Por Rangel Alves
da Costa*
Certa feita,
lá pelas bandas do Rachado do Xiquexique, em meio uma imensidão de quipá de
ponta cortante, catingueira revoltosa, cobra e espinho valente, aconteceu de um
estranho adentrar no ninho cangaceiro e ser preciso tempo e o tino de Virgulino
Lampião para que o forasteiro arribasse de lá sem provocar problemas maiores.
Tudo começou depois que o Coronel Sinhô Bendegó enviou uma missiva ao Capitão, e com ela um rapazote. Na carta, o poderoso sertanejo, após afirmar que estava esperando a visita do amigo e se mantendo sempre de portas abertas para auxiliar no que fosse preciso, afirmou que ficaria deveras satisfeito se o grande senhor das caatingas aceitasse aquele portador no seu bando, ao menos por uns tempos, por experiência.
E falou também sobre as qualidades do pretendente a cangaceiro. “É parente duma rapariga minha, mas que já se ajoelhou diante da botina e foi abençoado. Teve que fazer experiência em tocaia e só não derrubou um cabra porque o trabalho era muito importante pra ser feito por amador. É novo, mas já é muito estudado, tendo me falado dumas coisas que num entendo muito, mas que aí no bando tudo vai ser decifrado. Um negócio de guerrilha, de tática psicológica de enfraquecimento do inimigo, de estratégia camuflada e um monte de outras coisas. Sei que tudo aí é diferente, mas creio que se for aceito terá uma iniciação que o transformará num grande combatente. Mas é mandão. E se deixar ele vai querer ser mais esperto e importante que muita gente que já vive no rastro do espinho desde mais de dez anos. Desse modo, deixo ao seu entendimento sobre a aceitação ou não. De qualquer modo, tenha nesse velho senhor o amigo de sempre. Não só amigo como defensor de sua justa causa”.
A verdade é
que Lampião não gostava de aceitar qualquer um no bando, principalmente quando
não se tratava de sertanejo autêntico, conhecedor daqueles carrascais e
veredas. Não dizia a ninguém, mas tinha predileção por aqueles que abraçavam a
vida cangaceira porque tido como injustiçado ou revoltado com a opressão
mantida pelos poderes frente ao pobre homem da terra. Estes sim, estes já
chegavam com motivos para lutar. Mas a situação do rapazinho era diferente,
pois enviado por um grande e poderoso amigo, fornecedor não só de armas e
munições como do que fosse necessário à luta.
O rapazinho
acabou sendo aceito, mesmo que a maioria do bando o olhasse com desconfiança
desde sua chegada. Mas tudo começou a azedar já no dia seguinte, quando o
novato tencionou ensinar como a cangaceirama deveria se comportar na iminência
da chegada do inimigo. Teve cangaceiro que mirou no fundo dos olhos e, cuspindo
fogo, perguntou quem ele achava que era pra querer ensinar a bicho do mato como
esperar e enfrentar cobra ruim. E disse mais: Acho mió vosmicê aprender cum
nóis ou vortá agorinha mermo pá donde num devia ter saído.
No dia
seguinte mais um problema no bando, eis que o novato chamou dois cangaceiros
num canto e disse que seria útil e necessário que aprendessem a fabricar bombas
e abrir trincheiras. Falou em arma química, em artefato incendiário e gás
venenoso. E também em engenharia de guerra e barricadas. Os cangaceiros ali
presentes, sem entender nada do relatado, simplesmente perguntaram se tudo
aquilo tinha validade quando o inimigo de repente surgisse detrás dum paredão
de pedra ou de um tufo de mato.
Mas o
rapazinho não se deu por satisfeito. Vendo um cangaceiro limpando a arma,
chegou perto e quis ensinar como movimentá-la mais rapidamente e como renovar a
munição sem perda de tempo. Era como ensinar ferreiro a forjar ferro. E o
valente das caatingas deu sua resposta. Levantou sua tasca-fogo até as fuças do
abusado e perguntou se queria que mostrasse como se mata um safado.
O mal-estar já
estava espalhado, não havia jeito. Nenhum cangaceiro queria ter o novato por
perto. Não somente isso, pois já procuravam um modo, mesmo sem o conhecimento
do líder cangaceiro, de fazer com que o cabra arribasse dali. Contudo,
precavido, alguém disse que seria de mais acerto relatar as ocorrências ao
próprio Capitão.
Após ligeira
conferência nos afastados do mato, Lampião disse que tinha conhecimento de
tudo, desde o início e até já sabia o que fazer. Ou melhor, como aquela intriga
chegaria ao fim. Afirmou, por fim, que bastaria o primeiro confronto com a
volante e o rapazinho enviado pelo coronel encontraria seu verdadeiro destino.
Dito e feito.
Quando na Ribeira da Égua a macacada foi avistada e o bando preparou-se para
atacar, assim que o fogo começou, numa violência de não deixar toco de pau em
pé, o novato se tomou de um medo tão grande que se danou a correr desembestado
por outra direção. Corria que parecia um louco gritando que queria mamãe,
queria papai, que queria o coronel. E nunca mais foi visto pelos sertões
catingueiros.
Depois do fogo
assentado, da chama apagada, um cangaceiro se deu conta da ausência do
rapazinho e perguntou se teria sido baleado e ficado pra trás. Mas Lampião logo
disse: Bastou o primeiro tempo ruim pra fugir de medo. Eu sabia que ia ser
assim. Só é cangaceiro aquele que nasceu com o suor sertanejo na veia. Só
suporta a batalha aquele que luta em nome do sertão como um parente que foi
açoitado. E quem não se reconhecer assim não pode ser cangaceiro nem prosseguir
nessa vindita de sangue debaixo da lua e sol.
Poeta e
cronista
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