Por Júnior Almeida
Como alguns amigos devem saber,
eu estou preparando um novo livro, com o título provisório de OS CAUSOS DA
MINHA TERRA, que vai falar das histórias da nossa gente. Algumas tristes,
outras engraçadas e também algumas crônicas de minha autoria. Personagens marcantes
para mim e para a cidade também terão seu espaço nesse novo trabalho. Já
publiquei alguma coisa por aqui. O texto abaixo é sobre um cidadão, capoeirense
da gema, que com sua simplicidade e bom humor, dá um exemplo de vida e de fé
para todos. Vamos ao relato:
Corria 1961. Na região do Sítio
Riacho do Mel em Capoeiras, moravam os jovens recém-casados Arlindo José e Ana
Tavares. Ele então com 20 anos chamado por todos de “Golinha”, por ser filho do
caçador com a alcunha “Zé Rolinha”, e ela com 19 anos com o carinhoso apelido
de Nininha. Como tantos casais do campo, Golinha tirava o sustento na lida da
roça, e sua esposa como boa dona de casa. Desde que casaram, os dois planejavam
ter filhos, mas Nininha não conseguia engravidar. Ela com frequentes hemorragias,
combinou com o marido, e resolveram procurar um médico. Foram à Garanhuns. Lá o
profissional de saúde examinou a paciente, e disse não ter jeito a dar ao
problema de Nininha. Estranho diagnóstico esse, e logo na primeira consulta.
Mas se a saúde pública já não é lá essas coisas hoje em dia, imaginem nos anos
sessenta e ainda mais no interior de uma cidade nordestina. O casal desanimou.
Ao final da consulta, o doutor deu um conselho ao casal: disse que esses
fizessem uma promessa com o “Padim Ciço” pra Nininha ficar boa, e se isso
acontecesse, e ela conseguisse engravidar que colocassem o nome do filho de
Cícero. Não dá pra saber se o médico era devoto do padre cearense ou se apenas
zombou do casal de roceiros, mas o fato é que Arlindo seguiu o conselho e fez a
promessa, indo além. Não só o primeiro filho iria homenagear o Patriarca do
Juazeiro, mas todos que nascessem daquela união iriam ser batizados por Cícero
ou Cícera. Pouco tempo depois Nininha sarou. Ficou completamente curada das
hemorragias e pode assim realizar o sonho de ser mãe. Em 1962 nasceu o primeiro
Cícero da família, José Cícero. O tempo foi passando e o casal seguindo com sua
vida. Como manda a tradição matuta, um filho a cada ano, e em 1970 Golinha e
Nininha já tinham sete, todos com o nome de Cícero. Ano ruim pra lavoura. A
seca acabava com tudo. Muita gente abandonou tudo e foi tentar a sorte em
outras paragens. Muitos trocavam suas poucas terras em passagens nos paus de
arara pra São Paulo. Muitos donos de caminhão enriqueceram com essas viagens,
às custas da miséria alheia. Golinha não sabia mais o que fazer pra dar o “de
comer” para sua família. Eram nove bocas pra alimentar, e o roçado estava
perdido. Decidiu então ir ao povoado Riacho do Mel, tentar algum emprego com
Gedeão Rodrigues, homem de posses no lugar. Esse disse não poder atender
Golinha, pois como ele mesmo sabia, as coisas estavam ruins para todos. Gedeão
então sugeriu que esse fosse procurar seu irmão Joaquim de Neco, que com muitas
terras e mais um fabrico de queijo, talvez lhe arrumasse um trabalho. Joaquim
se compadeceu com a situação, mas também não podia fazer nada pelo amigo. O
chamou à parte, e disse-lhe que estava naquele momento com oito empregados, mas
infelizmente teria que demitir cinco. Golinha apenas baixou a cabeça. Sabia que
o fazendeiro tinha razão. Antes de sair de sua casa, Joaquim chamou Golinha
para o local em que estava acabando de sair do fogo um tacho com queijo de
manteiga. Deu ordem para que os empregados que mexiam o queijo quente, deixassem
toda raspa para que Arlindo pudesse levar. Depois de todo queijo derretido ter
sido colocado nas formas, o cascão pregado no tacho e mais um pouco de queijo,
ficou à disposição de Golinha. Com os empregados ele arrumou um saco de tecido,
colocou o produto dentro e levou a comida pra casa. Eram cerca de cinco quilos
de raspa de queijo. Um manjar dos deuses que alimentou sua família por uma
semana. No caminho da fazenda de Joaquim de Neco até a sua casa, Golinha nem
sentiu que o queijo ainda quente tinha queimado o seu ombro e a sua orelha
direita. É que ele carregou o saco no ombro, encostado na cabeça. Sentiu arder,
mas achava que era apenas o atrito do tecido do saco com a sua pele. Em casa
foi que viu o tamanho da queimadura. Alguns dias se passaram, e não se sabe se
os irmãos Gedeão e Joaquim conversaram sobre a situação difícil por qual
passava a família de Golinha, mas o fato é que Gedeão mandou avisar que tinha
um trabalho pra ele. O ganho era pouco. O trabalho alugado pagava por dia o que
dava pra comprar um quilo de açúcar e dois quilos de fubá de milho. Estava bom?
Não. Mas era o que tinha, e Arlindo não teve medo do serviço. Brocar, capinar,
fazer cercas, coivaras e tudo mais que se faz no campo. Golinha trabalhava
praticamente pela comida, mas não reclamava. O importante era dar comida aos
seus. Foram oito meses e meio nessa lida. Certo dia ouviu da mulher do dono da
bodega em que comprava, que se ele só podia comprar cem gramas de açúcar, não
comprasse um quilo. Ele se sentiu humilhado, e ficou cabisbaixo no
estabelecimento. O dono da bodega percebeu, e perguntou o que tinha acontecido.
Golinha disse tudo o que tinha ouvido. O bodegueiro disse que ali mandava ele,
e em um saco de pano colocou 15 quilos de açúcar, 25 de fubá, 1 de charque, 1
de sardinha e mais três barras de sabão, e disse ao amigo que esse só pagasse
quando pudesse. Em 1972 nasceu mais dois filhos do casal. Os gêmeos Cícero
Paulo e Cícera Aparecida. Mais um tempo e nasceu outro menino: Cícero Jorge. Um
problema de nascença no menino fez com que o agricultor rezasse pedindo a Padre
Cícero que curasse seu filho, que tinha os dois pés aleijados. Mais uma vez as
preces de Golinha foram ouvidas, e o menino ficou curado. Em agradecimento ao
Santo do Cariri, Golinha e Nininha foram ao Juazeiro do Norte, onde deixaram
uma mecha do cabelo de Cícero Jorge, chamado por todos de “Dó”. Na lápide do
túmulo do Padre Cícero, chamado pelos romeiros Santo Sepulcro, o casal deixou o
cabelo do filho curado e rezou de joelhos em agradecimento por mais uma graça
alcançada. Na data deste texto, Golinha e Nininha estão para comemorar bodas de
ametista, são 55 anos de união abençoada por Deus, e porque não pelo Padre
Cícero. Do casamento dos dois, onze Cíceros vieram ao mundo. São eles: José,
Heron, Paulo, José Irmão e Jorge. As Cíceras são: Vera, Luzia, Raimunda,
Fernanda, Madalena e Aparecida.
Fonte: facebook
Página: Junior Almeida
Grupo: Lampião, Cangaço
e Nordeste
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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