Autora Lucia Bastos
Quadro do
pintor paraibano Pedro Américo (óleo sobre tela, 1888) – Fonte –
pt.wikipedia.org
O Grito do
Ipiranga não teve qualquer repercussão na época.
Fonte – http://www.revistadehistoria.com.br/secao/capa/nem-as-margens-ouviram
“Independência
ou Morte!” Consagrado pela História, o Grito do Ipiranga, em 7 de setembro de
1822, quase não causou repercussão entre seus contemporâneos. Na imprensa do
Rio de Janeiro, somente o número de 20 de setembro do jornal O Espelho exaltou
“o grito acorde de todos os brasileiros”. Na prática, a Independência estava
longe de chegar.
Três séculos
depois do descobrimento, o Brasil não passava de cinco regiões distintas, que
compartilhavam a mesma língua, a mesma religião e, sobretudo, a aversão ou o
desprezo pelos naturais do reino, como definiu o historiador Capistrano de
Abreu. Em 1808, os ventos começaram a mudar. A vinda da Corte e a presença
inédita de um soberano em terras americanas motivaram novas esperanças entre a
elite intelectual luso-brasileira. Àquela altura, ninguém vislumbrava a ideia
de uma separação, mas esperava-se ao menos que a metrópole deixasse de ser tão
centralizadora em suas políticas. Vã ilusão: o império instalado no Rio de
Janeiro simplesmente copiou as principais estruturas administrativas de
Portugal, o que contribuiu para reforçar o lugar central da metrópole, agora na
América, não só em relação às demais capitanias do Brasil, mas até ao próprio
território europeu.
D. Pedro I do
Brasil, D. Pedro IV em Portugal (1782-1847), Pinacoteca do Estado de São Paulo
O auge do
questionamento das práticas do Antigo Regime aconteceu em 24 de agosto de 1820,
quando estourou a Revolução Liberal do Porto. Clamava-se por uma Constituição baseada
nas liberdades e direitos do liberalismo nascente. A revolução teve importante
eco no Brasil, por meio de uma espantosa quantidade de jornais e folhetos
políticos. Durante todo o ano de 1821, porém, não surgiu nesses impressos
qualquer proposta favorável à emancipação.
Até o início
de 1822, ninguém falava de Brasil. Ao partir para as Cortes de Lisboa, para a
discussão da Constituição do Reino, os deputados americanos pensavam apenas em
suas “pátrias locais”, ou seja, em suas províncias. Só os paulistas
demonstraram alguma preocupação em construir uma proposta para o conjunto da
América portuguesa. Nem por isso abriam mão da integridade do Reino Unido:
sugeriam o Brasil como sede da monarquia, ou então a alternância da residência
do rei entre um lado e outro do Atlântico. “Independência” significava, antes
de mais nada, autonomia.
Ao longo
daquele ano, porém, o discurso se radicalizou. A insatisfação com a metrópole
crescia, pois das Cortes vinham propostas para retomar algumas das antigas
restrições políticas e econômicas que tinham limitado a autonomia do Brasil no
passado. Junto com o projeto constitucionalista surgia a ideia separatista,
embora ainda não direcionada a toda a América portuguesa.
Aclamação de
D. Pedro I no Campo de Santana, Rio. Quadro de Jean Baptiste Debret
Considerada na
época como a data que oficializou a separação do Brasil de sua antiga
metrópole, a aclamação de Pedro I como imperador, em 12 de outubro de 1822, não
significou a unidade política do novo Império. A proposta foi aceita pelas
Câmaras Municipais de Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina e
Rio Grande do Sul. Pernambuco titubeou durante algum tempo. Por causa das
dificuldades de comunicação, Goiás e Mato Grosso só prestaram juramento de
fidelidade ao Império em janeiro de 1823. Enquanto isso, Pará, Maranhão, Piauí
e Ceará, além de parte da Bahia e da província Cisplatina, permaneceram leais a
Portugal, refratárias ao governo do Rio de Janeiro. Foram tempos de guerra.
No início de
1823, enquanto várias províncias já escolhiam seus deputados para a Assembleia
Legislativa e Constituinte do Rio de Janeiro, o Maranhão elegia deputados para
as Cortes ordinárias de Portugal.
Enfim, apesar
dos horrores da guerra e das tensões que não desapareceram, esboçou-se pela
força a unidade territorial do Brasil. Mas o rompimento total e definitivo
mantinha-se sub judice. Afinal, o imperador era português e sucessor do trono
dos Bragança. Capaz, portanto, de reunir novamente, após a morte do pai, os
dois territórios que o Atlântico separava.
Somente em
1825, depois de demoradas negociações, D. João VI reconheceu a Independência,
em troca de indenizações. Mesmo assim, o gesto veio sob a forma de concessão,
transferindo a soberania do reino português, que ele detinha, para o reino do
Brasil, sob a autoridade de seu filho. E D. João foi além: reservou para si o
título de imperador do novo país, registrado nos documentos que assinou até sua
morte, em 1826.
Os laços de
sangue faziam da Independência um processo ambíguo e parcial. Foi preciso
esperar outra data, a da abdicação de D. Pedro I, em 7 de abril de 1831, para
que se rompesse definitivamente qualquer vínculo do Brasil com Portugal.
Assumia o poder um soberano-menino, também ele um Bragança, mas nascido e
criado no Brasil. No linguajar dos exaltados do período regencial, acabava-se
“a farsa da independência Ipiranga”.
Lucia Bastos
Pereira das Neves é professora titular de História da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro e autora de Corcundas e constitucionais: a cultura política da
Independência (1808-1822) (Revan, 2003).
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