Jerdivan
Nóbrega de Araújo
Figura central
e motivadora do reconhecimento oficial da Irmandade dos Negros do Rosário de
Pombal, Manoel Antônio de Maria Cachoeira, de quem pouco se sabe, mas, com
certeza, não foi ele o criador da Irmandade ou da adoração do Rosário, como se
atribui. O seu mérito é ter lutado incansavelmente pelo reconhecimento, por
parte da Igreja, de um evento que veio bem antes dele.
Especula-se
que Manoel Antônio de Maria Cachoeira tenha sido um negro liberto, com certo
poder aquisitivo, talvez um dos chamados brancos do algodão, assim denominados
os negros livres, que obtiveram uma ascensão social através do enriquecimento
proveniente do plantio e beneficiamento do algodão.
Pesquisadores
chegaram a afirmar que o patrono da Irmandade de Pombal residisse na própria
Igreja do Rosário, da qual era o zelador, e com seu trabalho teria criado o
patrimônio da Irmandade. Contudo, é pouco provável que Manuel Antônio de Maria
Cachoeira morasse na Igreja, que à época não era da devoção do Rosário e sim de
Nossa Senhora do Bonsucesso.
Há mais: não
existe qualquer local ou evidências naquela construção bicentenária que venha
sugerir que, em algum momento, tenha acomodado uma pessoa, mesmo sendo ela
solteira.
Até o mês de
abril de 1839, o pároco da freguesia de Pombal residia em um sítio distante
três léguas da Matriz. Naquele ano, o Bispo de Olinda, D. João da Purificação
Marques Perdigão, que saíra do Palácio da Soledade a 1º de maio de 1839,
retornando à sede episcopal a 8 de janeiro de 1840, após percorrer o interior
das Províncias da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, em passagem pela cidade
de Pombal determinou, através de portaria, que o pároco passasse a residir
junto à Matriz.
A casa onde
passou a residir o Pároco da Igreja do Bonsucesso era um sobrado localizado
atrás da Igreja, e que foi demolido em meados da década de 1970. No lugar foi
construída a residência do comerciante Dantinhas.
Até o final do
século XIX, a cidade de Pombal concentrava seu centro urbano, com casas bem
construídas, em umas poucas ruas centrais, como Rua dos Prazeres (atual Rua do
Comércio), Rua do Rio, o centro formado pelas duas igrejas, e mais ao sul a Rua
da Aurora, hoje denominada Rua João Pessoa e a Rua do Giro (hoje João Capuxu).
A Rua João
Capuxu terminava em um riacho que desaguava no leito do rio Piancó, que à época
era temporário. Depois desse riacho, as casas eram construções simples, em
taipas e espaçadas entre elas. É o que se deduz das descrições do processo do
crime de Donária dos anjos, fato ocorrido em 1877, quando se descreve o local
do sinistro evento.
Foi ali que se
instalou e funciona até os dias atuais a casa de adoração ao Rosário e, por
consequente, a casa do juiz da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal. Isso
nos levar a acreditar que ele sabia que ali sempre morou o juiz da Irmandade.
Portanto, o
mais provável é que Manuel Maria Cachoeira residisse na casa do Rosário,
situada na hoje denominada Rua do Rosário, confluência com a Rua Manuel Maria
Cachoeira.
Naquela
localidade morava não apenas Manoel Antônio de Maria Cachoeira, o primeiro juiz
da Irmandade depois do reconhecimento oficial por Lei Provincial e, em seguida,
pela cúria em Olinda, como também residiam nas imediações outros membros da
Irmandade, formando, assim, uma comunidade de casas simples onde viviam uns
poucos negros libertos da cidade.
Maria Joaquina
da Vassoura, a primeira rainha do Rosário que se têm notícias, era moradora do
sitio Vassouras, localizado na região norte da cidade, e pertencia ao Major
Salgado. Era costume à época, agregar ao nome próprio a denominação da localidade
de origem dos seus moradores.
Maria Joaquina
não só era proveniente do sítio Vassouras, como era uma Rufino, já que foram os
Rufinos da Vassoura quem criaram o grupo Negros do Pontões. Foi também um
Rufino quem sucedeu Manoel Maria Cachoeira no cargo de Juiz da Irmandade, após
a sua morte.
Em entrevista
com a rainha perpétua Roselina da Silva, perguntei como ela sucedeu a Maria
Joaquina da Vassoura, e se também era moradora do sítio Vassouras. Roselina
contou-me que morava na cidade e não na zona rural de Pombal. Porém, o seu pai
era morador do pai de dona Oda Rodrigues, filha do Major Saturnino Rodrigues,
proprietário do Sítio Areal, que era vizinho do sítio Vassouras. Por esse
caminho, ela foi convidada a assumir o cargo de Rainha.
Quanto a
Manoel Antônio Maria Cachoeira ser um branco do algodão, pelos mesmos
argumentos acima citados, não vejo muita sustentação nessa afirmação. Não seria
naquela localidade que moraria um branco do algodão, que costumava morar na
zona rural, com residência na cidade, mas que a ocupava apenas nos dias de
feira, como apoio para negociar seus produtos agrícolas.
Histórias
orais passadas ao longo do tempo, já que não há registros documentais narrando
o fato, dão conta que Manoel Cachoeira viajou a pé, de Pombal a Olinda, para
solicitar tal autorização, por três vezes, só conseguindo o pleito na terceira
tentativa.
A dificuldade
enfrentada por Manoel Antônio Maria Cachoeira para a criação da Irmandade
estaria nos vigários de Pombal, entre esses o padre Álvaro Ferreira de Souza,
que discordava da criação da confraria. O preconceito do vigário contra os
negros fez com que ele se opusesse também à religião dos negros – a devoção ao
Rosário, e a organização da festa.
Alguns autores
chegaram a duvidar das três viagens a Olinda, realizadas por Manoel Maria
Cachoeira, narradas pela tradição oral. Eles dizem tratar-se de mais uma
alegoria para reafirmar o seu heroísmo, transformando-o em mais um conto
folclórico, ao narrar que ele realizou “três tarefas impossíveis” para pessoas
comuns, antes de conseguir o seu intento.
Não faz
sentido duvidar dessa façanha de Manoel Maria Cachoeira, salvo se você, de
forma equivocada, comparar a cobertura dessa distância com os meios disponíveis
nos dias atuais, quando é possível fazê-la em apenas seis ou sete horas de
viagem, a distância entre Pombal e Olinda. Até as primeiras décadas do século
XX, antes da chegada do trem, esse percurso era feito a pé e durava entre 30 e
40 dias, ida e volta.
A dúvida seria
se o Manoel Maria Cachoeira fez sua viagem de forma solitária ou se na trilha
dos inúmeros tropeiros que cruzavam os sertões do Rio Grande do Norte e
Paraíba, saindo de Caicó com suas mulas carregadas com fardos de peles e de
algodão, com destino a Recife, e com paradas obrigatórias em Pombal, Soledade,
Campina Grande, Goiana, até chegar a Olinda.
Folcloristas e
historiadores da região concluíram que o fato do primeiro rei da Irmandade ter
viajado a Olinda, a fim de pedir autorização ao Bispo para criar a confraria,
aponta-nos, mais uma vez, a falta de apoio do pároco local. Esses documentos
deveriam ser enviados oficialmente pela Igreja e não serem conduzidos por um
negro, cuja chance de ser recebido por um bispo era remota. Mas não podemos
ignorar o fato de que, se o Manoel Antônio Maria Cachoeira foi recebido pelo
bispo, e isso aconteceu, podemos deduzir que ele levou alguma carta de
recomendação, de anuência ou concordância pela legalização da Irmandade. Ao
contrário, sequer seria recebido na Cúria. E essa carta de recomendação só uma
autoridade de Pombal poderia assiná-la: o vigário.
Se for
verdade, e acreditamos que sim, a informação de que Manoel Maria Cachoeira
viajou por três vezes e só foi atendido na terceira tentativa pode ter ocorrida
porque, das vezes anteriores, ele não tenha conseguido a simpatia dos vigários
contemporâneos.
Jerdivan
Nóbrega de Araújo. Advogado. Escritor. Poeta. Funcionário da Empresa Brasileira
de Correios e Telégrafos. Membro do Grupo Benigno Ignácio Cardoso D' Arão.
Paraibano de Pombal.
Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário