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terça-feira, 24 de março de 2015

A VINGANÇA DE PONTO FINO

   CB Jorge PMPR-RR “Saudações Militares”

Nordeste brasileiro novembro  1919, em  uma região agrícola na cabeceira do Rio Pajeú,  entre Brejinho e a cidade de Itapemirim,  encontravam-se  morando  em uma pequena  propriedade, o pacato João Ferreira com sua família e o casula que estava a seus cuidados, o menor de 11 anos  Ezequiel Ferreira da Silva, irmãos de Lampião isto é; uma fração do que sobrou  da infeliz família de Virgulino a qual foi quase dizimada pelo poder dos coronéis e das autoridades governamentais, tal como o  covarde oficial de polícia  José  Lucena e sua  alcateia de raposas  carniceiras, digo; soldados  volantes que a seu comando  atacaram, assassinaram  e causaram   a morte dos seus genitores. Este ato  atroz e desumano foi  a causa de Virgulino, Antônio, Levino e posteriormente o jovem Ezequiel a entrarem para as fileiras do cangaço.
          
Junho  de 1922, enquanto Lampião e seus irmãos seguiam o banditismo  numa sangrenta saga de cruéis, prélios e refregas;  João Ferreira laborava duro na  porcentagem  em terras arrendadas, cultivando  lavouras de feijão e milho. O trabalho era duro, e o pequeno Ezequiel   com 14 anos ajudava João nos deveres menos pesado tal como, abastecer com água os reservatórios, dar de beber e alimentar os animais, afiar as ferramenta, transportar a colheita nas carroças e ainda aos sábados e  domingos, ele  ganhava um dinheirinho  pastoreando cabras, para um homem também arrendatário de terras, por nome Olegário Damasceno que  era casado com a norte rio-grandense  Jovita da Conceição e ambos  pai de uma única filha, a bela e formosa adolescente Socorro da Conceição Damasceno, pois todos eram moradores daquela mesma propriedade. Este senhor era um baiano muito forte, não gostava de armas de fogo e só usava na cintura, um facão jacaré de 22 polegadas no qual era muito hábil pois executava com traquejo os vinte e cinco pontos os quais eram golpes de ataque e defesa acompanhados de rápidos movimentos mistos de capoeira com jingas e esquivas. Numa tarde de abril  Ezequiel  ajudava  a jovem Socorro  a tanger o rebanho  de cabras por uma veredinha no sopé de uma  serra quando notou que um bode  velho com sincero  que ia  à frente deu  uma refugada e daí todo o rebanho parou, Ezequiel prevendo o perigo pediu para a moça se proteger entre as fendas das rochas, em seguida pegou seu bodoque de pau de quixabeira  e seguiu  em frente para ver o que era; e  mais adiante notou imóvel, bem camuflada entre os galhos da candeia, uma onça suçuarana pronta para saltar sobre um caprino do rebanho quando ali passasse. Ezequiel se deslocou  rastejando  escuso entre os xiquexiques e quipáz, até que achou uma posição segura e confortável par executar seu intento; e pegando no seu bornal um pedregulho  redondo e sólido, pôs sobre a malha de couro e segurando firme o arco, puxou  os cordões  flexionando  ao extremo a madeira do bodoque, visando como alvo a cara do felino, desferiu a pedrada, o projétil sibilou no ar e certeiro atingiu violentamente cravando assim o quartzo na cova do olho esquerdo da fera, que num salto rugiu e  sumiu estonteante entre a vegetação espinhosa daqueles  sertões e serranias. Chegando à casa da moça, enquanto Ezequiel  recolhia os caprinos no aprisco, Socorro colocava seus pais a par do caso ocorrido durante o serviço. Olegário foi então questionar o rapaz, e depois de ouvi-lo mesmo assim, apesar da dúvida o homem deu um pouco mais de credibilidade ao moço.
            
Ezequiel amava Socorro, mas nunca insinuou nem demonstrou qualquer sentimento ou interesse por ela, pois seus pais eram enérgicos e rígidos na questão da disciplina de sua filha.     
     
Junho de 1924, Ezequiel  com seu jeito sério e responsável, pouco a pouco foi  conquistando a confiança dos pais e também despertando a simpatia da filha que já começava a gostar dele. Dona Jovita tinha pelo rapaz o mesmo zelo que tinha pela filha, e seu marido o experiente baiano, além de lhe passar todo seu conhecimento sobre animais e agricultura, por fim; nas horas de folga  adestrava o moço ensinando-lhes a manusear o facão como ele, e o jovem aprendeu rápido as lições ficando traquejado nos golpes e movimentos.  Certa tarde quando Ezequiel chegou com o rebanho de cabras, o velho lhe chamou para fazer um teste e ver se o rapaz estava apto com a arma  de lâmina corto contundente. Chegando debaixo de um cajueiro ele mostrou a Ezequiel uma casa de marimbondos amarelos, em seguida desembainhou o facão e deu ao rapaz ficando só coma bainha na mão, e assim disse: Vo faze cum ocê u mesmu qui meu veio pai feis cumigo lá na Bahia, vo cutucar as vespas cum a bainha, i elas vão  si arvoroçar  e atacar nois, i você terá qui nus protege rebatendo us insetos cum pranchadas di facão,i cada ferroada qui eu leva, vo lhi da um lambada nas costas  cum a bainha du facão, ta pronto intão? Ezequiel confirmou com um gesto, e Olegário assim o fez. Os marimbondos enfurecidos atacavam em todas as direções, e o jovem como um raio os abatia ora repeliam com golpes precisos, ação esta que duro uns cinco minutos, e quando tudo acabou Olegário surpreso disse ao jovem: Parabéns meu fio, ocê conseguiu! Vo compra um bicho desse  e te darei di presenti, é só ieu vender meu feijão. Ezequiel  felicíssimo  agradeceu.
        
Ezequiel vinha com a carroça cheia de lenha, muitas abóboras e algumas raízes de macaxeira, e  bem lá no ermo na baixada, encontrou-se com a jovem  Socorro que vinha pastoreando as cabras. Era tarde de setembro, e o mulungu com suas flores vermelhas e aromáticas contrastavam com o por do sol no horizonte, a viração morna da tarde espalhava tal  perfume pelas caatingas sem fronteiras, o calor sufocante era insuportável mas; ah! O riacho, a pequena cachoeira de águas límpidas e fresquinhas, e dois jovens adolescentes lascivos e com os hormônios aflorando na pele, meu Deus! Dizem que os olhos é o espelho da alma e se comunicam através do instinto, e assim foi então; após um olhar o beijo desajeitado e a timidez fora  vencida pela tentação, a vontade  e o desejo.
    
E após se despirem, saltaram nas águas do riacho, Socorro abraçava forte Ezequiel e o beijava  loucamente com sua boca pequena de lábios grossos e carnudos, seus fartos seios com mamilos enrijecidos, pareciam explodir junto ao peito do rapaz que também a apertava segurando-a de todas as formas, abraçando-a por trás; deslizava sua mão pela cinturinha delgada de nádegas robusta e acariciando seu baixo ventre; e ela como uma raposa no cio parecia querer homogeneizar seus corpos, e nessa recíproca de prazer intenso no ápice da  volúpia;  consumaram o coito. O inhambu chororó dava o ultimo piado para o repouso, enquanto o rubro crepúsculo da tarde maquilava a boca da noite, esta; os blindava com o frescor de uma brisa perfumada, assim logo que regressaram para casa. Ezequiel seguiu até o paiol para descarregar a carroça e cuidar dos animais; Socorro foi  ao rancho ajudar  sua  mãe, e nisso chega Olegário que havia ido buscar querosene na casa de um vizinho por nome Zé Catueira, e apeando da montaria chamou e perguntou a Ezequiel: Fio no  mês passado você mi falô qui acertou com uma pedra di seu bodoque a cara de uma bodeira não foi? Após o rapaz confirmar, Olegário disse: Eu vi a tar onça morta na casa du meu amigo, eles a mataram e estavam tirando u couro dela; a bicha era grandi i estava sega di um ôio por modi um ferimento, i pode ser tarveis a pedrada du seu bodoque, não é? Ezequiel feliz, só confirmou com um gesto. E Olegário ficou muito satisfeito por ver que o rapaz não havia mentido a ele.  
   
Os meses se passaram rapidamente e todo o feijão colhido foi ensacado e estocado em sacas de sessenta kg, deixando repleto o celeiro, a safra foi excelente e o trabalho redobrado foi compensador. O Sr. Emerênciano Goveia, proprietário das terras arrendada, chegou para fazer o acerto com Olegário, e após receber a sua porcentagem, ainda comprou todo o resto da produção, pagando lhe um ótimo preço em dinheiro a vista, pois o velho era justo e honesto.
   
Ah! Meu Padrim Cirço, quantas felicidades! Amanhã de madrugada, sairemos todos juntos de carroça com destino  a São José do Egito para fazer compras. E assim foi feito. Após viajarem muitas horas, já à tardinha chegaram à supracitada cidade pernoitando todos na casa de um parente. No outro dia bem cedo após o dejejum, foram às compras se dirigindo às casas comercias no centro da cidade. Compraram de tudo e ainda sobrou muito dinheiro, mas do que Ezequiel mais gostou; foi o presente que ganhou de Olegário  um facão Collins de 22 pol.
    
Quando passaram de fronte a um bar para chegarem até a uma casa  de secos e molhados, que ficava do outro lado da rua, um dos soldados que fazia parte de grupo de policiais volantes que chegaram da Capital para combater os cangaceiros nas caatingas, e que ali se estavam na maior bebedeira, este já bem embriagado se dirigiu até a mocinha Socorro lhe fazendo gracejos e proferindo  palavras obscenas. O pai de Socorro prevendo pelo pior, ignorou a praça seguindo em frente, mais o militar bêbado os seguiu  pelas ruas desacatando a família. Ao dobrarem a esquina o tal miliciano os alcançou e começou de novo a provoca-los, chegando até tocar com as mãos os fartos seios de da moça; que o repeliu com um tapa no rosto, foi ai que Ezequiel entrou em ação, desferindo lhe um forte chute no escroto e uma joelhada na cara, deixando-o nocauteado sobre o chão. Um aglomerado de pessoas se juntou rapidamente ali no local, enquanto isso os outros policias vieram todos para ver o que havia acontecido com o companheiro. O sargento que comandava a volante ao ser informado  do que havia ocorrido, já de imediato deu voz de prisão ao rapaz, mesmo sabendo que ele estava com razão. Então os militares embriagados conduziram o jovem preso  para o destacamento policial, trancafiando o no xadrez da delegacia da cidade. Durante a noite fizeram a maior crueldade com o rapaz, além de muito espanca-lo, ainda o humilharam ao extremo. Na manhã do outro dia o Sr. Olegário junto de seu parente mais uma autoridade política da cidade foi até à delegacia e libertaram o rapaz que se encontrava com o corpo todo dolorido pela surra que havia levado.
      
Ezequiel marcou bem a cara de seu algoz; um soldado alto, branco e sardento, seus olhos  eram bem azuis e os cabelos dourados de carapinha, tinha dois incisivos de ouro, e atendia pelo nome Pedro Aço, era um negro albino. Olegário ajeitou Ezequiel num canto da carroça repleta de mercadorias, e trouxe o rapaz todo estropeado que foi se contorcendo de dor pelo caminho, isto é; a cada solavanco  das rodas da carroça nas pedras da estrada. E assim sem demonstrar dor, o jovem permaneceu calado até chegarem ao rancho, dai capengando e com a autoestima em pedaços, Ezequiel foi deitar se em sua tarimba na tuia perto do estabulo,  e lá permaneceu de molho por algum tempo e sob os cuidados daquela família se recuperou. Dias após já reestabelecido, Ezequiel começou a trabalhar novamente, mas não tirava da cabeça a fisionomia irônica do militar que o agrediu sem lhe dar chance de defesa. Um dia quando o jovem pastoreava o rebanho de caprinos, avistou debaixo de uma moita de xique-xiques, uma  coral verdadeira, a serpente mais perigosa e peçonhenta das Américas. Pensando em algo bem cruel para realizar sua vingança, com todo o cuidado ele capturou o réptil  e com muita cautela a trouxe viva dentro do seu bornal de couro, até chegarem ao rancho onde ele morava.  
      
Chegando ao ranho, Ezequiel pegou seu punhal e segurando com cuidado a cobra perto da cabeça, foi vagarosamente lhe introduzindo a lâmina da sua arma goela a baixo, fazendo do corpo da serpente uma bainha, escondendo-a em seguida no oco de um angico, deixando ali até apodrecer  totalmente. Dias após, o jovem voltou até o local e pegando o punhal envolto na carcaça seca da cobra, enterrou-o em um formigueiro deixando ali por mais um bom  tempo. E quando o desenterrou, notou que estava limpinho e a lâmina apresentava-se oxidada com um tom azulado. Ezequiel guardou a arma infectada dentro de um canudo de taquara.
    
O tempo foi passando e os  dias alimentavam a cada hora, ainda mais o espírito de vingança que crescia a cada minuto no coração do jovem Ezequiel, que também contava até os segundos para chegar o momento de  retornar á cidade e realizar seu revide. Então em uma tarde de março, Olegário precisou ir até a cidade para buscar alguns suprimentos, e convidou Ezequiel para lhe fazer companhia, o jovem suspirou fundo  pois estava chegando a hora de realizar seu intento. Levarei  meu punhal envenenado ah! Desta vez o cão me paga! Pensou...  
     
Chegando a cidade, Olegário foi a uma oficina  soldar a lâmina de um  arado e Ezequiel até á sapataria  para comprar uma botina e um presente pra Socorro. Mas seu coração gelou ao ver sentado em um banco da praça, a praça que o hostilizou. “Quem bate esquece, quem apanha se lembra” assim diz um velho ditado. Ezequiel sorrateiro foi se aproximando do tal soldado e quando estava bem próximo, indagou: Você se lembra de mim cabra? O militar talvez por estar bêbado no dia do fato não o reconheceu, só sorriu mostrando os dentes de ouro que reluziram ao sol. Ezequiel que já estava de posse do punhal, num gesto súbito lhes desferiu um golpe  certeiro bem na boca do estômago, quando ele se abaixou mostrando as costas; o jovem o golpeou novamente em cima da espinha dorsal, e ao tentar  se levantar mas ainda de joelho, Ezequiel deu lhe a punhalada fatal perfurando profundamente entre a clavícula e a omoplata, causando lhe o óbito. Após deixar o soldado inerte no chão, jovem cravou o punhal em um coqueiro que ali existia, depois  correu até onde estava a carroça desarreou o cavalo, colocou o cabresto e  fugiu a galope embrenhado se nas caatingas, seguindo rumo ignorado. Houve na cidade uma grande confusão, um cabo e cinco soldados seguiram no encalço do criminoso, o delegado e o sargento ficaram para cuidar do corpo e ouvir as testemunhas, Olegário após ser interrogado foi liberado e voltou para sua casa. Fato estranho foi que não saiu uma gota de sangue dos ferimentos da vítima, e o corpo ficou preto igual carvão, o coqueiro que também foi atingido pelo punhal envenenado, morreu  após uma semana secando até as raízes. Ezequiel foi para a casa do seu padrinho em um povoado por nome Curralinho, onde trocou a cavalgadura, pegou um rifle papo amarelo com mais de 200 cartuchos  cal. 44.38, suprimentos para uma semana e de lá seguiu com destino a uma região perto de Afogados de Ingazeira, onde encontrou se com seu irmão Virgulino o cangaceiro “Lampião” que após ouvir sua história; mesmo contra a sua vontade o aceitou no bando. Após seu batismo de fogo, o Rei do Cangaço o apelidou de “Ponto Fino” devido a seu traquejo com armas e a requintada pontaria.
    
Depois de cinco anos cavalgando junto ao bando de Lampião, ao passarem por uma propriedade rural, Ponto Fino reconheceu sua amada Socorro que junto de um lindo menininho apanhava água em uma cacimba, ela reconhecendo  Ezequiel ordenou à criança que pedisse benção ao cangaceiro, ele abençoando o menino  compreendeu tudo, e pegando na carteira uma soma considerável em dinheiro, deu a ela; saindo após sem dizer uma palavra sequer, isso sob o olhar caótico do Rei do Cangaço. Um pranto rolou dos olhos de Ponto Fino. 

Francisco Carlos Jorge de Oliveira é Cabo da Polícia Militar do Paraná e pesquisador do cangaço.

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

5 comentários:

  1. Anônimo19:25:00

    Caro Mendes: Fiquei feliz em ler mais um grande texto do pesquisador Cabo Francisco Jorge Oliveira. Há dias ou meses, ele não se fazia presente. MUITO GRATO COMPANHEIRO CABO OLIVEIRA.
    Antonio Oliveira - Serrinha

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  2. Bom dia , Mendes! Encantada com seu blog, uma primorosa contribuição Literária encontro aqui. Sou fá ardorosa da história desse bravo cangaceiro.
    Estou seguindo seu blog, se puder visite-me.
    Abçs aqui de Caicó.

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  3. Dina Fernandes, não consegui postar algo em sua página, mas muito obrigado pelo elogio ao nosso blog. Sempre as suas ordens.

    José Mendes Pereira

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  4. Anônimo15:30:00

    Boa tarde,querido Mendes :fiquei muito feliz ao ler esse texto do meu querido amigo,Cabo Francisco Jorge Oliveira.Parabéns amigo lindo texto
    Edijania santos:Upanema

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  5. Edijania Santos, eu também gosto muito dos textos do Cabo de Polícia Militar Francisco Carlos Jorge de Oliveira. São excelentes.

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