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domingo, 6 de setembro de 2015

NOITES NORDESTINAS DA FENELIVRO; Livro, leitura e Literatura no RN

(Crispiniano Neto)

Sabe Deus quando começou a poesia nas terras áridas e inspiradoras do Rio Grande do Norte.

Estudiosos do POEMA PROCESSO entendem que as inscrições do Lajedo de Soledade, em Apodi, um dos maiores sítios arqueológicos do Brasil, está cheio de poemas a que os não entendidos da Semiótica chamam de inscrições rupestres;

João de Barros, primeiro donatário da Capitania do Rio Grande era intelectual, contemporâneo de Camões, gramático de altíssimo conceito, orador famoso, inclusive pelo seu PANEGÍRICO A DOM JOÃO III, com certeza uma bajulação muito poética. Nunca veio ao Estado, mas quem sabe fez alguns versos sobre estas terras a tantas léguas das ilhas de Cabo Verde.

Quase trezentos ANOS de História, desde a construção do Forte dos Reis Magos, com direito a guerras, amores, violas enluaradas, pegas de bois, contendas, secas, cangaços, invernos, crenças e superstições, pescarias e navegações nos mares de Fernando Pessoa e no Potengi amado, de Otoniel Menezes sem que se registre um único poema, um único verso de gentes que tangem boiadas ao som de versos, que segundo Calazans Fernandes têm o dom de arrancar sons de violinos Stradivarius de fueiros de carros de bois, gentes que sabiam inventar histórias de como nasceu o mundo, gentes que viam deuses no sol e na lua, gentes que contavam os contos da Mãe África e inventaram a saudade do Além-Mar, “saudade” palavra só nossa, capaz de salgar as águas do mar com lágrimas e sonhos. Gente que batizou uma cidade pelo nome de Natal, um dos mais belos topônimos do mundo, só superado pelo de Serra do Mel e Caiçara do Rio dos Ventos, gentes que cantavam romances trágicos ao som da rabeca e da viola, nas sombras das oiticicas enquanto as boiadas descansavam durante as viagens, gente que fazia pregões matinais, que contava histórias da Carochinha para meninos danados, que punha meninos e meninas a dormir com cantigas de Ninar e que velava seus mortos com “incelências”. Parece que nada ficou registrado dessa avalanche poética, de um povo cuja principal característica na Prosódia é “falar cantando”. Donde veio o Romanceiro de Dona Militana, que atravessaram estes séculos sem parirem um único filho. E os Cocos de Chico Antonio, coletados e tornados livros e partituras por Mário de Andrade nasceram do nada? E a capacidade e Fabião das Queimadas cantar a liberdade e comprar a alforria com versos, nasceu do vazio? E os dizeres de Shakespeare que o grupo Clowns de Shakespeare encontrou pelos sertões potiguares circularam impunes por todos estes séculos sem inspirarem ninguém? E o movimento ciclotímico da cultura no seu balanço eterno entre o popular e o erudito?

Claro que os pesquisadores não têm culpa de achar todo esse minério. É que não se tinha a prática da reprodução gráfica mecânica por nossas terras. Hoje temos, mas não se divulga o livro e sem a leitura cala-se a nossa literatura.

Nossos historiadores da Literatura viram em Lourival Açucena (1827- 1907), nosso primeiro poeta potiguar. Talvez por ser ele quem marcou época, na época do primeiro jornal impresso do Estado, o RECREIO. Seus poemas e modinhas obtiveram evidência no final do século XIX, período no qual Natal possuía uma vida provinciana.

A gênese de uma “Literatura potiguar” se dá quando aparecem no cenário intelectual do Estado autores que ainda hoje servem de referência à produção local, como Ferreira Itajubá e Auta de Souza.

Os castricianos, além de Auta de Souza, é uma família de pele escura e mente fértil, que traz Henrique Castriciano e Eloy de Souza.

Surgem os Wanderley, especialmente SEGUNDO WANDERLEY com seu Condoreirismo fora de época, que fez tanto sucesso, quanto recebeu pesadas críticas de Antonio Marinho. 

No período dominado pela oligarquia Maranhão, a que Tarcísio Gurgel chama de “Belle Époque” se destaca, nomes como destacam os irmãos Pedro Velho e Alberto Maranhão, além do genro Tavares de Lyra e Antonio de Souza, conhecido como Policarpo Feitosa

Importante destacar a importância do poeta JORGE FERNANDES para o MODERNISMO desde os seus primeiros momentos.

Claro que no ambiente modernista se destaca de forma gigantesca o nome de Câmara Cascudo. Bem como Zila Mamede;

Enquanto nacionalmente surgiram nomes como Graciliano Ramos, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz. No RN, trilhando o caminho desses autores, apareceram Polycarpo Feitosa, Aurélio Pinheiro e José Bezerra Gomes, sendo este o que mais se destacou no Romance, a ponto de considerar-se a existência de um “Ciclo do Algodão” no bojo do “Romance regionalista de 30” e de comparar-se o seu estilo ao de Graciliano Ramos, além de Newton Navarro, nas artes visuais, mas também poeta e dramaturgo e de Eulício Farias de Lacerda.
Câmara Cascudo dispensa comentários, exceto do ponto de vista acadêmico, onde questiona-se seu método e seu estilo, mas é inegavelmente o escritor potiguar consagrado nacionalmente e o pesquisador mundialmente respeitado, ainda que tenhamos dois outros nomes que publicaram nacionalmente: Homero Homem e Murilo Melo Filho, esse com as honras do fardão da Academia Brasileira de Letras. 

Oswaldo Lamartine de Faria era consultor de Raquel de Queiroz, mas os seus próprios livros ficaram restritos à província. Com destaque para UNS FESCENINOS que, pela temática foi rejeitado por oito editoras, até que ele bancou uma edição de mil exemplares, devidamente numerados de um a mil, doando-os a mil amigos.

Nos últimos tempos, só temos notícia de Ney Leandro de Castro que publicou AS PELEJAS DE OJUARA, pela Editora Campo das Letras transformado em filme por Luiz Carlos Barreto, com direção de Moacyr de Góis, sob o título O HOMEM QUE DESAFIOU O DIABO.

A efervescência da poesia nos anos 70 e 80 trouxe os ESCRITORES MARGINAIS 

Antonio Ronaldo, João da Rua, Adriano de Souza, Marize Castro e tantos outros. Tantos que Natal ficou conhecida como a cidade que tem “UM POETA EM CADA ESQUINA” e de ser a única cidade do Brasil que mantém uma tradição de comemorar, há cerca de trinta anos, o Dia 14 de março, DIA DA POESIA com vasta programação cultural

Poesia marginal, antiacademicismo, despreocupação com a imortalidade

Grande produção, Geração mimeógrafo. Nestes tempos, em Natal, até Literatura de Cordel era impressa em mimeógrafo, porque engajada nas coisas da modernidade pela via do engajamento político. 

O movimento para a construção de uma literatura alternativa foi mundial. Geração Beat, movimentos contraculturais, Rock and roll, Tropicalismo, Cinema Novo, valorização da cultura popular, que também era e é marginalizada, e recusa do autoritarismo e das verdades absolutas do sistema capitalista. Enfim, resistência cultural. Restou o de sempre: esquecimento.

O Rio Grande do Norte obteve grande destaque durante o período de grande vigor do POEMA PROCESSO, se destacando entre os grandes nacionais Dailor Varela um goiano que se fez potiguar, Nei Leandro de Castro e Moaci Cirne, este, um ícone das Histórias em Quadrinhos.

O crítico mexicano Octavio Paz, disse: “Um autor não-lido é um autor vítima da pior censura – a da indiferença. É uma censura mais eficaz que a do Índice Eclesiástico”. 

Por isso dizem pesquisadores que “O Brasil precisa conhecer melhor Ferreira Itajubá”, torna-se agora mais do que nunca necessária para o resgate dessa poesia, colocando um ponto final nessa censura-indiferença.

Nilson Patriota, um de seus melhores leitores, diz que “produto nativo puro, autêntica expressão do povo rude e bom, Itajubá não encontrou guarida na província.

A LITERATURA DE CORDEL, a eterna POESIA MARGINAL, tem no Rio Grande do norte alguns dos maiores poetas do país. Seja entre os escritores de bancada, seja entre os repentistas, os que têm o dom divino de improvisar versos ao som da viola.

As Histórias em Quadrinhos contam alguns dos melhores artistas do Brasil, no RN. Alguns deles produzem, em tempos de internet, diretamente para a América do Norte e para a Europa, mas não são sequer reconhecidos em alguma escola ou mesmo em alguma esquina de Natal. Talvez nem mesmo no Beco da Lama onde se reúnem os esquecidos da mídia e das academias.

Grande parte da produção intelectual do RN, seja na Literatura, seja no teatro, seja nas artes visuais, seja no audiovisual, nas artes gráficas e/ou plásticas beberam na fonte da Literatura de Cordel, mas nem divulgaram o cordel nem se divulgaram a contento. Daí a imensa frase de Câmara cascudo: “Natal não consagra nem desconsagra ninguém”

O Rio Grande do Norte tem muito mais EDITORAS que LIVRARIAS. 

Para contar as livrarias não precisamos ocupar todos os dedos das duas mãos. Talvez só as tenhamos em três cidades: Natal, Mossoró e Caicó. Na maioria dos casos, essas lojas se identificam mais como papelarias que como livrarias de fato. O ambiente intelectual que circunda as livrarias quase não existe mais. As livrarias vendem pouco livro e quase nenhuma Literatura. Me arrisco a um palpite para os pesquisadores: Talvez no mínimo 90% dos livros vendidos são livros técnicos, de autoajuda, religiosos, pornografia sem literariedade e, no segmento infantil muito brinquedo disfarçado de livro. Estou falando do material impresso em forma de livro, mas não tenho medo de errar, ao afirmar que talvez 90% do faturamento dessas lojas, seja do setor de papelaria, pois quase todas vivem mais de vender material de escritório e livros didáticos. E dos livros didáticos adotados no Rio Grande do Norte, realidade extensiva a todo o Nordeste, com seus mais 1800 municípios e quase 25 milhões de estudantes, não tem sequer 1% oriundos da CADEIA PRODUTIVA DO LIVRO DO NORDESTE.

O Nordeste não lê o Nordeste.

O livro didático adotado no Nordeste, quase nada tem de DIDÁTICO e menos ainda tem de NORDESTE. Longe um do outro, um microtexto ou uma foto sobre cactos, seca e cangaço só para exercitar o maior esporte nacional que o jogo da estigmatização de uma região que trem quase 50 milhões de brasileiros.

Editoras oficiais temos várias: Gráfica e Editora Manimbu da Fundação José Augusto, Editora da UFRN, Editora da UERN, a ESAM nos tempos de Vingt-Un Rosado imprimiu, ininterruptamente, numa off set de mesa todas as publicações que passaram pela frente de Vingt-Un, a ponto de deixá-lo endividado com agiotas. Levavam o selo da Coleção Mossoroense que, com seus quase 5.000 títulos publicados não é a maior coleção do mundo, por que seus livros, não tinha ISBN.

O grande problema está na ponta: VENDA E LEITURA.

As tiragens são mínimas. Raros são os livros potiguares com tiragem de mil exemplares. 

A maioria chega a tiragens de 500 exemplares, sendo que a maioria dos livros da Coleção Mossoroense tinham tiragens de 200 a 300 unidades.
Raramente um livro de poesia de autor potiguar ultrapassa os 500 exemplares vendidos. A maioria não chega aos cem. 

Lançamentos de livros no RN, são atos quase que “fé e piedade cristã”. Momento de reunir a família e alguns poucos amigos mais íntimos de muito piedoso coração. Isso nos primeiros títulos lançados. Quanto mais o autor vai conseguindo ter mais livros publicados mais vai diminuindo o número de amigos, parentes e aderentes nos lançamentos.

Vingt-Un escreveu: “Em qual planeta se escondem os milhares de universitários de Mossoró nos dias de lançamentos de livros?”. Pelo tempo que passei em Natal, aprendi que não é diferente, exceto nos lançamentos mais chiques onde alguns intelectuais comparecem mais pelo social. Quando se faz as contas a despesa com whiskie é bem maior que o apurado com a venda dos livros.

Nos 164 municípios potiguares que não têm livraria deve ser bem pior.

As edições são quase todas “produções independentes” e o processo de venda é uma via sacra, cuja estação mais dolorosa é a do livro posto em livraria, onde a BIBLIODIVERSIDADE é uma ficção e o espaço do autor local, uma semana depois do lançamento é tão discreto que às vezes chega ser secreto. Ali ficam por consignação, passando dois ou três meses para receber os 50% dos exemplares vendidos. Dois ou três meses depois de vencidas as duplicatas restantes das gráficas. Digo restante porque tem que ser à vista ou com adiantamento para imprimir, ou seja, o semeio, um contraste brutal com o tempo da colheita, que é o tempo de esperar para receber o fruto das vendas, sempre “de meia”, como os nossos agricultores sem-terra e sempre em tempos de seca, no solo árido da cultura potiguar. Não é por acaso que rola nos meios literários a piada do autor que, ao dizer a um amigo:

- VENDI TUDO. O colega perguntou. - Todos livros?

- Não, amigo: vendi geladeira, televisão, fogão, bicicleta e computador para pagar a conta da gráfica...”.

A venda de mão em mão, é outro processo pouco produtivo e às vezes, humilhante. Só o produtor Zé Dias, que vai lançar um ótimo livro sobre os bastidores do Projeto Seis e Meia, já está com os exemplares quase todos comprometidos, com a edição toda vendida, num sistema de pré-vendas, que só ele, que é conhecido como Zé do Patrocínio, pode conseguir.

Quando Diretor geral da Fundação José Augusto, reativamos a GRÁFICA MANIMBU, publicamos 22 livros e ajudamos o GRUPEHQ a publicar 30 revistas de quadrinhos e vários folhetos de Literatura de Cordel, mas não conseguimos criar um PROGRAMA EDITORIAL. Fizemos o projeto de Restauração e reequipamento de BIBLIOTECA CÂMARA CASCUDO, que estava com mais de vinte anos que não comprava um livro.

Implantamos, em parceria com o Ministério da Cultura, 32 das 33 bibliotecas para atingir a meta do presidente Lula de não ter nenhum município sem biblioteca; 

Conseguimos as verbas para implantar em 30 municípios o programa AGENTES DE LEITURA, que demoraram muito a sair na gestão seguinte, mas saiu. Só não sei como está seu desempenho. Há um programa de leitura ligado à entidade dirigida pela professora CLÁUDIA SANTA ROSA. Os programas de Leitura das secretarias de educação, do Estado e dos municípios estão muito aquém da necessidade.

NORDESTE - Tentei por quatro anos, no FORUM DOS SECRETÁRIOS DE CULTURA DOS ESTADOS DO NORDESTE, uma proposta em que todos acervos formados pelo MINISTÉRIO DA CULTURA para bibliotecas do Nordeste, que eram compostos de 2.000 livros, fossem assim compostos

- 1000 livros de autores nacionais e estrangeiros consagrados. Clássicos da Literatura universal e nacional;

- 480 títulos, de autores dos outros OITO estados do Nordeste, sendo 15 títulos com 4 exemplares de cada; os títulos deveriam contemplar a diversidade de gêneros textuais: Romance, Conto, Crônica, Poesia, Dramaturgia, Biografia, etc.;

- 480 títulos, de autores do próprio Estado, também com 15 títulos, sendo 4 exemplares de cada, contemplando os diversos gêneros textuais.

No lugar dos outros 40 títulos de livros, 40 Coleções de Folhetos e Romances de LITERATURA DE CORDEL, sem distinção de Estado, com autores de todos os estados do Nordeste. Deveriam estar acondicionados em colecionadores do tipo Porta-CD adaptados para o tamanho 11 X 16 do livreto mais tradicional.
Não funcionou.

Dialogamos muito mais com São Paulo e Rio de janeiro, que com a Paraíba, o Pernambuco e o Ceará, sem falar nos longínquos Piauí, Maranhão, Sergipe, Alagoas e Bahia, donde além de Jorge Amado e castro Alves só nos chega o Axé Music depois de selecionado nas suas piores versões.

LEITURA - Temos 3.925 UNIDADES DE ENSINO no Rio Grande do Norte. 1.487 delas possuem bibliotecas (38%), 2.438 não possuem bibliotecas (62%)

As federais são 20. Todas elas possuem bibliotecas;

As estaduais são 683, das quais 486 possuem bibliotecas (71%). 197 delas (29%), não;

As municipais são 2.598. Só 506 possuem bibliotecas (19%). 2.092 (81%), não;

As escolas particulares, são 624. 76% delas (475) possuem bibliotecas, 149 (24%), não. 

Das 1.487 escolas federais, estaduais, municipais e privadas que possuem bibliotecas, mesmo não havendo um levantamento oficial ousamos arriscar que nem 300, ou seja, nem 20% delas possuem 1 título por aluno com pelo menos um exemplar, como manda a lei 12.244/2010 do então presidente Lula. Imagine-se os 17 exemplares de cada título como sonha a UNESCO.

Na REDE ESTADUAL, somente 140 das 683 Escolas possuem sala de leitura e biblioteca; 61 delas possuem somente as salas de leitura sem as bibliotecas. Ou seja, querem formar leitores sem livros; 

Das 2.598 escolas das REDES MUNICIPAIS do RN apenas 410 possuem salas de leitura

PROJETO DE LEITURA com certeza não existe nem em 10% delas, pois a maioria não tem bibliotecas e os professores não recebem capacitação para exercerem a bela missão de MEDIADORES DE LEITURA. A maioria destes professores, pasmem, não cultivam o HÁBITO DE LER. E mais uma vez me arrisco num chute, que não vai a 20% o percentual dos professores que são leitores habituais.

A média de leitura por habitante no Brasil, era de 1,8 livros literários por ano. Em 2014 registrou-se uma queda para 1,7. Na pobre Colômbia se lê 4 livros por habitante/ano. Na Suíça, oito. É o que oferecemos aos meninos e meninas de escolas públicas, no projeto ONDAS DA LEITURA. Isso explica porque preferi ficar na Editora IMEPH a voltar a ser secretário de Cultura do Estado do RN

Quando contamos com os didáticos, técnicos, religiosos, de autoajuda, etc. chegamos a 4,3 livros/habitante/ano. Por incrível que pareça, no Nordeste sobre para 4,7, mas no Norte cai para 2,6. 

50 milhões de brasileiros acima de oito anos de idade, não leram nenhum livro em 2014;

Ainda temos cerca de 14% de analfabetos no Brasil. Mas não são só eles que não leem. 60% DOS CIDADÃOS E CIDADÃS DESTE PAÍS são considerados ANALFABETOS FUNCIONAIS.

Pesquisa do Ministério da Cultura constatou que só existem livros em 14% dos lares brasileiros. Se “Uma casa sem livros é um corpo sem alma”, como disse o tribuno romano Marcus Tullius Cícero, temos 86% de corpos sem alma onde habitam quase 90% das almas penadas que vivem do Oiapoque ao Chuí, excluídas do conhecimento disponibilizado por uma sociedade letrada como a nossa. Pode-se dizer: Mas estão lendo no computador. Pergunto: Será que os poucos computadores que existem nas casas sem livros servem à leitura. Se servem, a que leitura estão servindo?

É com profunda tristeza que constato que minha biblioteca particular conta com 2 vezes e meia a quantidade livros que habitam a biblioteca da minha cidade natal, Santo Antonio do Salto do Onça, biblioteca onde adquiri o hábito da leitura, na minha adolescência de menino pobre, visto que na casa dos meus pais quase não havia livros, exceto uns cinco do meu avô, que era homem de pouca leitura e de pouca conversa, além da tradicional caixa de sapatos com folhetos e romances de Literatura de Cordel que eu era escalado para ler para as mulheres que raspavam mandioca nas farinhadas e quando tiravam o talo das folhas para fazer os rolos de fumo que meu pai produzia com nossa ajuda, ou ainda na calçada da bodega quando trocava o “bubu”, como era conhecida a chupeta consolo, por um folheto de cordel para lê-lo brindando os amigos que jogavam conversa fora, além de contar algumas Histórias de Trancoso e adivinhações, charadas e pulhas, todas as noites, com que aprendi a falar e a ler de forma escorreita e a raciocinar em cima de fatos e abstrações.

E é com imensa alegria que constato que eu e meu colega da Academia Brasileira de Literatura de Cordel, Antonio Francisco Teixeira de Melo, ele na Cadeira de Patativa do Assaré e eu, na de Câmara Cascudo, estamos chegando aos 150 mil livros vendidos cada um, pelo esforço da editora IMEPH, do Ceará, que já publicou quase trinta livros de quase quinze autores potiguares.

Mas fico profundamente triste ao saber que só o consagrado mestre Câmara Cascudo vendeu e vende mais que nós dois. Que escritores do porte de Veríssimo de Melo, o mestre Ney Leandro de Castro, Paulo de Tarso Correia de Melo, Homero Homem, José Bezerra Gomes, Luís Carlos Guimarães, Auta de Souza, Zila Mamede, Miriam Coeli, Diva Cunha, o grande modernista Jorge Fernandes, Ferreira Itajubá, Antonio Ronaldo e tantos outros. Uns bons, outros ótimos e mais outros, excelentes, não tiveram a sorte de conseguir uma editora que imprima e venda suas obras e, mais do que isso, que faça a meninada ler. Ler e compreender, por ter a oportunidade do exercício do reconto unindo a arte com a educação, como preguei no livro CASAMENTO DE ZÉ TEATRO COM MARIA ESCOLA, um texto de dramaturgia que recebeu mais de cem montagens teatrais, quase todas em escolas públicas, do Ceará, do Rio Grande do Norte, do Piauí, do Maranhão e do Pernambuco.

No nosso Estado, o Projeto Nas Ondas da Leitura até agora só chegou a Mossoró, com mais de 2 mil alunos, em Grossos, com cerca de 400 alunos, em Parazinho com cerca de 300 e em Guamaré, com mais de 400. Mas não recomendamos somente o ONDAS DA LEITURA. Recomendamos A LEITURA, de forma sistemática, com livros e autores de todas as editoras, com especialidade as nordestinas, com fundamentação pedagógica, cercada de atividades artístico-culturais e dando oportunidade destes milhares de meninos e meninas que começarem a ter acesso a livros na escola pública ou privada, nas bibliotecas públicas e a formação de um embrião de biblioteca domiciliar.

Os governos precisam investir na LEITURA. 

Do contrário não iremos resolver os gargalos da EDUCAÇÃO, não resolvendo os problemas da EDUCAÇÃO não resolveremos os problemas do PAÍS, porque, como diz uma frase na parede de uma biblioteca privada com cinco mil volumes aberta ao público, na Praia de Pipa: “A PRINCIPAL SOLUÇÃO DOS PROBLEMAS BRASILEIROS É A LEITURA, PORQUE TODAS AS OUTRAS SOLUÇÕES PODERÃO SER ENCONTRADAS NOS LIVROS”.

Ou, como dizia Voltaire: “SÓ ACHA QUE CUSTA CARO INVESTIR EM EDUCAÇÃO QUEM NÃO SABE QUANTO CUSTA A IGNORÂNCIA”.

Crispiniano Neto
Recife-PE, 04 de Setembro de 2015
NOITES NORDESTINAS
Livro, leitura e Literatura no Rio Grande do Norte


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