzindo-os, de volta à sociedade, os bandoleiros também toparam com padres-guerreiros que os enfrentaram ou incentivaram outras pessoas a combatê-los. O caso mais famoso foi o do padre Luiz Mota e o cônego Amâncio, que ajudaram, com a pregação religiosa e apoio moral aos combatentes, a conferir a Lampião a maior de suas derrotas: o ataque frustrado a Mossoró (RN), em 1927. “Os padres visitaram as trincheiras onde estavam os defensores da cidade e, pedindo ajuda a Deus e a Santa Luzia, protetora da cidade, estimulavam a resistência”, conta o pesquisador Araújo.

Logo na entrada do rei do cangaço e seus homens na cidade, os sinos das igrejas começaram a tocar, nervosamente. Como especialistas no assunto, os padres chegaram a opinar na correta instalação de trincheiras e não se cansavam de arengar os moradores. “Coragem, rapaziada, que a vitória vai ser nossa”, diziam. Do alto da torre da igreja, atiradores despejavam uma chuva de balas sobre os bandoleiros. Na contenda, Lampião perdeu dois homens: Colchete, morto em combate, e Jararaca, baleado alguns dias depois e enterrado vivo. O segundo hoje é venerado como santo.

Nem a morte os separa

Cruel e valente como o chefe, Corisco, morto em combate com os soldados de José Rufino dois anos depois de Virgulino, deu muitas mostras em vida de seu apego à religião. A maior de todas, sem dúvida, foi oferecer o filho, Sílvio Hermano Bulhões, para ser criado pelo padre José Hermano Bulhões, de Santana do Ipanema (AL). Corisco jamais chegou a conhecer pessoalmente o sacerdote. Sílvio foi entregue ao padre com 9 dias de idade. Hoje com 67 anos, vive em Maceió e prepara um livro para contar a história de sua vida.

Mesmo antes de entregar o filho ao padre, Corisco e Dadá haviam protagonizado outra história interessante no trato com os religiosos. Certa noite, o padre José Bruno da Rocha, de Porto da Folha (SE), recebeu de um morador de fazenda um pedido para dar a extrema-unção a um moribundo. A cavalo, o sacerdote acompanhou o homem. Ao chegar na fazenda, próxima à cidade, não encontrou nenhuma pessoa à beira da morte, mas Corisco e Dadá, o segundo casal mais famoso do cangaço. Sem oferecer resistência, José Bruno casou os dois.

Quando da adoção, a carta enviada por Corisco ao padre José Hermano, relembra Sílvio Hermano, continha muitos traços de religiosidade. “Padre, receba o nosso filhinho. A madrinha dele é Nossa Senhora e o padrinho é o senhor mesmo”, escreveu o bandoleiro. “Apesar de viver em um meio de total violência, papai fazia questão de manter seus princípios religiosos”, comenta Sílvio. Dadá, que o filho conheceu somente aos 18 anos, revelou que Corisco, assim como Lampião, mantinha o hábito de rezar no fim da tarde.

Sílvio Bulhões filho de Corisco e Dadá

Na casa do pai de criação, no entanto, o assunto cangaço era um tema tabu, sobre o qual ninguém falava. Depois de adulto, Sílvio teve uma grande oportunidade para retribuir o carinho dos pais biológicos, que o salvaram da morte certa nas difíceis condições de vida na caatinga ao entregá-lo ao padre Bulhões. No fim da década de 70, ele liderou uma campanha, enfim vitoriosa, para enterrar as cabeças de Lampião, Maria Bonita, Corisco e mais um grupo de cangaceiros. Diretor do Museu Etnológico da Bahia, o médico e pesquisador Estácio de Lima queria manter as cabeças para pesquisas.

Depois do enterro coletivo das cabeças, o crânio de Cristino Gomes da Silva Cleto, o Corisco, foi retirado de um carneiro (espécie de urna) e enterrado em um túmulo da família. 

Dadá assistindo a retirada dos ossos de Corisco

Algum tempo depois, Dadá, cujo nome verdadeiro era Sérgia Maria da Conceição, deu-lhe um enterro de highlander ao levar para o cemitério Quinta dos Lázaros, em Salvador, os ossos do marido retirados de uma cova em Miguel Calmon (BA). Os ossos e a cabeça foram novamente reunidos e enterrados juntos.

Fonte: Sindicato dos bancários do Estado de São Paulo !


Fonte: facebook
Página: Adauto Silva

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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