*Rangel Alves
da Costa
Dia desses,
passeando pelas publicações do facebook, eis que encontro uma postagem de
fotografia antiga, daquelas que os internautas postam para, saudosamente,
reverenciar o passado. No retrato, a vista frontal de um pequeno prédio de duas
portas, de cor amarelada carcomida de tempo, com o seguinte letreiro pintado na
parede: Budega Véia, desde 1912. E mais abaixo, nas laterais, a informação de
alguns produtos ali oferecidos: Avuador, Farinha, Rapadura, Cachaça, Carvão,
Chapeu, Ponche, Ciquilho, Fumo de Rolo, Cachimbo e Brote. Tudo escrito assim
mesmo.
Portas de
madeira, divididas em duas partes, lá dentro, em meio às sombras da fotografia,
se avista aquele tem de tudo comercial, bem característico das pequenas vendas
e mercearias interioranas de antigamente. Ali também certamente um velho balcão
tendo acima bacalhau e jabá, pois tais produtos ainda acessíveis às camadas
mais humildes da população. E ainda os sacos de arroz, farinha, feijão e
açúcar. Não podia faltar a lata de querosene, a lata de bolacha Maria, a
goiabada legítima, a cajuína, a novidade chegada do sul do país.
Lá está
escrito que a Budega Véia funciona desde 1912. O retrato é antigo e talvez não
exista mais. E já não existem muitas assim pelas distâncias interioranas, muito
menos nas capitais e grandes cidades. O tempo, os novos comércios e as
exigências consumidoras, foram fechando as portas daquelas pequenas vendas que
causavam verdadeiro prazer em entrar, escolher entre secos e molhados, prosear
com os visitantes, bebedores e vendeirim, como se estivesse em ambiente
familiar.
Na parede da
frente da Budega Véia anuncia-se de produtos até mesmo desconhecidos aos
consumidores modernos. Todo mundo, ou quase todo mundo, conhece a farinha, a
rapadura, a cachaça, o carvão, o chapéu, o ponche, o fumo de rolo e o cachimbo,
mas o que seria o avuador, o ciquilho e o brote? Pela escrita, difícil saber,
mas pela pronúncia talvez uma luz.
O ciquilho,
quem sabe, se referia a sequilho, que é um tipo de biscoito amanteigado e que
facilmente se derrete na boca. Já o brote, certamente se referia a um pão feito
de milho, em substituição ao trigo, podendo ainda denominar um tipo de biscoito
ou de bolacha pequena. Por sua vez, o estranhíssimo avuador, que muito bem
poderia aludir a uma espécie de cachaça que parecia fazer voar depois de uns
goles a mais, na verdade se refere a outro tipo de biscoito preparado com
tapioca. É a mesma bolinha de goma de mandioca que facilmente esfarela e é
levada pelo vento, daí o nome de biscoito avuador.
Não só na
Budega Véia como em toda mercearia interiorana antiga, principalmente pelos
sertões nordestinos, o seu balcão representava a própria vida população. Sem
mercadinho, venda chique ou delicatessen, tudo o que se queria adquirir tinha
de ser ultrapassando as três ou quatro portas estreitas de cada venda. Já
conhecendo a clientela, o vendeirim já colocava sob o balcão o usualmente
adquirido, mas sempre com o cuidado de mostrar as novidades ali chegadas.
E quais as
novidades naqueles tempos antigos? Novas fragrâncias nos sabonetes Lever, Cashmere
Bouquet, Eucalol, Dorly, Gessy, Cinta-Azul, Alma de Flores, este ainda
existente e muito utilizado pelos saudosos. Talcos de pó de marca Alfazema,
Eucalol, Miss France, Ross, Regina, Palmolive, Gessy, Granado, dentre tantos
outros cheirosos e perfumados. Leite de Rosas, Eau de Cologne, Alfazema Suíssa,
Rastro, mas também outros perfumes famosos de então: Topaze, Charisma, Toque de
Amor, Tabu, Lancaster, Contourê. E ainda as brilhantinas, os espelhos e os
pentes “flamengo” de bolso.
Sim, perfumes,
sabonetes, talcos e desodorantes, numa prateleira exclusiva, mais refinada e
protegida, vez que a população também merecia aflorar suas vaidades
interioranas. Mas tudo ao lado de bolachas, biscoitos, mariolas, nêgo bom,
carretéis de linhas, agulhas, dedais, de um tudo. E não muito distantes os
refrigerantes e as bebidas: Baré Tutti-Frutti, Mirinda, Grapette, Tubaína,
Crush, Caninha Galo de Ouro, Serra Grande, Casa Grande, Pau de Arara, Capim
Santo, Teimosinha, Genebra Gato, Pitu Caranguejo, e ainda Vinho de Jurubeba,
Cangaceiro do Norte e diversos tipos de Catuaba.
Mesmo o
dinheiro pouco, contado, ainda assim dava para levar um bom pedaço de jabá, de
carne seca, bacalhau ou peixe defumado. Naqueles idos, os preços não tinham a
exorbitância de agora e mesmo os mais pobres podiam chegar ao pé do balcão e
escolher seu almoço ou jantar. E havia ainda as facilidades do velho e amigo
caderninho, sempre útil nos instantes imprevistos e principalmente nas
proximidades do final do mês. Pagar por semana, por mês, não importava.
Ademais, pagando em dia não corria o risco de receber uma conta acima do
comprado, e sem poder reclamar.
Hoje somente
as fotografias da Budega Véia e outras bodegas. E saudade de um tempo aonde a
cerveja vinha da geladeira a gás, espumava de se derramar pelo copo, mas bebida
com um prazer sem igual. E sempre pedia mais uma, dessa vez com lascas de carne
seca com um limãozinho por cima.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
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