Por José Gonçalves do Nascimento
No dia 20 de janeiro deste ano, o jornal o Estado de São Paulo publicou, em
caderno especial, longa reportagem sobre os 150 anos de nascimento de Euclides
da Cunha. Acreditamos ser esta apenas a primeira de uma série de outras tantas
publicações que, em 2016, haverão de homenagear o escritor nascido em
Cantagalo, antiga província do Rio, em 20 de janeiro de 1866.
E não é para menos. Engenheiro, militar, físico, naturalista, jornalista,
geólogo, geógrafo, botânico, zoólogo, hidrógrafo, historiador, sociólogo,
professor, filósofo, poeta, romancista, ensaísta e escritor, Euclides da Cunha
é um dos mais legítimos representantes da inteligência brasileira. Intelectual
de escol, foi ele responsável pela descoberta de um Brasil que até então era
desconhecido: o Brasil do interior. Para ele, a construção da identidade
nacional brasileira teria de buscar seus fundamentos na profundidade do Brasil
interiorano, pois era lá que estava “o cerne da nacionalidade”.
Dedicado aos estudos das questões brasileiras, conforme pontifica um dos seus
melhores biógrafos – Olímpio de Souza Andrade – Euclides valeu-se “da ciência
para examinar sob vários aspectos a conformação do território brasileiro, seus
ares, suas águas, sua flora, sua fauna, bem como a evolução do povo brasileiro,
ressaltando conflitos entre estágios diversos de civilização. Mas
principalmente valeu-se disso tudo, com engenho e arte, assim vendo o que os
outros não viam, e dizendo-o numa linguagem clara e precisa, de rara beleza”.
Com efeito, é esta a tônica de toda produção literária de Euclides da Cunha,
sendo que Os sertões é a obra que melhor encarna a preocupação do autor.
Dividido em três partes – a Terra, o Homem e a Luta – o livro empreende ampla e
profunda abordagem acerca da geografia do Nordeste e dos tipos humanos que
povoam essa parte do Brasil, culminando com o conflito entre o exército
brasileiro e os heroicos habitantes de Canudos. Tem o texto o mérito de mediar
o difícil e doloroso diálogo entre o “Brasil real e o Brasil oficial” – para
usar uma expressão de Machado de Assis – despertando a atenção das elites
políticas, econômicas e culturais para os inumeráveis problemas que faziam (e
fazem) desta uma nação dividida entre o progresso do litoral e o atraso do
interior. Pela primeira vez, no Brasil, uma obra de literatura assumia a
discussão sobre os reais problemas do país e lançava as bases para a construção
de uma sociedade mais justa e menos desigual.
Além d’Os sertões, há, na extensa obra de Euclides da Cunha, mais dois livros
sobre a temática de Canudos: Caderneta de campo e Canudos: diário de uma
expedição. O primeiro, publicado postumamente em 1975, traz uma série de
anotações e croquis da época em que o escritor se achava no campo de batalha. O
segundo, também publicado após a morte do autor, em 1939, reúne o conjunto de
correspondências encaminhadas ao jornal O estado de São Paulo, informativo para
o qual trabalhou o escritor na condição de enviado especial ao teatro da
guerra. O acervo de informações reunido na Caderneta e no Diário seria de
grande utilidade para autor, quando da feitura d’Os sertões.
Fora do chamado “ciclo d’Os sertões” (que compreende toda a literatura
referente à guerra de Canudos), é Euclides da Cunha autor de outros três
títulos igualmente notáveis: Perus versus Bolívia (1906), Contrastes e
confrontos (1907) e À margem da história (1909), este último publicado depois
da morte do escritor. As três obras reúnem artigos, ensaios e estudos
produzidos por Euclides ao longo de sua atividade intelectual. Sua extensa
produção literária inclui ainda correspondências, poesias, e um sem-número de
crônicas e artigos publicados em jornais e revistas da época.
Como homem de ciência, sintonizado com o que havia de mais avançado no âmbito
da intelectualidade, e imbuído dos ideais do positivismo – corrente filosófica
que defendia o primado da razão como único meio de construção da civilização e,
por conseguinte, da ordem e do progresso dos povos – além de intransigente
defensor da causa brasileira, Euclides da Cunha foi firme e enérgico na defesa
das suas convicções mais profundas. Acabou decepcionado com a República, após
perceber que esta não conseguira atender à expectativa do povo brasileiro. E,
uma vez decepcionado, tornou-se crítico ferrenho da forma de governo imposta
pelo golpe militar de 1889.
Para Gilberto Freire “ele [Euclides da Cunha] foi a voz que clamou a favor do
deserto brasileiro: Endireitai os caminhos do Brasil (O Brasil era o seu
“sonho”) os caminhos entre as cidades e os sertões. Esta foi a grande mensagem
de Euclides: que era preciso unir-se o sertão com o litoral para a salvação – e
não apenas conveniência – do Brasil. Ninguém mais do que ele enalteceu tanto o
sertão e o sertanejo. Em Euclides [prossegue o autor de Casa Grande e Senzala]
a tendência foi quase sempre para engrandecer e glorificar as figuras, as
paisagens, os homens, as mulheres, as instituições com que se identifica o
vaqueiro, o sertanejo, o próprio jagunço. Até mesmo o negro dos sertões –
sobrevivência do quilombola colonial – sai engrandecido de suas páginas”.
Salve Euclides! Salve o Brasil!
José Gonçalves do Nascimento
jotagoncalves_66@yahoo.com.br
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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