CB Jorge PMPR-RR “Saudações Militares”
Nordeste
brasileiro novembro 1919, em uma região agrícola na cabeceira do
Rio Pajeú, entre Brejinho e a cidade de Itapemirim,
encontravam-se morando em uma pequena propriedade, o pacato
João Ferreira com sua família e o casula que estava a seus cuidados, o menor de
11 anos Ezequiel Ferreira da Silva, irmãos de Lampião isto é; uma fração
do que sobrou da infeliz família de Virgulino a qual foi quase dizimada
pelo poder dos coronéis e das autoridades governamentais, tal como o covarde
oficial de polícia José Lucena e sua alcateia de
raposas carniceiras, digo; soldados volantes que a seu
comando atacaram, assassinaram e causaram a morte dos
seus genitores. Este ato atroz e desumano foi a causa de Virgulino,
Antônio, Levino e posteriormente o jovem Ezequiel a entrarem para as fileiras
do cangaço.
Junho de 1922, enquanto Lampião e seus irmãos seguiam o banditismo
numa sangrenta saga de cruéis, prélios e refregas; João Ferreira laborava
duro na porcentagem em terras arrendadas, cultivando lavouras
de feijão e milho. O trabalho era duro, e o pequeno Ezequiel com 14
anos ajudava João nos deveres menos pesado tal como, abastecer com água os
reservatórios, dar de beber e alimentar os animais, afiar as ferramenta,
transportar a colheita nas carroças e ainda aos sábados e domingos, ele
ganhava um dinheirinho pastoreando cabras, para um homem também
arrendatário de terras, por nome Olegário Damasceno que era casado com a
norte rio-grandense Jovita da Conceição e ambos pai de uma única
filha, a bela e formosa adolescente Socorro da Conceição Damasceno, pois todos
eram moradores daquela mesma propriedade. Este senhor era um baiano muito
forte, não gostava de armas de fogo e só usava na cintura, um facão jacaré de
22 polegadas no qual era muito hábil pois executava com traquejo os vinte e
cinco pontos os quais eram golpes de ataque e defesa acompanhados de
rápidos movimentos mistos de capoeira com jingas e esquivas. Numa tarde de
abril Ezequiel ajudava a jovem Socorro a tanger o
rebanho de cabras por uma veredinha no sopé de uma serra quando notou
que um bode velho com sincero que ia à frente deu uma
refugada e daí todo o rebanho parou, Ezequiel prevendo o perigo pediu para a
moça se proteger entre as fendas das rochas, em seguida pegou seu bodoque de
pau de quixabeira e seguiu em frente para ver o que era; e
mais adiante notou imóvel, bem camuflada entre os galhos da candeia, uma
onça suçuarana pronta para saltar sobre um caprino do rebanho quando ali
passasse. Ezequiel se deslocou rastejando escuso entre os xiquexiques
e quipáz, até que achou uma posição segura e confortável par executar seu
intento; e pegando no seu bornal um pedregulho redondo e sólido, pôs
sobre a malha de couro e segurando firme o arco, puxou os cordões
flexionando ao extremo a madeira do bodoque, visando como alvo a
cara do felino, desferiu a pedrada, o projétil sibilou no ar e certeiro atingiu
violentamente cravando assim o quartzo na cova do olho esquerdo da fera, que
num salto rugiu e sumiu estonteante entre a vegetação espinhosa
daqueles sertões e serranias. Chegando à casa da moça, enquanto
Ezequiel recolhia os caprinos no aprisco, Socorro colocava seus pais a
par do caso ocorrido durante o serviço. Olegário foi então questionar o rapaz,
e depois de ouvi-lo mesmo assim, apesar da dúvida o homem deu um pouco
mais de credibilidade ao moço.
Ezequiel amava Socorro, mas nunca insinuou nem demonstrou qualquer sentimento
ou interesse por ela, pois seus pais eram enérgicos e rígidos na questão da
disciplina de sua filha.
Junho de 1924, Ezequiel com seu jeito sério e
responsável, pouco a pouco foi conquistando a confiança dos pais e também
despertando a simpatia da filha que já começava a gostar dele. Dona Jovita
tinha pelo rapaz o mesmo zelo que tinha pela filha, e seu marido o experiente
baiano, além de lhe passar todo seu conhecimento sobre animais e agricultura,
por fim; nas horas de folga adestrava o moço ensinando-lhes a manusear o
facão como ele, e o jovem aprendeu rápido as lições ficando traquejado nos
golpes e movimentos. Certa tarde quando Ezequiel chegou com o rebanho de
cabras, o velho lhe chamou para fazer um teste e ver se o rapaz estava apto com
a arma de lâmina corto contundente. Chegando debaixo de um cajueiro ele
mostrou a Ezequiel uma casa de marimbondos amarelos, em seguida desembainhou o
facão e deu ao rapaz ficando só coma bainha na mão, e assim disse: Vo faze cum
ocê u mesmu qui meu veio pai feis cumigo lá na Bahia, vo cutucar as vespas cum
a bainha, i elas vão si arvoroçar e atacar nois, i você terá qui
nus protege rebatendo us insetos cum pranchadas di facão,i cada ferroada qui eu
leva, vo lhi da um lambada nas costas cum a bainha du facão, ta pronto
intão? Ezequiel confirmou com um gesto, e Olegário assim o fez. Os marimbondos
enfurecidos atacavam em todas as direções, e o jovem como um raio os abatia ora
repeliam com golpes precisos, ação esta que duro uns cinco minutos, e quando
tudo acabou Olegário surpreso disse ao jovem: Parabéns meu fio, ocê conseguiu!
Vo compra um bicho desse e te darei di presenti, é só ieu vender meu
feijão. Ezequiel felicíssimo agradeceu.
Ezequiel vinha com a carroça cheia de lenha, muitas abóboras e algumas raízes
de macaxeira, e bem lá no ermo na baixada, encontrou-se com a jovem
Socorro que vinha pastoreando as cabras. Era tarde de setembro, e o
mulungu com suas flores vermelhas e aromáticas contrastavam com o por do sol no
horizonte, a viração morna da tarde espalhava tal perfume pelas caatingas
sem fronteiras, o calor sufocante era insuportável mas; ah! O riacho, a pequena
cachoeira de águas límpidas e fresquinhas, e dois jovens adolescentes lascivos
e com os hormônios aflorando na pele, meu Deus! Dizem que os olhos é o espelho
da alma e se comunicam através do instinto, e assim foi então; após um olhar o
beijo desajeitado e a timidez fora vencida pela tentação, a vontade
e o desejo.
E após se despirem, saltaram nas águas do riacho, Socorro abraçava forte
Ezequiel e o beijava loucamente com sua boca pequena de lábios grossos e
carnudos, seus fartos seios com mamilos enrijecidos, pareciam explodir junto ao
peito do rapaz que também a apertava segurando-a de todas as formas,
abraçando-a por trás; deslizava sua mão pela cinturinha delgada de nádegas
robusta e acariciando seu baixo ventre; e ela como uma raposa no cio parecia
querer homogeneizar seus corpos, e nessa recíproca de prazer intenso no ápice
da volúpia; consumaram o coito. O inhambu chororó dava o ultimo
piado para o repouso, enquanto o rubro crepúsculo da tarde maquilava a boca da
noite, esta; os blindava com o frescor de uma brisa perfumada, assim logo que
regressaram para casa. Ezequiel seguiu até o paiol para descarregar a carroça e
cuidar dos animais; Socorro foi ao rancho ajudar sua mãe, e
nisso chega Olegário que havia ido buscar querosene na casa de um vizinho por
nome Zé Catueira, e apeando da montaria chamou e perguntou a Ezequiel: Fio
no mês passado você mi falô qui acertou com uma pedra di seu bodoque a
cara de uma bodeira não foi? Após o rapaz confirmar, Olegário disse: Eu vi a
tar onça morta na casa du meu amigo, eles a mataram e estavam tirando u couro
dela; a bicha era grandi i estava sega di um ôio por modi um ferimento, i pode
ser tarveis a pedrada du seu bodoque, não é? Ezequiel feliz, só confirmou com
um gesto. E Olegário ficou muito satisfeito por ver que o rapaz não havia
mentido a ele.
Os meses se passaram rapidamente e todo o feijão colhido foi ensacado e
estocado em sacas de sessenta kg, deixando repleto o celeiro, a safra foi
excelente e o trabalho redobrado foi compensador. O Sr. Emerênciano Goveia,
proprietário das terras arrendada, chegou para fazer o acerto com Olegário, e
após receber a sua porcentagem, ainda comprou todo o resto da produção, pagando
lhe um ótimo preço em dinheiro a vista, pois o velho era justo e honesto.
Ah! Meu Padrim Cirço, quantas felicidades! Amanhã de madrugada, sairemos todos
juntos de carroça com destino a São José do Egito para fazer compras. E
assim foi feito. Após viajarem muitas horas, já à tardinha chegaram à
supracitada cidade pernoitando todos na casa de um parente. No outro dia bem
cedo após o dejejum, foram às compras se dirigindo às casas comercias no centro
da cidade. Compraram de tudo e ainda sobrou muito dinheiro, mas do que Ezequiel
mais gostou; foi o presente que ganhou de Olegário um facão Collins de 22
pol.
Quando passaram de fronte a um bar para chegarem até a uma casa de secos
e molhados, que ficava do outro lado da rua, um dos soldados que fazia parte de
grupo de policiais volantes que chegaram da Capital para combater os
cangaceiros nas caatingas, e que ali se estavam na maior bebedeira, este já bem
embriagado se dirigiu até a mocinha Socorro lhe fazendo gracejos e proferindo
palavras obscenas. O pai de Socorro prevendo pelo pior, ignorou a praça
seguindo em frente, mais o militar bêbado os seguiu pelas ruas
desacatando a família. Ao dobrarem a esquina o tal miliciano os alcançou e
começou de novo a provoca-los, chegando até tocar com as mãos os fartos seios
de da moça; que o repeliu com um tapa no rosto, foi ai que Ezequiel entrou em
ação, desferindo lhe um forte chute no escroto e uma joelhada na cara,
deixando-o nocauteado sobre o chão. Um aglomerado de pessoas se juntou
rapidamente ali no local, enquanto isso os outros policias vieram todos para
ver o que havia acontecido com o companheiro. O sargento que comandava a
volante ao ser informado do que havia ocorrido, já de imediato deu voz de
prisão ao rapaz, mesmo sabendo que ele estava com razão. Então os militares
embriagados conduziram o jovem preso para o destacamento policial,
trancafiando o no xadrez da delegacia da cidade. Durante a noite fizeram a
maior crueldade com o rapaz, além de muito espanca-lo, ainda o humilharam ao
extremo. Na manhã do outro dia o Sr. Olegário junto de seu parente mais uma
autoridade política da cidade foi até à delegacia e libertaram o rapaz que se
encontrava com o corpo todo dolorido pela surra que havia levado.
Ezequiel marcou bem a cara de seu algoz; um soldado alto,
branco e sardento, seus olhos eram bem azuis e os cabelos dourados de
carapinha, tinha dois incisivos de ouro, e atendia pelo nome Pedro Aço, era um
negro albino. Olegário ajeitou Ezequiel num canto da carroça repleta de
mercadorias, e trouxe o rapaz todo estropeado que foi se contorcendo de dor
pelo caminho, isto é; a cada solavanco das rodas da carroça nas pedras da
estrada. E assim sem demonstrar dor, o jovem permaneceu calado até chegarem ao
rancho, dai capengando e com a autoestima em pedaços, Ezequiel foi deitar se em
sua tarimba na tuia perto do estabulo, e lá permaneceu de molho por algum
tempo e sob os cuidados daquela família se recuperou. Dias após já
reestabelecido, Ezequiel começou a trabalhar novamente, mas não tirava da
cabeça a fisionomia irônica do militar que o agrediu sem lhe dar chance de defesa.
Um dia quando o jovem pastoreava o rebanho de caprinos, avistou debaixo de uma
moita de xique-xiques, uma coral verdadeira, a serpente mais perigosa e
peçonhenta das Américas. Pensando em algo bem cruel para realizar sua vingança,
com todo o cuidado ele capturou o réptil e com muita cautela a trouxe
viva dentro do seu bornal de couro, até chegarem ao rancho onde ele morava.
Chegando ao ranho, Ezequiel pegou seu punhal e segurando com cuidado a cobra
perto da cabeça, foi vagarosamente lhe introduzindo a lâmina da sua arma goela
a baixo, fazendo do corpo da serpente uma bainha, escondendo-a em seguida no
oco de um angico, deixando ali até apodrecer totalmente. Dias após, o
jovem voltou até o local e pegando o punhal envolto na carcaça seca da cobra,
enterrou-o em um formigueiro deixando ali por mais um bom tempo. E quando
o desenterrou, notou que estava limpinho e a lâmina apresentava-se oxidada com
um tom azulado. Ezequiel guardou a arma infectada dentro de um canudo de
taquara.
O tempo foi passando e os dias alimentavam a cada hora, ainda mais o
espírito de vingança que crescia a cada minuto no coração do jovem Ezequiel,
que também contava até os segundos para chegar o momento de retornar á
cidade e realizar seu revide. Então em uma tarde de março, Olegário precisou ir
até a cidade para buscar alguns suprimentos, e convidou Ezequiel para lhe fazer
companhia, o jovem suspirou fundo pois estava chegando a hora de realizar
seu intento. Levarei meu punhal envenenado ah! Desta vez o cão me paga!
Pensou...
Chegando a cidade, Olegário foi a uma oficina soldar a lâmina de um
arado e Ezequiel até á sapataria para comprar uma botina e um presente
pra Socorro. Mas seu coração gelou ao ver sentado em um banco da praça, a praça
que o hostilizou. “Quem bate esquece, quem apanha se lembra” assim diz um velho
ditado. Ezequiel sorrateiro foi se aproximando do tal soldado e quando estava
bem próximo, indagou: Você se lembra de mim cabra? O militar talvez por estar
bêbado no dia do fato não o reconheceu, só sorriu mostrando os dentes de ouro
que reluziram ao sol. Ezequiel que já estava de posse do punhal, num gesto
súbito lhes desferiu um golpe certeiro bem na boca do estômago, quando
ele se abaixou mostrando as costas; o jovem o golpeou novamente em cima da
espinha dorsal, e ao tentar se levantar mas ainda de joelho, Ezequiel deu
lhe a punhalada fatal perfurando profundamente entre a clavícula e a omoplata,
causando lhe o óbito. Após deixar o soldado inerte no chão, jovem cravou o
punhal em um coqueiro que ali existia, depois correu até onde estava a
carroça desarreou o cavalo, colocou o cabresto e fugiu a galope
embrenhado se nas caatingas, seguindo rumo ignorado. Houve na cidade uma grande
confusão, um cabo e cinco soldados seguiram no encalço do criminoso, o delegado
e o sargento ficaram para cuidar do corpo e ouvir as testemunhas, Olegário após
ser interrogado foi liberado e voltou para sua casa. Fato estranho foi que não
saiu uma gota de sangue dos ferimentos da vítima, e o corpo ficou preto igual
carvão, o coqueiro que também foi atingido pelo punhal envenenado, morreu
após uma semana secando até as raízes. Ezequiel foi para a casa do seu
padrinho em um povoado por nome Curralinho, onde trocou a cavalgadura, pegou um
rifle papo amarelo com mais de 200 cartuchos cal. 44.38, suprimentos para
uma semana e de lá seguiu com destino a uma região perto de Afogados de
Ingazeira, onde encontrou se com seu irmão Virgulino o cangaceiro “Lampião” que
após ouvir sua história; mesmo contra a sua vontade o aceitou no bando. Após
seu batismo de fogo, o Rei do Cangaço o apelidou de “Ponto Fino” devido a seu
traquejo com armas e a requintada pontaria.
Depois de cinco anos cavalgando junto ao bando de Lampião, ao passarem por uma
propriedade rural, Ponto Fino reconheceu sua amada Socorro que junto de um
lindo menininho apanhava água em uma cacimba, ela reconhecendo Ezequiel
ordenou à criança que pedisse benção ao cangaceiro, ele abençoando o menino
compreendeu tudo, e pegando na carteira uma soma considerável em
dinheiro, deu a ela; saindo após sem dizer uma palavra sequer, isso sob o olhar
caótico do Rei do Cangaço. Um pranto rolou dos olhos de Ponto Fino.
Francisco Carlos Jorge de Oliveira é Cabo da Polícia Militar do Paraná e pesquisador do cangaço.
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Caro Mendes: Fiquei feliz em ler mais um grande texto do pesquisador Cabo Francisco Jorge Oliveira. Há dias ou meses, ele não se fazia presente. MUITO GRATO COMPANHEIRO CABO OLIVEIRA.
ResponderExcluirAntonio Oliveira - Serrinha
Bom dia , Mendes! Encantada com seu blog, uma primorosa contribuição Literária encontro aqui. Sou fá ardorosa da história desse bravo cangaceiro.
ResponderExcluirEstou seguindo seu blog, se puder visite-me.
Abçs aqui de Caicó.
Dina Fernandes, não consegui postar algo em sua página, mas muito obrigado pelo elogio ao nosso blog. Sempre as suas ordens.
ResponderExcluirJosé Mendes Pereira
Boa tarde,querido Mendes :fiquei muito feliz ao ler esse texto do meu querido amigo,Cabo Francisco Jorge Oliveira.Parabéns amigo lindo texto
ResponderExcluirEdijania santos:Upanema
Edijania Santos, eu também gosto muito dos textos do Cabo de Polícia Militar Francisco Carlos Jorge de Oliveira. São excelentes.
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