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segunda-feira, 15 de agosto de 2016

GENTE DAS RUAS DE POMBAL MANOEL ANTÔNIO DE MARIA CACHOEIRA E JOAQUINA DAS VASSOURAS (REI E RAINHA DO ROSÁRIO NO FINAL DO SEC XIX

Jerdivan Nóbrega de Araújo

Figura central e motivadora do reconhecimento oficial da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal, Manoel Antônio de Maria Cachoeira, de quem pouco se sabe, mas, com certeza, não foi ele o criador da Irmandade ou da adoração do Rosário, como se atribui. O seu mérito é ter lutado incansavelmente pelo reconhecimento, por parte da Igreja, de um evento que veio bem antes dele.


Especula-se que Manoel Antônio de Maria Cachoeira tenha sido um negro liberto, com certo poder aquisitivo, talvez um dos chamados brancos do algodão, assim denominados os negros livres, que obtiveram uma ascensão social através do enriquecimento proveniente do plantio e beneficiamento do algodão.

Pesquisadores chegaram a afirmar que o patrono da Irmandade de Pombal residisse na própria Igreja do Rosário, da qual era o zelador, e com seu trabalho teria criado o patrimônio da Irmandade. Contudo, é pouco provável que Manuel Antônio de Maria Cachoeira morasse na Igreja, que à época não era da devoção do Rosário e sim de Nossa Senhora do Bonsucesso.

Há mais: não existe qualquer local ou evidências naquela construção bicentenária que venha sugerir que, em algum momento, tenha acomodado uma pessoa, mesmo sendo ela solteira.

Até o mês de abril de 1839, o pároco da freguesia de Pombal residia em um sítio distante três léguas da Matriz. Naquele ano, o Bispo de Olinda, D. João da Purificação Marques Perdigão, que saíra do Palácio da Soledade a 1º de maio de 1839, retornando à sede episcopal a 8 de janeiro de 1840, após percorrer o interior das Províncias da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, em passagem pela cidade de Pombal determinou, através de portaria, que o pároco passasse a residir junto à Matriz.

A casa onde passou a residir o Pároco da Igreja do Bonsucesso era um sobrado localizado atrás da Igreja, e que foi demolido em meados da década de 1970. No lugar foi construída a residência do comerciante Dantinhas.

Até o final do século XIX, a cidade de Pombal concentrava seu centro urbano, com casas bem construídas, em umas poucas ruas centrais, como Rua dos Prazeres (atual Rua do Comércio), Rua do Rio, o centro formado pelas duas igrejas, e mais ao sul a Rua da Aurora, hoje denominada Rua João Pessoa e a Rua do Giro (hoje João Capuxu).

A Rua João Capuxu terminava em um riacho que desaguava no leito do rio Piancó, que à época era temporário. Depois desse riacho, as casas eram construções simples, em taipas e espaçadas entre elas. É o que se deduz das descrições do processo do crime de Donária dos anjos, fato ocorrido em 1877, quando se descreve o local do sinistro evento.

Foi ali que se instalou e funciona até os dias atuais a casa de adoração ao Rosário e, por consequente, a casa do juiz da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal. Isso nos levar a acreditar que ele sabia que ali sempre morou o juiz da Irmandade.


Portanto, o mais provável é que Manuel Maria Cachoeira residisse na casa do Rosário, situada na hoje denominada Rua do Rosário, confluência com a Rua Manuel Maria Cachoeira.

Naquela localidade morava não apenas Manoel Antônio de Maria Cachoeira, o primeiro juiz da Irmandade depois do reconhecimento oficial por Lei Provincial e, em seguida, pela cúria em Olinda, como também residiam nas imediações outros membros da Irmandade, formando, assim, uma comunidade de casas simples onde viviam uns poucos negros libertos da cidade.

Maria Joaquina da Vassoura, a primeira rainha do Rosário que se têm notícias, era moradora do sitio Vassouras, localizado na região norte da cidade, e pertencia ao Major Salgado. Era costume à época, agregar ao nome próprio a denominação da localidade de origem dos seus moradores.

Maria Joaquina não só era proveniente do sítio Vassouras, como era uma Rufino, já que foram os Rufinos da Vassoura quem criaram o grupo Negros do Pontões. Foi também um Rufino quem sucedeu Manoel Maria Cachoeira no cargo de Juiz da Irmandade, após a sua morte.

Em entrevista com a rainha perpétua Roselina da Silva, perguntei como ela sucedeu a Maria Joaquina da Vassoura, e se também era moradora do sítio Vassouras. Roselina contou-me que morava na cidade e não na zona rural de Pombal. Porém, o seu pai era morador do pai de dona Oda Rodrigues, filha do Major Saturnino Rodrigues, proprietário do Sítio Areal, que era vizinho do sítio Vassouras. Por esse caminho, ela foi convidada a assumir o cargo de Rainha.

Quanto a Manoel Antônio Maria Cachoeira ser um branco do algodão, pelos mesmos argumentos acima citados, não vejo muita sustentação nessa afirmação. Não seria naquela localidade que moraria um branco do algodão, que costumava morar na zona rural, com residência na cidade, mas que a ocupava apenas nos dias de feira, como apoio para negociar seus produtos agrícolas.

Histórias orais passadas ao longo do tempo, já que não há registros documentais narrando o fato, dão conta que Manoel Cachoeira viajou a pé, de Pombal a Olinda, para solicitar tal autorização, por três vezes, só conseguindo o pleito na terceira tentativa.

A dificuldade enfrentada por Manoel Antônio Maria Cachoeira para a criação da Irmandade estaria nos vigários de Pombal, entre esses o padre Álvaro Ferreira de Souza, que discordava da criação da confraria. O preconceito do vigário contra os negros fez com que ele se opusesse também à religião dos negros – a devoção ao Rosário, e a organização da festa.

Alguns autores chegaram a duvidar das três viagens a Olinda, realizadas por Manoel Maria Cachoeira, narradas pela tradição oral. Eles dizem tratar-se de mais uma alegoria para reafirmar o seu heroísmo, transformando-o em mais um conto folclórico, ao narrar que ele realizou “três tarefas impossíveis” para pessoas comuns, antes de conseguir o seu intento.

Não faz sentido duvidar dessa façanha de Manoel Maria Cachoeira, salvo se você, de forma equivocada, comparar a cobertura dessa distância com os meios disponíveis nos dias atuais, quando é possível fazê-la em apenas seis ou sete horas de viagem, a distância entre Pombal e Olinda. Até as primeiras décadas do século XX, antes da chegada do trem, esse percurso era feito a pé e durava entre 30 e 40 dias, ida e volta.

A dúvida seria se o Manoel Maria Cachoeira fez sua viagem de forma solitária ou se na trilha dos inúmeros tropeiros que cruzavam os sertões do Rio Grande do Norte e Paraíba, saindo de Caicó com suas mulas carregadas com fardos de peles e de algodão, com destino a Recife, e com paradas obrigatórias em Pombal, Soledade, Campina Grande, Goiana, até chegar a Olinda.

Folcloristas e historiadores da região concluíram que o fato do primeiro rei da Irmandade ter viajado a Olinda, a fim de pedir autorização ao Bispo para criar a confraria, aponta-nos, mais uma vez, a falta de apoio do pároco local. Esses documentos deveriam ser enviados oficialmente pela Igreja e não serem conduzidos por um negro, cuja chance de ser recebido por um bispo era remota. Mas não podemos ignorar o fato de que, se o Manoel Antônio Maria Cachoeira foi recebido pelo bispo, e isso aconteceu, podemos deduzir que ele levou alguma carta de recomendação, de anuência ou concordância pela legalização da Irmandade. Ao contrário, sequer seria recebido na Cúria. E essa carta de recomendação só uma autoridade de Pombal poderia assiná-la: o vigário.

Se for verdade, e acreditamos que sim, a informação de que Manoel Maria Cachoeira viajou por três vezes e só foi atendido na terceira tentativa pode ter ocorrida porque, das vezes anteriores, ele não tenha conseguido a simpatia dos vigários contemporâneos.

Jerdivan Nóbrega de Araújo. Advogado. Escritor. Poeta. Funcionário da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. Membro do Grupo Benigno Ignácio Cardoso D' Arão. Paraibano de Pombal.

Enviado pelo professor, escritor, pesquisador do cangaço e gonzaguiano José Romero de Araújo Cardoso

http://blogdomendesemendes.blogspot.com

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