Por José Romero
Araújo Cardoso
As feiras
livres nordestinas caracterizaram-se, em um passado não muito distante, por
serem verdadeiros repositórios para a comercialização da produção artesanal, as
quais personificam formas perfeitas e acabadas do trabalho coletivo ou
individual com pouco ou nenhum uso dos artefatos sofisticados surgidos com a
industrialização.
Em épocas pretéritas havia ênfase quase absoluta nas feiras livres nordestinas
para a venda do que era produzido na região, ou na própria localidade, estando
hoje visivelmente submetidas aos ditames contidos no comportamento da economia
globalizada, sendo facilmente encontrados produtos de fora, do exterior, em
consonância com a oferta de objetos e demais artes da cultura popular
genuinamente regional.
Nesses espaços marcantes, a interação entre as pessoas verifica-se
notavelmente, fomentando formas variadas de contato, as quais vão da pechincha
dos fregueses com comerciantes ao bate-papo descontraído sobre fatos e
personagens locais e das redondezas, entre inúmeras outras maneiras de
tangência direta da própria sociedade.
Momento sublime de referência às feiras livres nordestinas encontra-se em
composição musical de autorias de Severino Dias de Oliveira, mais conhecido
como Sivuca (Itabaiana/PB, 26 de Maio de 1930 – João Pessoa/PB, 14 de Dezembro
de 2006) e de Glória Gadelha (Sousa – Paraíba, 19 de Fevereiro de 1947 - ), a
qual sintetiza de forma invulgar e extraordinária a importância assumida pelas
manifestações da cultura popular enquanto marca indelével dos espaços abertos
que integram economicamente os circuitos inferiores do processo de
comercialização no Nordeste Brasileiro.
O povo sertanejo, com suas criações, invenções, interações e maneiras como se
apresenta a culinária regional, integram os refrões marcantes de uma das mais
belas canções regionais, pois é notável o apelo à compra do que é ofertado
através do destaque dado aos produtos. Fumo de rolo, arreio, cangalha, bolo de
milho, broa, cocada, pé-de-moleque, alecrim, canela, cabresto de cavalo,
rabichola, pavio de candeeiro, panela de barro, farinha, rapadura e graviola
são vendidos há tempos imemoriais em feiras livres nordestinas, razão pela qual
a identificação espaço-tempo é realizada sem nenhum empecilho no que tange ao
entendimento por aqueles que, nordestinos de fato, escutam Feira de
Mangaio, tendo em vista que, invocando conceitos pertinentes a lugar e ao
espaço vivido, a tradução precisa acerca de pertencimento está explícita de
forma clara e objetiva, pois as representações da geografia humana contidas em
uma feira livre nordestina estão definidas com precisão, razão pela qual
personagens reais do mundo dos compositores, sobretudo ao que pertence Glorinha
Gadelha, estão imortalizados através da arte sublime de dois gênios de
sensibilidade extraordinária, aos quais o povo do Nordeste deve agradecer
eternamente pelo legado ímpar e autêntico que valoriza exponencialmente toda
região. Tudo foi logisticamente invocado em Feira de Mangaio, desde a
feira de pássaros à vendinha localizada de forma estratégica, a qual não pode
faltar em uma feira livre nordestina, onde um mangaieiro ia se animar, tomando
bicada com lambu assado, olhando para Maria do Joá, passando pelo sanfoneiro no
canto da rua, fazendo floreio para a gente dançar, com Zefa de Purcina fazendo
renda e o ronco do fole sem parar, dando ênfase à necessidade do sertanejo de
xaxar o roçado que nem boi de carro para garantir a sobrevivência de
si próprio e da sua família, finalizando com o fomento de que alpargata
de arrasto não quer lhe levar para sua labuta, pois o forró inebriante tomava
conta da feira em todos os quadrantes.
Causa admiração que Feira de Mangaio tenha sido composta na
globalizada e cosmopolita Nova York, quando o casal residia nos Estados Unidos.
A estrutura começou a se efetivar quando Glorinha Gadelha estava em uma aula de
inglês, sendo concluída em um fast food da McDonalds, mas foi a bucólica e
sertaneja cidade-sorriso que serviu de inspiração para um dos mais belos
símbolos musicais do Nordeste Brasileiro.
[1] Crônica
vencedora do II Concurso Lembrança do ídolo, promovido pelo Grupo União São
Francisco – Caldeirão Político no ensejo do IX Festival de Músicas
Gonzagueanas.
José Romero
Araújo Cardoso (Mini Currículo):
Geógrafo
(UFPB). Especialista em Geografia e Gestão Territorial (UFPB-1996) e em
Organização de Arquivos (UFPB - 1997). Mestre em Desenvolvimento e Meio
Ambiente pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (2002). Atualmente
é professor adjunto IV do Departamento de Geografia/DGE da Faculdade de
Filosofia e Ciências Sociais/FAFIC da Universidade do Estado do Rio Grande do
Norte/UERN. Tem experiência na área de Geografia Humana, com ênfase à Geografia
Agrária, atuando principalmente nos seguintes temas: ambientalismo, nordeste,
temas regionais. Espeleologia é tema presente em pesquisas. Escritor e
articulista cultural. Escreve para diversos jornais, sites e blogs. Sócio da
Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e do Instituto Cultural do Oeste
Potiguar (ICOP). Membro da Associação Mossoroense de Escritores (ASCRIM).
Endereço
residencial:
Rua Raimundo
Guilherme, 117 – Quadra 34 – Lote 32 – Conjunto Vingt Rosado – Mossoró – RN –
CEP: 59.626-630 – Fones: (84) 9-8738-0646 – (84) 9-9702-3596 – E-mail:romero.cardoso@gmail.com
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